26 de fevereiro de 2022
16 de fevereiro de 2022
A PULGA BONITA DE ARRAIOLOS
Não se trata daquele conhecido
inseto de que todos fugimos mas tão só do nome de uma linda jovem cujo rosto
andou nos bolsos de todos os portugueses, muito antes de se falar no euro,
salientando-se nas moedas de 5 escudos e 50 centavos.
Pois bem, em 1910, com 18 anos
(outros referem 16) – Hilda Pulga de seu nome, natural de Arraiolos, onde
nasceu em 1892, serviu de modelo para o Rosto da República, ao escultor Simões
de Almeida, sempre sob o olhar atento da mãe.
Foi ela que posou para o busto
da “República”. Um seu familiar veio a saber que a senhora foi para Lisboa
muito jovem, com os seus 10 a 13 anos, e que “as fomes daquela altura”, no
Alentejo, que “eram muito grandes”, terão motivado a sua mudança para a capital,
exercendo a profissão de costureira.
A sua vida foi repleta de
aventuras. Ela, que consta ter sido profundamente monárquica, muito católica e
reacionária, aceitou o pedido do escultor, por amor ao País. Hilda trabalhava
numa camisaria na Rua Augusta, na Baixa de Lisboa. Estava a fazer uma entrega
quando se cruzou com o escultor, que lhe achou graça, vendo nela o rosto cheio
de beleza e o ideal para o trabalho que pretendia executar, convidando-a assim
para sua modelo. Como Hilda era menor de idade, Simões de Almeida teve de pedir
autorização à mãe dela, que lhe impôs duas condições: ela própria teria de
estar presente nas sessões; e a filha teria de posar vestida. No entanto o
busto do escultor mostra uma mulher de amplo decote, com o pescoço e os ombros descobertos,
o peito envolto por um manto com a esfera armilar ao centro e a cabeça coberta
por um barrete frígio. Mas Hilda jurou que só tinha desabotoado um botão da
camisa e que o escultor apenas lhe moldava o rosto.
O pai de Hilda era um homem
abastado, proprietário da fábrica de tijolos da praça de Touros do Campo
Pequeno, em Lisboa. Um revés nos negócios obrigou-o a vender a fábrica, e
atraído pelo negócio da borracha, rumou para a Amazónia peruana, onde veio
reunir a mulher e os cinco filhos, erguendo um armazém geral. Lá foi Hilda, a
mãe e os quatro irmãos, numa longa viagem de três meses, de Lisboa para Belém
do Pará, de “vapor, barco e piroga”. Após três anos felizes na Amazónia, o pai
adoece, tendo que regressar a um clima temperado, a conselho médico. A família
Pulga regressa a Lisboa mas o pai não aguenta a viagem e morre a bordo, ao
largo de Cabo Verde, sendo o funeral feito no mar.
Surge a miséria na família,
sem o sustento necessário. Hilda Pulga dedicou-se à costura e nunca deixou de
costurar a vida toda, até aos 96 anos: “lençóis, toalhas, fardas de empregada,
crochet”, ocupando-se muito em leituras. Antes dos 30 anos teve um primeiro
cancro, e, na mesma altura, casou-se com um jornalista, cujo matrimónio durou
somente dois meses. Apesar de muito católica, pediu o divórcio em 1932 (ainda
antes da Concordata ser assinada em Portugal). Voltou a casar-se e nunca teve
filhos, criando uma sobrinha. Aos 77 anos optou por ir para um lar,
remetendo-se à clausura total. Faleceu com 101 anos, em 1993.
Com a implantação da
República, foram modificados os símbolos nacionais: a bandeira, o hino nacional
e o busto. Este símbolo – o busto da República – sendo a representação de uma
ideia, é expresso de forma icónica através do busto de uma mulher, ostentando
um barrete frígio. A imagem teve como inspiração a obra “A Liberdade guiando o
Povo”, pintada em 1830 pelo francês Eugene Delacroix. Esta imagem da República
é uma herança da Revolução Francesa (1789) e dos seus ideais, nomeadamente a
liberdade, a fraternidade e a igualdade. Em Portugal, esse símbolo nasceu em
meados do ano 1908, em pleno período de forte descontentamento e de grande
agitação popular, no ano em que teve lugar o regicídio, ou seja, dois anos
antes da vitória definitiva da República. Foi assim que um grupo de
republicanos portugueses, liderados pelo Presidente da Câmara Municipal de
Lisboa, Braamcamp Freire e pelo arquiteto e vereador municipal, Ventura Terra,
resolveram abrir concurso para que fosse elaborado um busto de mulher que, à
boa maneira francesa, fosse um símbolo que facilmente a generalidade do povo
português, fortemente marcado por iliteracia, pudesse compreender. E assim
surgiu a alentejana Hilda Pulga, que, com todos os preconceitos que existiam,
no início do século XIX, era preciso ter muito arrojo para posar para um
artista e Hilda teve essa coragem. Durante um mês, Hilda Pulga posou duas horas
por dia para que se concretizasse o busto…Foi obra!...
O busto oficial da República
foi escolhido num concurso nacional promovido pela Câmara Municipal de Lisboa
em 1911, do qual participaram nove escultores. É da autoria de Francisco dos
Santos e está exposto na Câmara Municipal. Existe no entanto outro busto que
foi adotado como o rosto da República, da autoria de José Simões de Almeida,
embora tivesse ficado em segundo lugar no concurso, e criado em 1908.
Hilda Pulga foi a jovem, de carne e osso, que corporizou a República.
João de Jesus Nunes
(In “Notícias da
Covilhã”, de 17-02-2022)
E TUDO O VOTO LEVOU
Um vendaval de “surpresa” ocorreu nestas últimas eleições. A maioria
absoluta do PS colocou o país qual Milagre
das Rosas.
Fartos já de ouvirmos a palavra “polarização”, e outras mais do mesmo,
como no início da democracia aquelas “amplas liberdades democráticas”, a
resposta dos Portugueses não poderia ter sido melhor a penalizar aqueles que contribuíram
para o desfecho destas eleições.
Nas desculpas esfarrapadas dos (ir)responsáveis pela situação que os
próprios geraram, levaram grande parte do espaço da campanha eleitoral a bater
no ex-primeiro ministro, ao não querer apresentar alterações ao orçamento
chumbado, em vez de eleições, de que a ideia de António Costa era ter a maioria
absoluta.
Acredito que CDU e BE jamais pensariam levar a direção deste caminho, e,
logo após o chumbo do Orçamento de Estado, a fisionomia de Jerónimo de Sousa
era bem evidente. “A dirigente bloquista passou a primeira metade da campanha a
justificar a decisão da rejeição do Orçamento e a segunda metade a parecer
querer pedir desculpa por tê-lo feito”, pelo que, nas palavras de Boaventura de
Sousa Santos, coloca em dúvida a credibilidade daquela dirigente.
Agora, “O PS pode fazer o que quiser. Preparar as suas políticas e
designar os seus protagonistas. A nada está obrigado, a não ser à lei e à
democracia. À justiça e à honestidade”, segundo as palavras de António Barreto.
Estas não foram as primeiras eleições que decorreram em pandemia. No
entanto, desta vez as circunstâncias foram diferentes, com um elevado número de
infetados, bem como em isolamento profilático, que, previamente inscritos,
puderam votar os que o desejaram fazer.
Com o trambolhão enorme da CDU e o BE (pena terem deixado de ter presença
no Parlamento os históricos António Filipe e João Oliveira, que vão fazer falta
no hemiciclo), o PS deixa de ter desculpas para protelar as reformas que se
impõe realizar.
O mal de que vinha padecendo o CDS tornou-se de morte para a sua
continuidade no novo Parlamento (ele, um dos fundadores da democracia), e já
nem de partido de táxi passara a ser. Partidos de bicicleta, esses são agora o
PAN e o LIVRE, com a eleição de um único deputado.
Pois é, o povo português gosta de estabilidade e já não vai à bola com o
populismo que certas lideranças aproveitam para apregoar na estrada. No
entanto, “convém entender que a nossa democracia já está amadurecida e há
chicanas políticas que quem vota não perdoa. Logo a devido tempo lança a farpa
para agir em legítima defesa”, na interpretação de José Albano, in A Guarda.
Não podemos esquecer a extrema-direita, com o CHEGA a alcandorar-se como
terceira força política, a IL também em posição destacada, mas temos fé que o
Povo Português saberá defender a democracia, o que leva António Barreto a dizer
no seu artigo in Público, sob o título “Sem desculpas”: “O PCP e o
Bloco, que liquidaram o atual Governo, foram derrotados, o que confirma a ideia
de que Deus não dorme”.
Numa análise do Expresso, “Os mais ricos
votam mais IL, mais Bloco e mais CDU mas menos Chega. Os mais pobres preferem o
centro e penalizam os outros partidos. Onde há mais RSI, o Chega tem melhor
resultado. Mas nos concelhos mais jovens o PSD é dos que mais perde”.
O chefe do novo governo terá que ter o
entendimento do PSD para poder fazer grandes reformas uma vez que são
necessários dois terços de deputados no Parlamento. Já sem as amarras do Bloco
de Esquerda e do Partido Comunista, António Costa, nas suas inevitáveis dificuldades
deste novo governo (que sempre irão existir) decerto tudo fará para utilizar
bem a maioria absoluta a favor do crescimento e do desenvolvimento do País,
esperando-se sem cedências a clientelas e amiguismos.
É que, conforme referiu Agustina
Bessa-Luís, “O país não precisa de quem diga o que está errado: precisa de quem
saiba o que está certo”.
E, assim, António Costa, dentro de quatro
anos, poderá sonhar com Belém.
João de Jesus Nunes
(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 16-02-2022)