17 de agosto de 2023

SETENTA VEZES SETE

 


Embora esta crónica chegue aos prezados Leitores d’ “O OLHANENSE”, já depois do Papa Francisco ter terminado a sua viagem a Portugal, no âmbito das JMJ – Jornadas Mundiais da Juventude, ela foi escrita na segunda semana de agosto, em plena visita papal.

O entusiasmo com que os milhares de jovens do Planeta se têm manifestado em Lisboa e Fátima, e noutros locais por onde passaram, leva-nos para um percecionismo de que podemos contar com eles.

A persistência e a exemplaridade do Papa Francisco, num trabalho assaz difícil, em que nem a idade o verga, de que neste quintal planetário – a Casa Comum – cabem todos os humanos, independente das suas convicções religiosas, cor da pele, e posições políticas, sem esquecer os deficientes de várias vertentes, muitos deles corajosamente não vencidos pelas suas situações que vão para além de muitos sem problemas físicos ou mentais, é deveras notável.

“70 x 7”, expressão que tem origem na Bíblia, no Novo Testamento, mais especificamente no Evangelho de São Mateus, capítulo 18, versículo 22, Jesus respondeu a Pedro sobre quantas vezes ele deve perdoar seu irmão que peca contra ele. E cito: “Então Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou: ‘Senhor, quantas vezes deverei perdoar a meu irmão quando ele pecar contra mim? Até sete vezes? Jesus respondeu: ‘Eu digo-te: Não até sete, mas até setenta vezes sete’”

Utilizando desta vez a inteligência artificial via ChatGTP,, vamos acrescentar que a expressão “setenta vezes sete (70x7) é simbólica e não deve ser interpretada literalmente (aliás como é óbvio) como um cálculo matemático. Ela expressa a ideia de um perdão abundante, ilimitado e generoso, enfatizando a importância da misericórdia, compaixão e reconciliação no cristianismo. Na religião católica, essa passagem é frequentemente utilizada para ensinar sobre a importância do perdão mútuo entre os fiéis, refletindo a atitude de Deus em relação ao perdão dos pecados da humanidade. Portanto, o “70 x 7” na religião católica é uma referência a ensinamento de Jesus sobre o perdão contínuo e generoso que os cristãos devem praticar em suas vidas”.

Após o términus destas Jornadas Mundiais da Juventude, e depois de apurados todos os resultados dos prós e dos contras, pensamos que o país ganhou com estas Jornadas já que, conforme referiu Marcelo Rebelo de Sousa, “mais de um milhão de peregrinos é uma loucura. É uma coisa nunca vista em Portugal, é irrepetível”. Sobre o impacto da JMJ em si, Marcelo disse que “vê mais valor no evento, como Presidente, porque o país dificilmente terá um evento como este”. A Coreia do Sul recebe a próxima Jornada Mundial da Juventude.

Antes da vinda do Papa Francisco a Portugal já vários processos judiciais canónicos foram resolvidos, resultantes de abusos sexuais de menores, muitos deles com absolvição.

Estes abusos praticados na Igreja parece-me, na minha opinião, que não terão sido levados em conta, pelos cardeais e bispos portuguese, na rigorosidade do Papa Francisco, na evidência dos relatos dos ofendidos.

Voltei a reler há poucos dias, na Comunicação Social, o caso de um Bispo apanhado nas redes do crime da pedofilia, que viveu no silêncio do refúgio no Alentejo, sendo depois acolhido na residência dos salesianos, em Lisboa. Foi aqui que, em plena pandemia, no ano 2020, foi notificado da pena canónica imposta pelo Dicastério Para a Doutrina da Fé. Assim, Carlos Ximenes Belo (antigo Prémio Nobel da Paz!!!) perdia a dignidade de bispo, mas continuava autorizado a exercer o ministério sacerdotal. Só que ainda não tinham chegado ao Vaticano os relatos das aventuras de Ximenes em Moçambique. Viria então um maior castigo canónico, o segundo. Desta vez, em novembro de 2021, o Dicastério para a Doutrina da Fé, retirou-lhe o múnus sacerdotal. O então padre Ximenes foi reduzido ao estado laical. “Passou de pastor – voz heroica da Igreja na luta pela independência de Timor-Leste, à condição de ordinária ovelha negra entre o vasto rebanho apostólico romano.”

Agora, simples leigo, sem rendimentos para se poder governar, direcionado para a miséria. Cumpre o castigo com tanta humildade que nem se dá por ele nas ruas de Mogofores, uma pequena aldeia que só nos meses de verão tem alguma agitação. Impôs-se à clausura das quatro paredes dum quarto donde sai apenas para tomar as refeições do dia.

Lamentavelmente, os bispos portugueses sabiam disto.

Pela minha Diocese - a da Guarda, também se passaram coisas altamente desagradáveis com a denúncia de abuso sexual de menores. Um padre que fora vice-reitor do antigo Seminário do Fundão foi condenado a dez anos de prisão e reduzido à vida laical, hoje ajudante de cozinha num restaurante. Lamentavelmente sempre teve a defesa do bispo D. Manuel Felício, o qual não goza de boa aceitação na generalidade dos fiéis desta Diocese

E, mais recentemente, no passado mês de julho, a Diocese da Guarda levantou as medidas cautelares impostas desde março ao Padre Vitor Lourenço, de 61 anos, pároco de Figueira de Castelo Rodrigo, que paroquiou na Vila do Carvalho – Covilhã, onde se deu a denúncia de envolvimento num caso de abuso sexual com um jovem de 12 anos, atualmente sacerdote na Covilhã, de 42 nos (portanto denúncia de atos praticados há 30 anos) onde chegou a ser diretor de um Semanário.

Esperemos que estas JMJ que terminaram em Portugal, sirvam para incutir o verdadeiro espírito   clerical para quem tem vocação e afaste de vez as tendências perniciosas que fazem denegrir a fé no seio da Igreja. Que estes novos jovens, com a dinâmica do Papa Francisco, consigam transformar o mundo na direção do Criador.

 

João de Jesus Nunes

jjnuns6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 15-08-2023)


16 de agosto de 2023

RESISTÊNCIA AO ESQUECIMENTO

 


A minha memória começa a pregar-me partidas. Esqueço-me com frequência, e o sentido com que quero dizer algumas palavras, orais ou escritas, ou aquela palavra que falta para completar a frase, não sei por que cargas de água, ainda que na parte cognitiva tenha a certeza de que a conheço, não sai, ofusca-se, e quando já não necessito dela (palavra, frase ou provérbio), vem, duma forma lampeira, à recordação, que serviria para completar/discernir dos factos que necessitava em devido tempo.

Mas é na escrita, de longa data, como sobejamente tenho referido, que vou encontrar o antídoto para contradizer o esquecimento.

Quantas vezes vou a uma das estantes, pego num livro, folhei-o despreocupadamente, e não é que aí vou encontrar algo de inspiração para uma crónica?

E é tal a profusão de assuntos que se sobrepõem em folhas de papel e apontamentos uns em cima dos outros, que, por vezes, quando a memória me pretende atraiçoar, lá vou contrariando o esquecimento e surge o que avidamente procurava.

Em 2016, Miguel Esteves Cardoso, nas suas “100 Melhores Crónicas”, já referia em “O Prazer de Esquecer”: “Começo a esquecer-me e a enganar-me. Não resisto. Meu pai sempre a avisar-me: ‘É escusado perder tempo a pensar no tempo em que o tempo se perdia a fazer coisas em vez de pensar nelas’. Perde-se sempre tempo a pensar, seja qual for a idade. Pensar é uma das melhores maneiras de passar o tempo. Então pensar sobre o tempo a passar: que melhor maneira pode haver de enfrentar a morte? Nenhuma. Por enquanto ainda sei que me esqueço e me engano. Ainda sou capaz de querer procurar – e de procurar e encontrar – as coisas de que me vou esquecendo. Mas, ao mesmo tempo, sinto e sei que vem aí um tempo em que só não darei pelos esquecimentos e enganos como serei incapaz de resolvê-los. O cérebro envelhece: enche-se, erradamente, das coisas mais antigas e menos úteis”.

Já que falei do esquecimento, vamos lá numa retrospetiva do jornal online ECO, de 25-11-2016, para a recordação que então trouxe de alguns dos “Oito tesourinhos deprimentes do Parlamento”, a que o mesmo se refere: Ricardo Mourinho Félix, então secretário de Estado do Tesouro, acusou os deputados da direita de “disfuncionalidade cognitiva temporária”.

Há dias em que os deputados e governantes estão inspirados e citam Camões. Mas há outros em que o vernáculo não é tão poético e os ânimos exaltam-se, nomeadamente com expressões pouco elogiosas à capacidade de uns e de outros.

Um dos episódios tristes da Assembleia da República mais conhecido, passou-se em 2 de julho de 2009, quando José Sócrates era primeiro-ministro e Manuel Pinho chefiava a pasta da Economia. Durante o debate do Estado da Nação, discutia-se a situação das Minas de Aljustrel. Bernardino Soares, do PCP, acusou Pinho de ter ido a Aljustrel “dar um cheque”. Era José Sócrates quem usava da palavra, mas Pinho encontrou uma forma de responder: colocou os dedos na testa e fez cornos para a bancada comunista. Manuel Pinho acabou por ser demitido por Sócrates.

Em abril de 2010, Francisco Louçã, quando era líder do Bloco de Esquerda, dirigiu-se a Sócrates, nestes termos: “Sr. Primeiro-ministro, eu vejo que de intervenção em intervenção vai ficando um pouco mais manso...”. A resposta de Sócrates foi captada pelos microfones, mas ficou gravada nas imagens: “Manso é a tua tia, pá!”.

Em novembro de 2014, sobre o tema reforma do IRC, houve uma luta pelo microfone, entre Paulo Núncio, que era secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, e Eduardo Cabrita, mais tarde ministro-adjunto, mas que à data era deputado do PS na Assembleia da República. Núncio tinha acabado de intervir, acusando o PS de rasgar o acordo sobre a reforma, e Cabrita, apesar de estar a conduzir os trabalhos, decidiu tomar a palavra para contrariar o então governante. Paulo Núncio tentou ligar o microfone e interromper Eduardo Cabrita, mas o então deputado não deixou. Enquanto falavam, Eduardo Cabrita desligava sucessivamente o microfone a Paulo Núncio. “Seja verdadeiro, seja verdadeiro” pediu Núncio.

Em junho de 2014, no debate sobre o jogo online, Duarte Marques, deputado do PSD, utilizou a palavra “palhaçada” para se referir à intervenção de José Magalhães, deputado socialista. José Magalhães preparava-se para intervir, mas, antes disso, decidiu responder: “O Sr. Deputado vá chamar palhaço ao seu pai”.

Em 13 de abril de 2016, durante uma audição do ministro do Trabalho, Vieira da Silva, na comissão parlamentar da especialidade, Wanda Guimarães, deputada do PS, lançou-se contra os deputados do PSD: “As direitas – e neste caso estou-me a referir àquela que saiu adornada de social-democracia no último congresso do PSD – têm mudado, de facto, o seu comportamento. Primeiro assistimos a uma grande agressividade e agora passou para o que eu chamaria de transtorno psicótico político. Atenção, político”. À resposta de Adão e Silva, muito enervado com a de Wanda, esta, não dando o assunto por terminado, respondeu: “Se gosta mais de autismo do que de transtorno psicótico, pronto. Agora, não me interrompa porque isso é falta de educação”.

Estes são alguns dos episódios, uns hilariantes, outros vergonhosos, que se passaram no Parlamento português.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 16-08-2023)

5 de agosto de 2023

A MONUMENTAL TAÇA “O SÉCULO” DO SCP E SCC

 




Vem este artigo a propósito de reforçar o esclarecimento sobre a atribuição deste troféu, o qual foi, entretanto, já prestado nalguns órgãos da comunicação social, em outubro de 2014.

Na exposição que o Sporting Clube da Covilhã tem patente no Museu da Covilhã e que se estende até ao dia 19 de setembro, lá está a Monumental Taça “O Século” ganha em 1948, com muito mérito, por esta Coletividade que está celebrando o seu centenário.

Dizia-se que só havia em Portugal duas monumentais taças com esta matriz – uma, ganha pelo Sporting Clube de Portugal (SCP) e, outra, pelo Sporting Clube da Covilhã (SCC), em 1948.

Iguais à primeira, com 123 cm de altura, existem efetivamente duas, mas uma segunda monumental Taça, esta com 140 cm, e formato diferente, encontra-se no Museu do SCP, ganha em 1953.

A história desta Taça começa com a iniciativa do diretor do extinto jornal O Século, João Pereira da Rosa, organizando, em 1938, a “Exposição Histórica do Futebol”, para comemorar os 50 anos do futebol em Portugal e, com a respetiva receita, criou duas gigantescas taças, do mesmo tamanho, a que se chamou Monumental Taça “O Século”, destinando-se uma para os Clubes da I Divisão e outra para os Clubes da II Divisão.

O diário “O Século”, enquanto fez a encomenda das duas taças, elaborou um projeto de regulamento das mesmas que submeteu à apreciação da Federação Portuguesa de Futebol, tendo merecido a sua aprovação.

O Regulamento é do teor seguinte:

Artigo 1.º - As duas taças “O Século”, oferecidas pelo mesmo jornal, para serem disputadas, uma na I Divisão e outra na II Divisão do Campeonato Nacional de Futebol, comemorando a organização das Bodas de Ouro do Futebol Português, que promoveu em Outubro de 1938, serão disputadas nas seguintes condições:

1.º - Ficarão na posse provisória do Clube que se classificar em primeiro lugar na respetiva divisão do Campeonato Nacional de Futebol, com início na época 1938/39.

2.º - Cada uma das taças passará à posse definitiva do Clube que ganhar em três anos consecutivos, ou cindo alternados, o Campeonato Nacional de Futebol, na respetiva divisão.

Artigo 2.º - No fim de oito épocas, se nenhuma das taças, tiver passado à posse definitiva de qualquer Clube, proceder-se-á do modo seguinte:

a)      Se nessa altura nenhum Clube tiver duas inscrições na taça, será a mesma entregue ao vencedor do Campeonato de 1946/47, da respetiva divisão.

b)      Se nessa altura já houver Clubes com duas inscrições alternadas, na época de 1947/48 serão ainda as taças disputadas nos termos do n.º 2.º do art.º 1.º.

c)       Se até ao início da época de 1948/49, nenhum Clube tiver ganho as referidas taças nas condições atrás citadas, serão elas conferidas definitivamente aos Clubes que forem os vencedores das I e II divisões do Campeonato nesse décimo ano da sua disputa.

d)      Artigo 3.º - Se o Campeonato Nacional deixar de disputar-se, não sendo substituído por outra prova semelhante na qual as taças possam continuar a disputar-se, ficarão elas na posse da Federação Portuguesa de Futebol, com destino ao Museu de Futebol Nacional, quando vier a constituir-se.”

Relativamente aos Clubes da I Divisão a tarefa foi fácil na sua definição. À luz do regulamento, ganhou a 1.ª Monumental Taça “O Século” o SCP porque, de 1938/39 até ao seu termo (1947/48) não houve nenhum requisito conseguido por qualquer clube primodivisionário.

Os vencedores dos Campeonatos das I e II Divisões foram então os seguintes:

I Divisão: 1938/39 – FC Porto; 1939/40 – FC Porto; 1940/41 – Sporting; 1941/42 – Benfica; 1942/43 – Benfica; 1943/44 – Sporting; 1944/45 – Benfica; 1945/46 – Belenenses; 1946/47 – Sporting – Sporting; 1947/48 – Sporting.

II Divisão: 1938/39 – Carcavelinhos (ganhou na final ao Sp. Covilhã, por 1-0); 1939/40 – Sp. Farense; 1940/41 – Olhanense; 1941/42 – Estoril; 1942/43 – Barreirense; 1943/44 – Estoril: 1944/45 – Atlético; 1945/46 – Estoril: 1946/47 – Sp. Braga; 1947/48 (Sp. Covilhã, ficando em 2.º lugar o Barreirense, com o mesmo número de pontos, 8. O SCC teve 17 golos marcados e 7 sofridos e o Barreirense 13 golos marcados e 7 sofridos, o que o inibiu de subir em favor do SCC).

Portanto, o Sporting, analisado o Regulamento da Taça “O Século”, acabou por ganhar a primeira, ao 10º ano, ou seja, na época 1947/48.

Embora tivéssemos desconhecimento de que o jornal “O Século” deu continuidade a nova Taça “O Século” (só para a I Divisão), o mesmo jornal viria a deixar de instituir este troféu a partir de 1953.

Foi, entretanto, ganha novamente pelo Sporting Clube de Portugal por ter sido vencedor de três campeonatos seguidos, em 1950/51, 1951/52 e 1952/53 (ganhou também o de 1953/54). Esta segunda Taça é também monumental, com 140 cm de altura, sendo que a primeira, igual à que possui o Sporting da Covilhã, tem 123 cm de altura.

Relativamente à II Divisão, nenhum Clube conseguiria ganhar três campeonatos seguidos, como é óbvio, já que subiam à I Divisão. Assim, ganhou a Taça “O Século” o SCC, no 10º ano, em 1947/48, precisamente quando subiu, pela primeira vez à I Divisão Nacional.

 Estas Taças estiveram provisoriamente em cada Clube (I ou II Divisões), durante o ano em que ganharam os respetivos campeonatos, e iam colocando uma chapinha metálica, na Taça, com o nome do Clube e época. Portanto, as Taças, quer a da I Divisão, quer a que é pertença do SCC, estiveram em poder provisório de todos os Clubes que foram ganhando os respetivos Campeonatos, daí se encontrarem algumas fotografias com esta Taça, como é o caso do Olhanense e do Barreirense.

Alguns Clubes, como o Barreirense (livro sobre a história do Clube págs, 134 e 135), duma forma errónea, bem gravitaram na tentativa de a obter, face à má interpretação do Regulamento, ou mesmo desconhecimento do assunto que o envolveu.

Aqui fica, novamente, o devido esclarecimento.

                                                                                                                                   João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 01-08-2023)