Israel, apanhado de surpresa, e o
Hamas a utilizar o lançamento de foguetes e a tomada de dezenas de reféns. No
início da noite, já Israel contabilizava centenas de mortos e mais de 2.000
feridos.
Aconteceu então durante a
festividade judaica de Simchat Torah, situação que ocorreria 50 anos e um dia
depois da Guerra do Yom Kippur, considerada o último grande episódio que
ameaçou a existência de Israel. Na
ocasião forças egípcias e sírias lançaram uma ofensiva durante o feriado
judaico do Yom Kippur, num esforço para recuperarem território que Israel havia
tomado durante a Guerra dos Seis Dias, travada em 1967.
Este ataque marca a mais
ambicionada ofensiva já lançada por um grupo palestiniano. Nem mesmo a Segunda
Intifada, no início dos anos 2000, que deixou mais de um milhar de israelitas
mortos em quatro anos, foi palco deste tipo de incursão em massa no território
israelita.
O líder do braço militar do Hamas
disse que a ofensiva foi uma resposta ao bloqueio de 16 anos a Gaza, aos
ataques israelitas nas cidades da Cisjordânia no ano passado, e, entre outros,
ao aumento dos ataques de colonos israelitas aos palestinianos e à expansão dos
assentamentos israelitas em território palestino.
Os serviços de inteligência de
Israel falharam todos: Mossad, que recolhe informações e realiza operações no
estrangeiro; a Agência de Segurança de Israel, que controla a segurança interna
e nos territórios ocupados; o Aman, responsável pela inteligência militar. Não
é normal tanto falhanço e até foram avisados pelo Egipto que o Hamas estava a
preparar uma ação em grande escala. Netanyahu considerou que o aviso era uma fake
news. Enfim.
Agora Israel está prisioneiro de
um dilema. Segundo Jorge Almeida Fernandes, in Público, “após o
selvático massacre de 7 de outubro, a opinião pública israelita exprime duas
exigências: garantir a libertação dos reféns, a qualquer preço; destruir o
Hamas de uma vez por todas”. Mas numa análise dum jornalista do diário Haaretz
refere que “O governo israelita deve dizer aos cidadãos, e especialmente
aos reféns e suas famílias, a insuportável verdade; não podemos realizar os
dois objetivos, libertá-los e destruir o Hamas.”
“O resgate dos reféns é a máxima
prioridade”, diz Ayraham Sela, professor de Relações Internacionais na
Universidade Hebraica de Jerusalém. “Israel tem uma obrigação para com eles. Já
não basta deixar que tenham sido capturados?”.
Michael Milshtein, diretor do
Fórum de Estudos Palestinianos na Universidade de Telaviv diz que
personalidades do Hamas “são ideólogos que acreditam na jihad e o
declaram abertamente. O seu autêntico objetivo a longo prazo é destruir Israel.
Eles planearam este ataque desde 2014. Têm um culto pela morte e pelo martírio.
Não é por acaso que usam o termo ‘judeus’ e não ‘sionistas’. O Hamas recusou
sempre a solução ‘dois estados’.”
Na prática, o 7 de outubro
suscitou comparações com a Al-Queda e o Estado Islâmico.
Já Fernanda Câncio, na sua coluna
habitual do DN refere que “Israel está então a fazer tudo de acordo com
o plano do Hamas, e é impossível que até Netanyahu, o irresponsável, o
sem-vergonha, o sangrento, não o saiba. É impossível que o homem que
desguarneceu de tropas a zona sul do país, junto a Gaza e ao seu governo de
terroristas, para garantir a segurança dos colonatos ilegais, ocupados pelos
seus apoiantes de extrema-direita, na Cisjordânia – a ponto de não só permitir
um ataque como o de 7 de outubro, mas também de não haver, durante horas,
socorro para as comunidades martirizadas –, não saiba que está a fazer tudo
segundo a cartilha dos atacantes”.
Mas vejamos o Hamas e Israel à
luz da lei internacional. Segundo Patrícia Akester, in DN, “Tanto Israel
como a Palestina são signatários das quatro Convenções de Genebra de 1949.
Nestas Convenções e nos seus Protocolos Adicionais reside o cerne do Direito
Internacional Humanitário, pelo que tanto Israel como a Palestina estão
obrigados a cumprir os ditames básicos de um ramo de Direito que visa, no
âmbito dos conflitos armados, limitar as barbáries da guerra. Quanto ao Hamas,
desde 2007 que governa de facto a Faixa de Gaza e por lá comanda um Exército,
encontrando-se indissoluvelmente ligado ao Estado da Palestina e tendo, por
extensão, de cumprir as Convenções de Genebra. Além disso, sendo a Palestina
signatária do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI), a conduta
do Hamas cai sob a égide da jurisdição do TPI, que tem competência para julgar
certos crimes que ‘chocam profundamente a consciência da Humanidade´”.
António Guterres,
secretário-geral da ONU, condenou os “atos de terror” e “sem precedentes” de 7
de outubro perpetrados pelo Hamas em Israel nas frisou que “esses ataques
terríveis não podem justificar a punição coletiva do povo palestiniano”. O
discurso não foi bem recebido por Israel.
“Os ataques do Hamas não
acontecem do nada. O povo da Palestina tem sido sujeito a anos de ocupação
(...). Mas as reivindicações do povo palestiniano não podem justificar os
ataques terríveis do Hamas. E esses ataques não podem justificar a punição
coletiva do povo palestiniano”.
É um tema extraordinariamente
sensível, de paixões desabridas, na opinião de José António de Sousa, “em que é
preciso saber andar descalço sobre cacos de vidro. António Guterres sempre foi
cuidadoso e moderado, e como máximo responsável das Nações Unidas tem de saber
unir, não tomar partido. O Hamas é um grupo terrorista que tem de ser
erradicado, a população árabe na Palestina não é o Hamas, tem de ser protegida,
não pode ser um ‘dano colateral’ no processo de erradicação do Hamas. Israel
está na posição difícil de ter de lutar contra um inimigo que utiliza
populações civis, crianças, etc. como escudos humanos. É uma luta que Israel
tem que lutar com inteligência, e não força bruta, para que o Hamas não ganhe a
opinião pública mundial. Acredito que fosse isso que António Guterres quis
dizer, e com o qual eu concordo.”. Eu também concordo.
João de Jesus Nunes
(In “Jornal Fórum Covilhã”, de
08-11-2023)
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