5 de junho de 2024

HÁ 62 ANOS OS COVILHANENSES, INJUSTIÇADOS, ENVOLVERAM-SE NUM CLAMOR EM PROL DO SPORTING DA COVILHÃ

 

O Sporting Clube da Covilhã (SCC) disputava a I Divisão Nacional. A época 1961/1962 seria a última de 13 anos de permanência entre os maiores do futebol português, quase ininterruptamente, exceção feita na época de 1957/58, que baixou à II Divisão, regressando na época seguinte à I Divisão. Nas suas equipas pontificaram sempre grandes jogadores que se evidenciaram, sendo depois protagonistas de transferências para outras coletividades de maior potencial económico.

Nesta época existiam 14 jornadas onde participaram, por ordem da sua classificação final os seguintes clubes: Sporting, F. C. Porto, Benfica, CUF, Belenenses, Atlético, Leixões, Olhanense, V. Guimarães, Académica, Beira-Mar, Lusitano de Évora, Sporting da Covilhã e Salgueiros. Em caso de vitória contavam 2 pontos e não 3 como agora. Só mais tarde (1981) a Liga Ingresa instituiu os 3 pontos por vitória.  Embora houvesse ações disciplinares do árbitro, que a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) exercia perante o relatório do mesmo, ainda não tinha nascido a exibição dos cartões amarelo e vermelho. Os mesmos foram introduzidos somente no ano de 1976. Também um jogador que se lesionasse não podia ser substituído por outro, exceção feita ao guarda-redes, passando a ser possível somente no ano de 1965, e no seguinte, foi autorizada a substituição de um jogador, por qualquer motivo, em jogos da I Liga.

Era campeão nacional o 1.º classificado e baixavam à II Divisão os dois últimos. Iam ao Torneio de Competência I/II Divisão, os 11º (Beira-Mar) e 12º. (Lusitano de Évora) da I Divisão e os segundos classificados da II Divisão, das Zonas Norte (Braga) e Sul (Vitória de Setúbal). Resultou deste Torneio que ficaram na I Divisão o Vitória de Setúbal e o Lusitano de Évora; e na II Divisão, o Braga e o Beira-Mar.

Problemas de arbitragem e interesses instalados sempre houve, como ainda nos dias de hoje, independentemente de haver ou não VAR (este não existia na altura, pois tem poucos anos). No livro Sporting da Covilhã – Passado e Presente, que escrevi em 1998, é bem patente esta situação, no capítulo XXVII – “Quem vê o espetáculo do futebol e o anima” – “3 – A arbitragem, sem arbitrariedade, faz parte do espetáculo”, com a opinião de conceituados jornalistas.

Vivi intensamente os confrangedores dias que constam do assunto em título. Tinha 16 anos.

Começou no dia 7 de janeiro de 1962, domingo, 16 horas. As informações veiculadas não tinham a rapidez dos dias de hoje, nem havia meios de comunicação social como agora. O SCC jogava em Matosinhos, com o Leixões, arbitrado pelo árbitro aveirense, Porfírio da Silva. Os Leões da Serra, bem como o Beira-Mar, de Aveiro, lutavam pela permanência na I Divisão, permanência essa que não se veio a verificar para ambos.

A equipa do SCC empenhou-se para não perder o encontro, e até estava a ganhar por 1-0, golo de Adventino logo aos 5 minutos iniciais. mas encontrou no árbitro mais um adversário, de tal forma que prolongou o desafio mais sete minutos, duma forma tão flagrante que enervou os atletas covilhanenses, porquanto nesse prolongamento excessivo surgiu o segundo golo de Osvaldo Silva, que deu a vitória do Leixões, já na segunda parte. Golos que, segundo a crítica foi forjado o 1º, aos 69 minutos, e o 2º obtido em situação de fora de jogo.

Da reação dos atletas dos Leões da Serra surgiram pesados castigos para cinco jogadores do SCC (Rita, Couceiro, Lanzinha, Chacho e Palmeiro Antunes), com três jogos de suspensão.

A reação dos dirigentes leoninos e da própria população da Covilhã foi tão forte que a FPF – caso inédito para a época! – e até para os dias de hoje, levantou alguns castigos aos atletas covilhanenses, sintoma do mau serviço prestado pelo árbitro de Aveiro.

Na Comunicação Social da altura, referia-se: “Cinco jogadores da equipa covilhanense (os melhores!) suspensos pela FPF. Vai pela cidade toda uma justa e compreensível onda de surpresa e de indignação provocada pelos castigos, ou sanções que a F.P. F. aplicou (…). Não nos recorda que outro clube haja anteriormente sofrido sanção tão severa. Julgamo-la ímpar na história do Campeonato. Nenhum jogador foi expulso do retângulo de jogo e este facto, aliás sintomático, maior ‘força’ empresta à surpresa geral com que a notícia dos castigos foi recebida”. “(…) E, pressurosa, a F.P.F., sem atender a mais nada (nem à Crítica da especialidade que foi unânime em apontar os crassíssimos desmando do árbitro, nem à exposição que o SCC se apressou a enviar-lhe um dia após o jogo, e na qual se pediam providências para o autêntico defraudamento dos seus direitos), ditou a sua sentença e atirou o Clube para uma posição de tal modo melindrosa que se lhe pode ser fatal!”.

“Nesta hora difícil, o SCC encontrou no Dr. Luís Alçada e na coadjuvação do Dr. José Calheiros, os ‘timoneiros’ incansáveis que o momento grave requeria – Extraordinária manifestação e fé clubística. Na reunião magna dos sócios do SCC, realizada no transato sábado, à noite, foram tornadas públicas não só as múltiplas diligências que o famosíssimo ‘caso’ dos castigos federativos havia suscitado até aí, como a disposição em que se encontravam os Corpos Gerentes da Coletividade, de apresentar o seu pedido coletivo de demissão no caso de a justiça não ser feita ao Clube. O vasto salão de conferências da Sede encheu-se muito antes da hora marcada e nas ruas de acesso também se comprimiu multidão, compacta, indiferente à chuva e ao frio, olhos e coração postos no terrível dilema criado no seu Clube: manter-se, ou não, na prova máxima com a equipa de ‘Reserva’. Alguns castigos acabaram por ser levantados. Lanzinha, ilibado de culpas. O castigo de Chacho foi reduzido para um jogo.”

O facto, por inédito no processamento da ‘justiça’ da FPF (inédito pela rapidez do inquérito e também pela citada anulação e redução de castigos) não deixou de causar certa satisfação resultante do facto de, nesta conjuntura, não se ter, de todo, bradado no ‘deserto’ da indiferença e até da sobranceria com que, em regra, estes casos são tratados.

Em 20 de janeiro de 1962, o Comunicado do SCC referia: “Desta forma, os Corpos Diretivos do SCC, em face do que se passou e que aqui fica sumariamente anotado, verificamos que o condicionalismo de que fizeram depender a sua permanência nos cargos, foi observada, pelo que, por isso, independentemente dos votos manifestados pela Assembleia Geral, estarão dispostos a continuar à frente do Clube”. No entanto, atento à gravidade de tais acontecimentos, o que aliás, toda a imprensa da especialidade se referiu, foi deliberado apresentar uma exposição à FPF, pedindo providências. No entanto, o “caso Leixões” não ficou encerrado. Houve novas exposições e recursos para a Direção Geral de Desportos, com vista a ser alcançada a reparação total que o Clube necessitava, mas nada mais foi possível, muito embora no fundo tivesse havido superiormente o reconhecimento de que a regulamentação do futebol necessitava de revisão.

Mais pormenores podem ser obtidos no supracitado livro, páginas 272 a 275.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

 

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 05-06-2024)

 


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