Já muito escrevi sobre o Monumento de Nossa Senhora da Conceição, da Covilhã, que foi inaugurado há 120 anos, longevidade completada no dia 10 de outubro deste ano de 2024.
Na minha crónica para o Notícias da Covilhã, em 19-03-2004, quando se aproximava o centenário, fiz referência a vários eventos que aconteceram em redor deste monumento, local aprazível e de silêncio, no recinto que é para muitos uma forma de encontrar um lenitivo, nas preces ou agradecimentos à Senhora da Conceição.
A imagem que se encontra no monumento está apresentada na configuração de Nossa Senhora de Lourdes mas é designada de Nossa Senhora da Conceição, tal como se encontra na paróquia da Covilhã com este nome.
O engano deve-se ao facto de quando uma comissão de pessoas gradas da Covilhã resolveu mandar fazer a imagem de Nossa Senhora da Conceição, e a ter encomendado em França, aqui a confundiram com outra. Ao ser recebida a imagem encomendada, na Covilhã, verificaram então que a mesma se apresentava com as feições de Nossa Senhora de Lourdes, lapso devido ao facto de, para os franceses, o título de Conceição era para Lourdes, que apareceu a Bernardette Soubiroug, dizendo: “Eu sou a Imaculada Conceição”. Daí a confusão, que acabou normalmente por ser aceite.
Todos os acontecimentos solenes relacionados com o monumento agitaram o meio citadino, concelho e região. O ponto inicial era na Igreja de Nossa Senhora da Conceição. Multidões de pessoas, em trajetos por várias ruas e caminhos, dirigiam-se para o monumento.
Assim aconteceu por ocasião da inauguração em 10 de outubro de 1904, pelo Bispo da Diocese da Guarda, D. Manuel Vieira de Matos.
Outros grandes eventos aqui ocorreram, como de 26 a 29 de maio de 1954, com o “Grande Congresso Mariano da Diocese da Guarda”, no centenário de definição dogmática da Imaculada Conceição. Segundo o Notícias da Covilhã, calcularam-se em 50 000 pessoas que assistiram à procissão para o monumento de Nossa Senhora da Conceição e tomaram parte no encerramento do Congresso. A cidade estava artisticamente engalanada, com milhares de lâmpadas no exterior das casas particulares, nos edifícios públicos e nas igrejas, ao longo do percurso. Das janelas caíam chuvas de flores e os cânticos ecoavam por toda a parte.
Vieram gentes de perto do Douro e das vizinhanças de Castelo Branco, das terras fronteiriças do Sabugal e das mais afastadas nos recantos da Serra da Estrela. Foi uma forma de celebrar por antecipação o cinquentenário da fundação do monumento.
Recordo-me de ter lá estado com a minha família, no meio de uma imensidão de gente, distribuída por todo o recinto e fora dele, durante longas cerimónias, sentados em mantas de ourelos e almofadas, na encosta dos terrenos, à sombra dos muitos pinheiros então existentes, e com as merendas levadas de casa. Tinha 8 anos e deslumbrava-me ao ver uma avioneta a lançar flores sobre o monumento.
De 27 a 29 de junho de 1958, celebraram-se as “Festas Comemorativas do Centenário de Lourdes”. As solenidades culminaram com a romagem das freguesias do Concelho da Covilhã e de toda a região ao monumento, promovidas pela Diocese da Guarda, onde tomaram parte cerca de 20 000 pessoas, conforme regista o Notícias da Covilhã. Teve a presença do Núncio Apostólico, Cardeal D. Fernando Cento. Todos os párocos, e até escolas primárias, prepararam este evento. Distribuíram-se muitas bandeirinhas com as cores do Vaticano, aguardando a vinda do Núncio Apostólico, que foi recebido apoteoticamente no limite do distrito pelo Governador Civil e pelo Presidente da Câmara da Covilhã, Dr. José Ranito Baltazar.
À noite, a cidade apareceu com um aspeto verdadeiramente deslumbrante: as torres das igrejas, os edifícios públicos e particulares, praças, ruas e jardins surgiam iluminadas através de muitos milhares de lâmpadas e focos de luz. Espetáculo maravilhoso e raro que chamou à via pública considerável multidão. Trabalho executado sob a égide e saber de Alexandre Galvão Aibéo.
No edifício novo da Câmara Municipal da Covilhã, que iria ser inaugurado em 11 de outubro do mesmo ano, encontrava-se uma expressiva silhueta de Pio XII, aureolado pelo artístico dispositivo de luz.
Numa sessão solene na Escola Industrial e Comercial Campos Melo da Covilhã, com a presença do Cardeal D. Fernando Cento, além da intervenção do seu Diretor, Engº. Ernesto Melo e Castro, e de outras pessoas, brilhava, num recital neste evento, com várias poesias, a antiga aluna Maria Ivone Manteigueiro (mais tarde, também Vairinho, pelo casamento), de 22 anos. *
No ano de 1961, numa impressionante romagem ao monumento, fazia-se a entrega e colocação no mesmo, duma réplica da espada de D. Nuno Álvares Pereira (hoje São Nuno Álvares Pereira), algum tempo depois da apoteótica receção das Relíquias do Santo Condestável, em 20 de maio desse ano, recebidas no largo de São João de Malta, pelo Bispo da Guarda, D. Policarpo da Costa Vaz, e demais entidades oficiais, e instituições, onde se encontrava um pelotão de militares que estavam, na altura, sediados na Torre (Serra da Estrela ) – Pelotão da Esquadra nº. 3 do Grupo de Deteção, Alerta e Conduta de Intercepção n.º 1, que fizeram guarda de honra. O andor, com as relíquias, que chegaram já noite avançada, fora então transportado por deputados e outras entidades oficiais, e foi objeto de uma grande saudação nos Paços do Concelho pelo Presidente da Câmara.
Outros eventos ocorreram no Monumento de Nossa Senhora da Conceição, como a Bênção das Pastas dos finalistas da Universidade da Beira Interior (UBI). Ultimamente, face ao elevado número de finalistas, o evento tem sido transferido para o Complexo Desportivo da Covilhã.
Deixo deste local, fonte inspiradora de crónicas e de poesia para muitas gentes, a beleza de parte da que trago para os prezados Leitores, da grande poetisa covilhanense, escritora e mulher multifacetada que se radicaria em Lisboa, que já nos deixou, e que foi uma minha grande amiga, Maria Ivone Manteigueiro Vairinho:
“Covilhã, maio de 1958
Covilhã à Noite
É noite, noite de maio, calma e perfumada. Aqui do Monumento de Nossa Senhora da Conceição (local dos mais, senão o mais aprazível da cidade) contemplo a Covilhã de “fora para dentro” e, paradoxalmente, de “dentro para fora”. A imagem de Nossa Senhora ergue-se viva e suave na escuridão, olhando a cidade. Sigo o seu olhar… Espetáculo velho e sempre novo. De cada vez que a contemplo acho-lhe encantos novos, novos cambiantes, novas formas – nunca cansa. É um presépio enorme – pelo colorido e pela forma – que tenho ante os olhos. Pois se até tem o fundo habitual de qualquer presépio – serra levemente ondulada, talhada a pincel, onde um morro mais pronunciado põe um encanto especial. (…)” **
*Teve também um papel importante num recital realizado no Salão Nobre dos Paços do Concelho, no Dia da Cidade de 1998, recitando a poesia “Lua Branca em Céu Azul”.
Maria Ivone Manteigueiro Vairinho nasceu na Covilhã em 27-02-1936 e faleceu em Lisboa em 07-09-2012, encontrando-se as suas cinzas no Cemitério da Covilhã, onde já estão alguns dos seus familiares. Foi homenageada pela Câmara Municipal da Covilhã, no Dia da Cidade, a título póstumo, em 20-10-2014, com a Medalha de Mérito Municipal, categoria Prata.
**O remanescente do texto poético pode ser lido na sua obra “Livro da Dor e da Esperança”, em cuja apresentação tive o prazer de estar presente, no Salão Nobre da CMC, no dia 17-12-1999, tendo sido autografado com as sublimes palavras: “Para o querido amigo João Nunes, com um abraço grande. Maria Ivone Vairinho. 17.12.99”.
João de Jesus Nunes jjnunes6200@gmail.com
(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 06/11/2024)
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