21 de agosto de 2025

PEDRO HISPANO


 

Foi o Papa João XXI, o único Papa português eleito. Uns chamaram-lhe sábio, pelos seus vastos conhecimentos científicos; outros “mago” ou “bruxo”, exatamente pelos mesmos motivos. A verdade é que Pedro Julião, de nascimento – Pedro Hispano, por alusão ao seu país – marcou profundamente o século XIII, deixando sinais indeléveis na história da religião, da filosofia e da ciência.

Nascido em Lisboa entre 1205 e 1226 (sendo esta última mais consensual), faleceu em 1277. Foi pontífice entre 29 de setembro de 1276 – eleito 12 dias antes, em Viterbo – e 16 de maio de 1277, data da sua morte. Uma vida relativamente curta (cerca de 51 anos), e um pontificado ainda mais breve (oito meses), mas ambos plenos de testemunhos relevantes.

Filho do médico Julião Rebolho, estudou na Universidade de Paris, tornando-se também um médico de renome, ao ponto de ensinar Medicina na Universidade de Siena (Itália) e de ser nomeado “arquiatra” (médico pessoal) do Papa Gregório X. Neste domínio, escreveu duas obras fundamentais: De oculo, uma tradução de oftalmologia, e, sobretudo, o Thesaurus Pauperum, no qual indicava curas adequadas para vários tipos de doenças, especialmente destinadas àqueles sem meios para pagar cuidados médicos. Entre os seus escritos filosóficos, destaca-se a Sumulae logicales, onde expõe os princípios essenciais da lógica aristotélica.

No entanto, toda esta atividade científica incomodou os cronistas seus contemporâneos, que o retrataram como “mago”, ou “negromanticus”. Quando morreu tragicamente, vítima do desabamento de algumas salas do Palácio Papal, chegou-se mesmo a sugerir que o colapso teria sido causado por uma explosão resultante de misteriosas experiências que estaria a conduzir – uma acusação mais reveladora do preconceito do que da verdade. Os seus adversários simplesmente não concebiam que um bispo, e muito menos um Papa, pudesse dedicar-se com tanto empenho às ciências.

Abraçando a vida eclesiástica, tornou-se arcediago e depois decano da catedral de Lisboa (1261) e mais tarde, arcebispo de Braga (1273). Nesse mesmo ano, o Papa Gregório X nomeou-o cardeal-bispo de Frascati.

Os seus dotes de inteligência e bondade impressionaram o Colégio dos Cardeais (composto então por apenas dez membros), que, após a morte do Papa Adriano V, o elegeu como sucessor de São Pedro. Como Papa, João XXI distinguiu-se também como diplomata, destacando-se a reconciliação que conseguiu entre Afonso V de Castela e Filipe III de França, após tê-los ameaçado de excomunhão. Dante imortalizaria o seu nome no Canto XII da Divina Comédia, destinando-lhe a glória do Paraíso.

Como o DN noticiou, tratou-se de um ato de justiça, protagonizado pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, João Soares (agnóstico assumido), que disponibilizou cerca de dois mil contos para a construção do novo sepulcro – feito em pedra de calcário lioz de Lisboa, com duas pilastras sobre as quais assenta a laje do túmulo original.

Em memória do único Papa que governou e morreu sem nunca se ausentar da cidade de Viterbo – onde fora eleito e que, durante quase um quarto de século, foi residência permanente dos pontífices e centro da cristandade – Lisboa e Viterbo ficaram mais “próximas”.

Muitos anos depois, os compatriotas de Pedro Hispano puderam, finalmente, recordá-lo num local digno do testemunho que nos deixou: o testemunho de um espírito eclético, de um homem que, antes de abraçar a vida eclesiástica, já se destacava na medicina do seu tempo.

Em 1855, o duque de Saldanha, então embaixador de Portugal junto da Santa Sé, mandou executar um novo sepulcro, mais digno, em mármore. Na lápide ficou gravado: “Aquele que foi o esplendor da nação portuguesa jaz fechado num túmulo augusto. A piedade de um Saldanha coloca-o num sepulcro mais digno, querendo honrar o pontificado e o compatriota”.

 Em cada lado da epígrafe foram colocadas duas figuras em mármore: à esquerda, representação da Lusitânia (Portugal); à direita, a Filosofia, na qual Pedro Hispano foi mestre para a posteridade, sobretudo pela obra Summulae logicales. O mausoléu viria a ser concluído a expensas da Santa Sé, após a morte do embaixador, e transferido, em 1886, para a Catedral de Viterbo, por decisão do Papa Leão XIII.

Diversas vicissitudes fizeram com que este segundo mausoléu ficasse encoberto numa capela lateral murada da catedral. Várias foram as tentativas – por parte de prelados italianos e portugueses – para conferir mais dignidade à memória de João XXI. Mas só no limiar do século XXI se faria plena justiça a este notável português.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 15-08-2025)


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