Foi o Papa João XXI, o único Papa português eleito. Uns chamaram-lhe
sábio, pelos seus vastos conhecimentos científicos; outros “mago” ou “bruxo”,
exatamente pelos mesmos motivos. A verdade é que Pedro Julião, de nascimento – Pedro
Hispano, por alusão ao seu país – marcou profundamente o século XIII, deixando sinais
indeléveis na história da religião, da filosofia e da ciência.
Nascido em Lisboa entre 1205 e 1226 (sendo esta última mais consensual), faleceu
em 1277. Foi pontífice entre 29 de setembro de 1276 – eleito 12 dias antes, em Viterbo
– e 16 de maio de 1277, data da sua morte. Uma vida relativamente curta (cerca
de 51 anos), e um pontificado ainda mais breve (oito meses), mas ambos plenos de
testemunhos relevantes.
Filho do médico Julião Rebolho, estudou na Universidade de Paris,
tornando-se também um médico de renome, ao ponto de ensinar Medicina na
Universidade de Siena (Itália) e de ser nomeado “arquiatra” (médico pessoal) do
Papa Gregório X. Neste domínio, escreveu duas obras fundamentais: De oculo,
uma tradução de oftalmologia, e, sobretudo, o Thesaurus Pauperum, no
qual indicava curas adequadas para vários tipos de doenças, especialmente destinadas
àqueles sem meios para pagar cuidados médicos. Entre os seus escritos
filosóficos, destaca-se a Sumulae logicales, onde expõe os princípios
essenciais da lógica aristotélica.
No entanto, toda esta atividade científica incomodou os cronistas seus
contemporâneos, que o retrataram como “mago”, ou “negromanticus”. Quando morreu
tragicamente, vítima do desabamento de algumas salas do Palácio Papal, chegou-se
mesmo a sugerir que o colapso teria sido causado por uma explosão resultante de
misteriosas experiências que estaria a conduzir – uma acusação mais reveladora do
preconceito do que da verdade. Os seus adversários simplesmente não concebiam
que um bispo, e muito menos um Papa, pudesse dedicar-se com tanto empenho às
ciências.
Abraçando a vida eclesiástica, tornou-se arcediago e depois decano da
catedral de Lisboa (1261) e mais tarde, arcebispo de Braga (1273). Nesse mesmo ano,
o Papa Gregório X nomeou-o cardeal-bispo de Frascati.
Os seus dotes de inteligência e bondade impressionaram o Colégio dos
Cardeais (composto então por apenas dez membros), que, após a morte do Papa Adriano
V, o elegeu como sucessor de São Pedro. Como Papa, João XXI distinguiu-se também
como diplomata, destacando-se a reconciliação que conseguiu entre Afonso V de
Castela e Filipe III de França, após tê-los ameaçado de excomunhão. Dante imortalizaria
o seu nome no Canto XII da Divina Comédia, destinando-lhe a glória do
Paraíso.
Como o DN noticiou, tratou-se
de um ato de justiça, protagonizado pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa,
João Soares (agnóstico assumido), que disponibilizou cerca de dois mil contos
para a construção do novo sepulcro – feito em pedra de calcário lioz de Lisboa,
com duas pilastras sobre as quais assenta a laje do túmulo original.
Em memória do único Papa que governou e morreu sem nunca se ausentar da cidade
de Viterbo – onde fora eleito e que, durante quase um quarto de século, foi
residência permanente dos pontífices e centro da cristandade – Lisboa e Viterbo
ficaram mais “próximas”.
Muitos anos depois, os compatriotas de Pedro Hispano puderam, finalmente,
recordá-lo num local digno do testemunho que nos deixou: o testemunho de um
espírito eclético, de um homem que, antes de abraçar a vida eclesiástica, já se
destacava na medicina do seu tempo.
Em 1855, o duque de Saldanha, então embaixador de Portugal junto da Santa
Sé, mandou executar um novo sepulcro, mais digno, em mármore. Na lápide ficou
gravado: “Aquele que foi o esplendor da nação portuguesa jaz fechado num túmulo
augusto. A piedade de um Saldanha coloca-o num sepulcro mais digno, querendo honrar
o pontificado e o compatriota”.
Em cada lado da epígrafe foram
colocadas duas figuras em mármore: à esquerda, representação da Lusitânia
(Portugal); à direita, a Filosofia, na qual Pedro Hispano foi mestre para a posteridade,
sobretudo pela obra Summulae logicales. O mausoléu viria a ser concluído
a expensas da Santa Sé, após a morte do embaixador, e transferido, em 1886,
para a Catedral de Viterbo, por decisão do Papa Leão XIII.
Diversas vicissitudes fizeram com que este segundo mausoléu ficasse
encoberto numa capela lateral murada da catedral. Várias foram as tentativas –
por parte de prelados italianos e portugueses – para conferir mais dignidade à
memória de João XXI. Mas só no limiar do século XXI se faria plena justiça a
este notável português.
João de Jesus Nunes
(In “O Olhanense”, de
15-08-2025)
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