4 de setembro de 2025

UM ARTIGO QUE NÃO GOSTARIA DE ESCREVER

 

Mais uma vez, a Covilhã veste-se de luto. Mais uma vez, um bombeiro não regressou ao quartel, à família, aos amigos. A tragédia aconteceu a caminho de um incêndio, tal como em cinco anteriores casos que narrei no meu livro Vida e Obra dos Bombeiros Voluntários da Covilhã.

Daqui se conclui que o perigo não está apenas nas chamas que consomem florestas e casas, mas também em cada quilómetro percorrido, em cada estrada, em cada instante em que se parte de farda vestida, com a missão de proteger e salvar.

Cada vez que a sirene ecoa na cidade, sabemos que há vidas em risco, que há património e memórias ameaçados. Mas, para os nossos bombeiros, cada toque da sirene é também um salto para o desconhecido. Partem sempre com coragem, conscientes de que podem não regressar. E quando não regressam, a dor espalha-se como um fogo que nenhuma água consegue apagar.

Muitos heróis integram já a longa história dos Bombeiros Voluntários da Covilhã (BVC), instituição gloriosa que completou recentemente 150 anos de existência, marcada por inúmeras ações de valentia no salvamento de pessoas e bens.

Foram já muitos os covilhanenses – de raiz ou de coração, da cidade ou das aldeias – que viram a sua vida ou património salvos pelos bombeiros. Outros, infelizmente, não puderam ser poupados à força devastadora dos incêndios que, ano após ano, assolam o país e deixam um rasto de prejuízos, alguns irreparáveis.

Com a morte trágica de mais um valoroso elemento dos nossos BVC, ocorrida no domingo, 17 de agosto, Daniel Bernardo Agrelo, de 44 anos, casado e pai de um filho menor de 14, totalizam-se já oito mártires ao serviço desta associação.

A primeira vítima – Abílio Adelino Sousa, fundador dos BVC – perdeu a vida num fatídico domingo, 18 de fevereiro de 1883, durante um exercício.

O segundo mártir – Sebastião dos Santos Júlio, altamente condecorado por atos de bravura – faleceu num acidente de viatura, numa 5ª feira a 10 de setembro de 1931, quando se deslocava para um incêndio. Tinha já salvo oito pessoas no incêndio da Mineira, na noite de 14-06-1907.

A terceira vítima – Mário Dias Tarouca – morreu na madrugada de 12 de abril de 1936 (domingo), cerca das 2 horas da manhã, em consequência de um desastre durante o incêndio da fábrica Manuel Lino Roseta.

As quarta, quinta e sexta vítimas mortais – António Miguel Vaz Marques, Ricardo Bruno de Jesus Cardona e Fernando Manuel Sousa Xistra, sucumbiram na sexta-feira, 2 de agosto de 1996, no trágico acidente aéreo do helicóptero que combatia incêndios florestais na Covilhã.

No feriado de 15 de agosto de 2013 (quinta-feira), a Covilhã perdeu mais um bombeiro, Pedro Miguel de Jesus Rodrigues, apanhado pelas chamas no sul do concelho, sem conseguir fugir.

O país continua a arder, ano após ano. Continuamos a assistir ao flagelo que destrói não apenas árvores, mas aldeias, lares, sonhos e, tantas vezes, vidas humanas. Até quando aceitaremos que este sofrimento faça parte do calendário de verão? Até quando permitiremos a floresta desordenada, a prevenção esquecida, e os nossos bombeiros lançados para a frente da batalha sem todas as condições que merecem?

A morte de um bombeiro não pode ser apenas notícia de um dia. Não pode ser apenas uma lágrima que cai e logo se seca. Honrar os nossos bombeiros é muito mais: é preservar a memória dos que tombaram, é cuidar dos que continuam vivos e ativos, é trabalhar para que estas tragédias sejam cada vez menos frequentes.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal do Fundão”, de 04-09-2025)


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