23 de setembro de 2010

VASOS COMUNICANTES

Não é fácil competir no mundo do trabalho – seja do ponto de vista da entidade patronal ou no âmbito do trabalhador – com um sentido verdadeiramente honesto, enfrentando a direcção do sucesso, quando pelo caminho se deparam facilmente situações de ultrapassagens pela direita: oportunismo, jogos de influências, promiscuidade, corrupção, duplos empregos, a própria política em si, injustiças, temas que, aliás, são da actualidade, caindo numa banalidade face à sua predominância e incapacidade para os fazer dissipar.

Tal situação não existe só no nosso País, mas também na Europa, e em todo o Planeta, continuando a emergir cada vez mais, neste mundo globalizado.

Trabalhar com honestidade, num ambiente de rectidão, de verdade, seriedade e probidade de homens e mulheres verdadeiramente empenhados, como o define o substantivo, leva, como no sistema de vasos comunicantes, a uma harmonia no trabalho que inevitavelmente conduz à alegria de viver.

Mas, nos meandros desta vida do trabalho, da sociedade, do serviço cívico, vamos também encontrar a outra face da moeda, numa outra vertente, onde o assédio, o chico-espertismo, o aproveitamento político, a ganância, a sobranceria, e outros casos libertinos levam a que se harmonizem muito mais rápido – a serpente tentadora faz reluzir a maçã – como, também, no sistema de vasos comunicantes, os sinais exteriores de riqueza, os lucros ilegais, as benesses, a subida dos degraus do poder a qualquer preço, o não olhar a meios para atingir fins, o tráfico de influências.

“Há muita gente com vergonha da falta de vergonha que por aí impera. A vergonha é um dissuasor de comportamentos sociais pouco éticos”, nas palavras de Luís Campos e Cunha”. E continuou: “Quem não sente vergonha é porque não tem vergonha. É mau, mesmo muito mau, para a democracia e para todos nós. A vergonha, quando existe, é um dissuasor moral muito eficaz. Nesse sentido, penso que Portugal era menos corrupto há dez ou quinze anos do que é hoje em dia. A falta de resposta e a morosidade por parte da justiça e da investigação é embaraçante e conduz à impunidade”. (in “Público” de 20/08/2010).

Assim, segundo as previsões do FMI, o PIB per capita português ocupará em 2015 o pior lugar no ranking desde a adesão à UE. Em apenas dois anos foram destruídos mais de 200 mil empregos na economia portuguesa, de acordo com um relatório do Instituto Nacional de Estatística.

“É preciso que se saiba que os portugueses que têm trabalho ganham cerca de metade do que se ganha na zona euro, mas os nossos gestores recebem, em média, mais 32% do que os americanos, mais 22,5% do que os franceses, mais 55% do que os finlandeses, mais 56,5% do que os suecos, e são estas “inteligências” que chamam a nossa atenção afirmando que os portugueses gastam acima das suas possibilidades” (Manuel António Pina, in Jornal de Notícias, de 24/10/2009).

Depois, foi a bandalheira na atribuição do Rendimento Social de Inserção, sem controlo nem vigilância, e, assim, andámos todos nós a contribuir, durante muitos meses, para que os marginais, os toxicodependentes e outros afins beneficiassem sem contrapartidas do RSI. Li recentemente algures de que um burlão de seguradoras e alegado cabecilha de rede desmantelada por simular e provocar acidentes conseguiu apoio estatal. Até onde é que vamos com este estado de condutas?

Esperemos que o bom senso prevaleça em todo o sistema de vasos comunicantes deste nosso Portugal, para que tanto os que vivem na planície, como os que habitam no planalto, possam comer do mesmo pão, para que não seja mole para uns e duro para outros.

 
(In Notícias de Gouveia, de 20/9/2010, Notícias da Covilhã e Jornal do Fundão, de 23/9/2010)

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