24 de março de 2011

MEMÓRIAS DE UM TEMPO

Ainda não tinha quinze anos e já na velha biblioteca municipal, ao jardim, começara a amedrontar-me com o terror da guerra que se iniciara no então Congo Belga. Alguns familiares de emigrantes, face à dificuldade de notícias, que não eram como nos dias de hoje, com todos os meios tecnológicos disponíveis, ali acorriam a fim de tentarem localizar, nos mapas que vinham nos jornais, onde se situava o surgimento das guerrilhas, esperançados que estivessem afastadas das moradas dos seus familiares, dos seus locais de trabalho ou caminhos que percorriam.

Durante muitas semanas só se falava das lutas sangrentas, com interessados pelo poder, entre Joseph Kasa-Vubu, Lumumba, Moise Tshombe e, por último, Joseph Mobutu.

Receava-se que a guerrilha viesse perturbar as então nossas Províncias Ultramarinas. E o tempo não demorou.

Corria o ano de 1961 e muitas centenas de portugueses eram assassinados em Angola. As notícias eram abafadas na Metrópole; e não se contava tudo. Era o terrorismo como se passou a designar a chamada guerra subversiva.

Depois de se ter assistido a covilhanenses que se despediam para irem defender a Índia Portuguesa, e, mais tarde o seu regresso, vitoriosos da missão cumprida, não se deixou de sofrer uma grande frustração com a invasão dos territórios de Goa, Damão e Diu pelo presidente indiano Nerhu.

E ainda não se vislumbrava que tivesse que vir a envergar uma farda e recear uma eventual partida para o Ultramar – pensava que tudo iria acabar em breve – quando começaram a surgir caras conhecidas de covilhanenses, e também de outras regiões, amigos e, mais tarde, companheiros mais velhos da escola, a integrar o serviço militar a sério, e, depois, partida!

Surgiam de quando em vez, no Pelourinho, manifestações de apoio ao Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar, não só pelo encorajamento de “Para Angola rapidamente e em força!”, como o de “Angola é Nossa, Angola é Portuguesa!”, enquanto que, nas estações de caminhos de ferro, era o choro nas despedidas dos filhos, irmãos, maridos e namorados, que partiam para Angola, Guiné e Moçambique, principalmente.

Volvidos 50 anos do início da Guerra no Ultramar, foi mais que tempo suficiente para se fazer o balanço dos males que afetaram, e ainda hoje afetam, muitos daqueles que sofreram, in loco, os efeitos nefastos da mesma, principalmente do foro psíquico.

Ainda há pouco tempo assisti a um desenlace matrimonial de muito anos, fruto da doença do marido, originária dessa maldita guerra de quase uma década e meia.

Na minha geração militar vi-me forçado a cumprir obrigatoriamente 42 meses e, nesta senda, ainda nos juntamos, durante muito tempo, por obrigação, dois irmãos – eu por cá fiquei, meu irmão rumou à Guiné.

Os jovens da geração de 60 e início da de 70 têm muito que contar e, assim, se vão reunindo, periodicamente, em almoços de confraternização, memorizando esses tempos duros mas também de conhecimento de outros mundos e do mundo indígena desses territórios longínquos, no contacto com os seus usos, costumes e outras formas de vida.

Por outro lado, também os longos tempos de serviço militar para aqueles que não tiveram coragem de fugir para França ou outros países, com o título de exilados, mas antes suportaram, ainda que ingloriamente, grandes sacrifícios pelos valores da defesa da sua Pátria, que os das cadeiras do poder não souberam nem quiseram resolver, serviu para demonstrar a garra e valentia do sangue português.

Por várias regiões do País se formaram Ligas dos Combatentes e, na Covilhã, temos também a nossa Liga, que vai comemora o seu 85.º Aniversário, sob a égide do incansável presidente João Azevedo.

Como conto no início desta crónica, receei a guerra, pensei que não chegaria a minha vez, passei ao lado dela, integrando o serviço militar no Continente, e, volvidos 50 anos, muitos memorizamos esses famigerados tempos, chorando os que por lá ficaram, compreendendo os que sofrem com os males de lá terem participado e louvando a Deus por vivermos hoje no cinquentenário do início das lutas que, felizmente, há muito terminaram.

Nota: Este texto está escrito segundo as novas regras ortográficas.
 
(In Notícias da Covilhã de 24-03-2011)

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