Beco das Lages, nº. 6 |
Tão perto mas paradoxalmente tão longe…
Vai já distante, no tempo, a data de 12 de Fevereiro de 1955, altura em que vim residir para a Covilhã, com nove anos, do lugar onde nasci – Pousadinha –, bem altaneiro, muito perto do pinhal, de ares menos carregados de poluição; árvores de fruto, sossego, contacto com a natureza, ainda no tempo da malha do trigo (o pão, como se designava) com mangual.
Electricidade inexistente, durante muitos anos. Resolvia-se o problema primitivo com fogões e candeeiros a petróleo ou a carboneto; lareiras em cozinhas graníticas, de tecto muito elevado, separadas da moradia, donde pendiam grandes correntes para pendurar as panelas de ferro, sobre os cavacos a arderem. Aqui se coziam alguns alimentos e se fazia o caldo; e também se aquecia comida para os animais (o “vivo”, como linguagem popular).
A família reunia-se à noite, em redor da lareira, para conversar, mas a “civilização” era um pouco mais adiante, alguns quilómetros, para as bandas da cidade, e aí se verificava a instrução.
Viemos, algo precipitadamente, residir para uma casa modesta, de um só piso, na Covilhã, freguesia de Santa Maria – o Beco das Lajes, n.º 6.
Mas, de tão degradada, mais não nos restou que solucionar o problema, com a saída para a zona sul da cidade, juntinho à Escola Industrial, no dia 5 de Junho de 1955, ainda não eram concluídos quatro meses.
Tão perto mas paradoxalmente tão longe…por falta de vontade ou, diga-se, de não haver necessidade de visitar o local.
Na correria louca do tempo, na quase permanente utilização do automóvel em substituição da caminhada do dia, aquela zona, de ruas estreitas e casario antigo, não mais voltara a ser por mim visitada, não obstante ter o meu local de trabalho a uns trezentos metros…ainda que muitas vezes percorresse as suas redondezas.
Resolvi que surgisse a proximidade, visitando há algumas semanas aquele local, numa de nostalgia, de máquina fotográfica em punho, volvidos que foram 56 anos, mais de meio século!
Recordei-me de, criança que era, na Igreja de Santa Maria, ouvir cantar a Juventude Operária Católica (JOC) o seu hino jocista: “Sentido à voz de Cristo, avante! Jocista, em frente e sem temor; Responde em coro a voz pujante: Contigo, ó Deus Trabalhador”.
Mas também os estudantes do Liceu e da Escola Industrial, fardados da Mocidade Portuguesa, perfilados, para se integrarem na procissão que do mesmo templo saía, esperavam à porta, cantando o hino do tempo da outra senhora: “Lá vamos, cantando e rindo, levados, levados sim, pela voz do som tremendo, das tubas, clangor sem fim”.
Nem sempre com o tempo significa haver mudança…
Quando esperava já não encontrar a casa onde residi, e as do seu reduto; quando deduzi ir ver o local com as casas demolidas de tão degradadas; encontrei o mesmo com quase tudo como há mais de meio século. Lá se encontrava, bem visível, o n.º 6 do Beco das Lajes, e as casas onde vivia a D. Ritinha e os Melchiores, vizinhança simpática e acolhedora ao nosso agregado familiar de sete pessoas, naquele altura.
Efectivamente, por ser uma zona de lajes, como o próprio nome indica, conseguiu manter intacta a degradação, ao longo destes anos, em plena zona urbana da cidade, ainda que aquele Beco se encontre quase num esconderijo. Até o Padre Pina, que tão perto ali vivia, se fosse vivo, ficaria estranho. No entanto, a edilidade, na sua transformação estrutural de melhoramentos na cidade e concelho, e de inovações, substituiu, e bem, algumas lajes por escadaria em pedra.
Mesmo assim, nesta indubitável revolução, alguns espaços próximos, como aquele, ficaram incólumes de qualquer transformação.
Embora nem tudo seja possível como se pensa, lá que há coisas que são de estranhar, lá isso há.
(In Notícias da Covilhã de 24.11.2011)