Há sempre uma primeira vez. E, assim, o primeiro automóvel a chegar a Portugal – um Panhard-Levassor, importado de Paris – ocorreu em 1895. Logo na primeira viagem, entre Lisboa e Santiago do Cacém, teve um acidente – o primeiro acidente de viação ocorrido em Portugal – tendo sido atropelado um burro.
As estradas, in illo tempore, estavam muito longe das comodidades de hoje.
Volvidos meia dúzia de anos, entrou na Covilhã o primeiro automóvel, em 1901, pelas mãos do comerciante João Alves da Silva, então com 21 anos, tendo nascido em Abrantes mas constituído família na Covilhã, onde se radicou.
Foi um homem de influência no meio citadino, tendo presidido à Comissão Administrativa da Câmara Municipal da Covilhã, e depois como vogal, em Janeiro de 1912. Foi delegado e sócio fundador do Automóvel Clube de Portugal e fez parte da “Sociedade de Propaganda de Portugal”, do “Turismo – Comissão de Iniciativa Estância da Serra da Estrela” e do “Grupo de Propaganda da Serra da Estrela”.
Mas é ainda João Alves da Silva que em 1906, com um automóvel, Darracq de 10 HP e 2 cilindros, sobe, pela primeira vez, à Serra da Estrela, quando não havia ainda estradas, mas antes caminhos. Foi a primeira escalada à Serra, em automóvel, sem qualquer via de acesso a “não ser alguns escabrosos caminhos de pé feito, que dificilmente se trilhavam”, conforme referiu o meu antigo colega de profissão, Vasco Callixto, na revista ACP de Novembro/Dezembro de 1965.
“Façanha com foros de sensacional, rodeada hoje de todo o pitoresco dos feitos heróicos dos primeiros tempos entre nós, ficou a dever-se a um dedicado pioneiro do automobilismo, que foi também um incansável propagandista das belezas naturais da sua região, quando o turismo era ainda letra morta em Portugal. João Alves da Silva ousou meter ombros a um cometimento de vulto, que muito boa gente não hesitou em condenar a completo malogro. Se encosta acima só havia calhaus e penedos, como poderia um “carro sem cavalos” levar a bom porto essa aventura?”, continuou assim a referir-se Vasco Callixto na revista do ACP.
Naquela viagem de automóvel, João Alves da Silva levou como passageiros três amigos: António Pereira Barata, Diamantino Henriques Pereira e António Lopes Fazendeiro, igualmente grandes entusiastas do automobilismo.
Antes de iniciar a marcha, contactou o mecânico Gregório da Fonseca Mimoso, conhecido por “Marroca”, um dos mais hábeis mecânicos da Beira Baixa.
Preparado o “Darracq”, com maior ou menor dificuldade saiu vitorioso da espinhosa missão que lhe havia sido confiada. Serra acima, através de caminhos e veredas pedregosas e havendo-se com rampas muito respeitáveis chegou como um herói às Penhas da Saúde. João Alves da Silva e os seus companheiros de aventura deram largas à sua alegria, por terem levado a bom termo a sua façanha, não se fazendo esperar as felicitações.
No entanto, não tinham contado com as dificuldades da descida, tendo o regresso à Covilhã sido a parte mais penosa da jornada, ameaçando o automóvel, a todo o momento, despenhar-se no abismo com os seus destemidos ocupantes. Foi uma odisseia que constituiu a primeira descida da Serra da Estrela em automóvel.
Em 1912, os entusiastas beirões do automobilismo fizeram disputar uma prova que ficou conhecida por “Corridas da Covilhã”, embora lhe chamassem também, mais apropriadamente, “Circuito da Serra da Estrela”. Estas “Corridas” foram integradas nas Festas da Cidade.
Mas, este jovem de 86 anos – Vasco Callixto – esteve recentemente na Covilhã, com a esposa, cujo casal tive o prazer de o acompanhar numa visita à cidade e à Serra da Estrela, e foi, para além da sua profissão, jornalista e escritor. Escreveu recentemente o seu 50º livro sobre viagens, tendo percorrido o mundo em automóvel. E , na nossa região, donde já sentia uma nostalgia, Vasco Callixto havia visitado a mesma há muitos anos, tendo pernoitado na antiga Colónia Infantil da Montanha (actualmente Pousada da Juventude), a convite do professor António Esteves Lopes que leccionou na Escola Industrial e foi um homem que se dedicou ao turismo e à Serra da Estrela.
Estava longe de saber que um antigo colega de profissão, de outros tempos, ainda se mantinha com um grande vigor pelas letras.
( In Notícias da Covilhã de 09.11.2011)
Sem comentários:
Enviar um comentário