Sempre me irritaram. Não acho piada alguma. Deixo-me rir com a estupidez das mesmas, ou seja, dos seus artistas.
Há sessenta anos não havia ainda universidade na cidade. E, no País, só sabíamos da existência das mesmas em Coimbra, Lisboa, Porto e Évora. A sapiência até era outra. As oportunidades de continuar os estudos também só eram possíveis para quem tivesse possibilidades financeiras. Não havia as facilidades de hoje, com “Novas Oportunidades” pelo meio. Os estudantes do antigo 7.º ano do Liceu e do Colégio Moderno preocupavam-se também com o latim,
Mas já havia praxes no secundário, onde obrigavam os caloiros a beijar a colher de pau, e, na Escola Industrial, aos alunos nocturnos, depois de os agarrarem levavam-nos aos ombros, em algazarra, numa grande tropelia, para as râmolas da Escola, que ficavam à direita do edifício, frente à oficina de tecelagem, e aí infligiam o sacrifício ao caloiro, abrindo-lhe as calças pela portinhola e introduzindo pela abertura toda a sorte de detritos, sobretudo terra amassada com água.
A única praxe que suportei foi no Regimento de Artilharia Ligeira n.º 4, em Leiria, aquando da apresentação naquela unidade militar, juntamente com os restantes colegas “caloiros”, concretamente designados de “maçaricos”, depois da conclusão do Curso de Sargentos Milicianos, por obrigação. Para além do almoço intragável, com tomates podres de sobremesa, na messe, antecedido dum teste estúpido, que serviu para depois nos ridicularizarem, seguiu-se um exercício de campo nocturno, com fogo a apavorar os agricultores de Marrazes, que pensavam que andávamos a afugentar a caça.
Se muitos dos pais que, com sacrifício, lá longe, suportam as despesas com os seus filhos, vissem o espectáculo em que os mesmos se envolvem, muitos deles contrariados, num uníssono de asneiras e atitudes obscenas, com bebedeiras pelo meio, a que são forçados, certamente se sentiriam constrangidos.
E são estes os homens e as mulheres de amanhã!...
As praxes académicas que, no seu sentido de práticas que se pretendem relacionadas com a integração dos novos estudantes nas instituições de ensino superior, humilham os novos alunos, no mote de Dura Praxis, Sed Praxis, baseado no latim Dura Lex, sed Lex, poderiam revestir-se, na sua tradição ancestral (com a sua génese na Universidade de Coimbra), por “sacrifícios” moderados, evitando assim atitudes comportamentais que levaram alguns caloiros à morte e alguns veteranos a serem sentenciados em tribunal, como já foi do conhecimento público, em Outubro de 2001 e Outubro de 2002, para além de lesões corporais irreversíveis noutros caloiros.
Já em 1727, devido à morte de um aluno no ano anterior, D. João V proibiu as investidas feitas pelos veteranos, deliberando: “Mando que todo e qualquer estudante que por obra ou palavra ofender a outro com o pretexto de novato, ainda que seja levemente, lhe sejam riscados os cursos”. E, já em Dezembro de 1916, no jornal “A Resistência” se lia o título, “Abaixo as praxes ridículas e inoportunas!”.
As contestações à praxe não deixaram de existir e já o antigo Presidente da República, Teófilo Braga, dizia que os estudantes do seu tempo faltavam às aulas para fugir à praxe, sendo certo que em 1903, Eça de Queirós e Ramalho Ortigão assinaram, em conjunto com outros estudantes, um “manifesto anti-praxe”.
E, mais recentemente, em 2008 e 2009, o então Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Mariano Gago, enviou uma carta a todas as universidades afirmando que “a degradação física e psicológica dos mais novos como rito de iniciação é uma afronta aos valores da própria educação e à razão de ser das instituições de ensino superior e deve pois ser eficazmente combatida (…)” e, depois, que “embora afirmando uma intenção de integração dos novos alunos, mais não são que práticas de humilhação e de agressão física e psicológica de índole manifestamente fascista e boçal, indignas de uma sociedade civilizada e inconcebíveis em instituições de educação”.
Já há universidades que apertam o cerco às praxes e admitem instaurar processos disciplinares. Dentre essas seis universidades, também se encontra a UBI, proibindo as mesmas dentro do campus universitário.
E, se em vez de muitos dos mandões bacocos das tradicionais praxes, alguns de ar boçal, envolvendo-se em bebedeiras, pensassem o quanto lhes reserva de sacrifícios este pobre País, despedaçado, e, antes de mais, se direccionassem nas preocupações de contribuir para um Portugal melhor, certamente que no amanhã poderiam evitar as mãos à cabeça, agora tonta, de terem tirado um curso para nada.
(In “Notícias da Covilhã” e “Jornal do Fundão” de 03.11.2011)
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