7 de março de 2012

ZECA E A VILA MORENA

Há pessoas que se tornam imortais. No mundo dos vivos, neste caminhar até à fronteira da margem divisória dos dois mundos, Zeca deixou marcas indeléveis da sua ação: “Há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não”.

José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos – Zeca Afonso – nascido em Aveiro há 82 anos, partiu para o além, fez no dia 23 de fevereiro um quarto de século. Vivia em Setúbal.

Cantor e compositor português de excelência, as suas baladas e trovas continuam a ser de entusiasmo retumbante nas coletividades e associações, tendo em conta que, não obstante a queda da ditadura, há quase quatro décadas, ainda hoje continuam as injustiças a subsistir, reforçadas no descaramento.

Muitos de nós conhecemos este Homem na Covilhã, onde se deslocou a cantar, no pós 25 de Abril, exigindo sempre gratuitidade nos seus espetáculos. Algumas vezes o seu palanque de atuação situava-se num reboque de trator ou em largos das aldeias e cidades.

O cantor teve raízes no Fundão, pela parte do pai, e Tortosendo, pelos avós paternos. Depois, nesta região, viveu ainda em Belmonte, com um tio, onde frequentou a instrução primária.

A sua primeira esposa era de Mortágua e a segunda de Olhão (Fuzeta).

Se nos tempos salazaristas e marcelistas sempre houve a falta daquela “virtude moral que inspira o respeito pelos direitos de cada pessoa e a atribuição do que a cada um é devido”, conforme definem os dicionários, a par da perda de liberdade, mais estranho, ou talvez não, é o descaramento com que os nossos governantes, em democracia, dos vários quadrantes políticos, praticam, ainda mais, a injustiça.

Será que, no meu “talvez não” de estranheza seja devido à liberdade o descaramento da prática da injustiça?

Se, na infelicidade de muitos humildes casais, apanhados nas redes do desemprego, por que jamais pensaram ser atingidos, não houvesse, paradoxalmente, a felicidade de existirem homens e mulheres do voluntariado, para, no âmbito das instituições de solidariedade, muitas vezes fazerem das tripas coração, para colmatar a fome, o frio, a ajuda nos medicamentos e no material escolar dos filhos, das rendas de casa, água, luz e gás, entre outras mais, com o cada vez aumento de necessitados, a injustiça teria em vez de um caminho, uma grande autoestrada.

Por isso, cada vez mais, as canções de Zeca Afonso, e de Adriano Correia de Oliveira, que vai completar trinta anos da sua morte, têm atualidade.

È na vida política que muitos vão beber a água que enche os potes das suas satisfações financeiras, da engorda para uma vida de fausto, apregoada num trabalho esforçado em nome do povo.

Se, a começar pelas autarquias, tudo fosse realizado duma forma de voluntariado, sem benesses, de certeza de que não haveria tantos boys e girls.

Se houvesse um verdadeiro serviço de justiça, não permitindo o oportunismo de luxuosas reformas antecipadas a esses boys e girls, findas as suas forçadas “missões”, na capital e outras regiões, a executar serviços que nunca foram explicados, não estaria este País a necessitar, cada vez mais, das vibrantes vozes expressivas numa canção como “Grândola, Vila Morena”.

Voltai, pois, Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira, através das vozes sentidas nas vossas canções.

Há 25 anos, aquando da morte de Zeca Afonso, foi registado pelo Vereador da Cultura da Câmara Municipal da Covilhã, na ata da sessão camarária, o seguinte: “Na falta de melhor destinatário para um voto de pesar, pela morte de Zeca Afonso, penso que não poderá haver melhor endereço do que simplesmente – Portugal.

Portugal perdeu, efetivamente um expoente raro da cultura contemporânea. (…)

- Morreu o grande músico, poeta e lutador dos desprotegidos, José Afonso! (…) Como poeta, tanto o encontramos a tecer ritos paralelísticos, numa enorme liberdade de fantasia enternecida, solidária ou sarcástica, onde perpassa toda a gama extraordinariamente rica de temperamento deste segrel, como pensa a pátria cinzenta, a clara mágoa do tempo e a sua tristíssima alegria. (…) Como lutador teríamos que escrevê-lo com letras do tamanho da CORAGEM, do SOFRIMENTO, do ÓDIO à GUERRA e à VIOLÊNCIA, da OPRESSÃO!

Zeca Afonso tornou-se pela sua obra, literária e de ação, um incómodo para todos os que, bem instalados na vida, nos respondem: -  “Quem não está bem, mude-se…” (,,,) E a Grândola, Vila Morena. Só esta seria suficiente para imortalizar qualquer compositor, qual hino de libertação, porque foi o santo e a senha da madrugada de esperança do Portugal de abril! (…)”

(In Notícias da Covilhã de 07.03.2012)

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