Não, não foi nenhum ato de
terrorismo, embora vivêssemos numa paz balofa. Corria o ano de 1957, era um
domingo, dia 20 do primeiro mês daquele ano.
A RTP ainda não existia em
Portugal, ou, melhor, começava as emissões regulares daí por dois meses. E o
Sporting da Covilhã vivia uma situação desportiva ambígua, num paradoxo de bons
e maus resultados, pois acabaria por descer à II Divisão Nacional, mas,
entretanto, chegaria à final da Taça de Portugal.
A guerra subversiva, guerra do
Ultramar ou guerra de África ainda não tinha emergido, mas já se adivinhavam,
duma certa bruma, anos próximos de crueldade para a juventude.
É que, a resistência à dominação
portuguesa na Índia veio manifestar-se no contexto da descolonização europeia.
E, assim, após a independência indiana, em 1947, Portugal recusou-se a aceder
ao pedido da Índia para rescindir a sua posse. Em 1954, a União Indiana anexou
os territórios de Dadrá e Nagar Haveli, que, desde 1779 faziam parte do Estado
Português da Índia.
É então que Portugal começa a
enviar militares portugueses do Continente para aquela zona asiática, para a
sua defesa.
Também da Covilhã partiu um
contingente, do Batalhão de Caçadores 2 (onde hoje são instalações da Universidade
da Beira Interior), integrando o Batalhão de Caçadores das Beiras, com 301 homens, além de Companhias dos
Batalhões de Caçadores da Figueira da Foz, Guarda, Viseu e Castelo Branco.
A Covilhã despedia-se dos seus
briosos soldados que partiam para a Índia, em janeiro de 1957, demonstrando
sentimentos de solidariedade das nossas gentes.
Pela manhã, na parada do quartel,
foi celebrada uma missa campal pelo bispo da Guarda, D. Domingos da Silva
Gonçalves, o primeiro bispo que eu conheci desta diocese, à qual assistiram o
Governador Civil e o Presidente da Câmara, Coronel Matoso Pereira. Era
comandante do Batalhão de Caçadores 2 o major José Manuel Castanha.
Depois da bênção das medalhas de
Nossa Senhora da Conceição, oferecidas pelas senhoras da cidade, aos soldados
que partiam, procedeu-se a um desfile pelas ruas da cidade.
No entanto, a Covilhã continuava
com a construção dos edifícios graníticos, do Estado Novo, e, nesse contexto,
estava em fase de acabamento o novo edifício da Câmara Municipal, cuja inauguração
se iria verificar no ano seguinte.
É então que, na despedida dos
militares rumo à India, quando dois trabalhadores da Câmara Municipal, Arnaldo
Charato e Joaquim Figueiras (“Cara Linda”), pelas 14 horas, se davam ao
trabalho de lançar foguetes ao ar, mercê da festa que se ia realizar para
despedida da Companhia de Expedicionários à Índia, comandada pelo capitão
Teixeira Lino e pelo major Alípio Pacheco, mesmo nas traseiras do novo edifício
dos Paços do Concelho, um dos foguetes, por descuido, foi embater com a sacada
do edifício, caindo violentamente sobre um molho composto de perto de 20
dúzias. Rebentaram a ponto de destruir estrondosamente os vidros das janelas,
das portas e das montras de uma dezena de estabelecimentos existentes na Rua
1.º de Dezembro, causando enormes prejuízos materiais, estimados em cerca de
100 contos. Ficaram aqueles trabalhadores feridos na cara e na cabeça, e ainda,
casualmente, os menores que ali se encontravam, José Manuel Riscado Pereira
Monteiro, de 13 anos, e João Riscado Pereira Monteiro, de 10, que também
ficaram feridos. Por sinal, estes jovens, irmãos, foram meus colegas na Escola
Industrial e Comercial Campos Melo, tendo o mais velho, mais tarde conhecido
por “Ajax”, já falecido.
Nessa altura, ainda existia o
Café Montalto, e todo o comércio vivia uma situação desafogada, e as fábricas
de lanifícios não se contavam pelos dedos como hoje, mas já se situavam nas
centenas. E hoje, onde está todo este manancial de trabalho? Tão só, destruído,
como os foguetes lançados pelo “Cara Linda”!
Chegou às minhas mãos um
apontamento perdido em que recordei este acontecimento, no dia 29.03.2008, com
o amigo José Miguel Ramos, antigo motorista da edilidade, que se encontrava ali
por perto e ouviu o estrondo, numa coincidência, na altura, de há quase, meio
século.
(In "Notícias da Covilhã", de 31.07.2013)
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