16 de outubro de 2013

NÃO HÁ FÉRIAS PARA ASSISTÊNCIA AOS NECESSITADOS

O tempo de férias já lá vai e o outono chegou. Com ele também um período de agitação política com a campanha eleitoral que, tal como o tempo de veraneio, também teve o seu final. Resta agora acertar agulhas e recomeçar nova vida citadina, com outros corações.
Mas o telefone toca. A conversa ainda não está a meio e já o telemóvel dá sinal de vida. E, um segundo, também não se dá por silencioso. Algumas vezes é distribuída conversa por ambos, e, entre um SMS e o atendimento de voz, abrevia-se daqui, pede-se alguma espera dali, e, assim, vão surgindo alguns dias de agitação entre almas desassossegadas.
- Preciso de roupas! – Tenho a fatura da luz para pagar, está quase no corte e não tenho dinheiro! – O senhorio ameaçou-me com a rua porque já devo três rendas de casa!
- Por favor, ajude-me na compre deste medicamento que me faz muita falta; não temos dinheiro e o RSI ainda não chegou! – Não tenho nada em casa para comer! Tenho dado aos meus filhos só massa sem qualquer conduto!
Entre muitos casos, cada vez mais diversificados nas necessidades, é assim o panorama quotidiano a que assiste um vicentino que se preze, já que não existem férias, nem política, para quem tem fome, fome de muitas maneiras.
E, no verão de incendiários que passou, também algumas vezes tivemos que colaborar com os soldados da paz, lamentando os mártires; e com o coração sentido com os horrores da tragédia.
O assistente eclesiástico, de quando em vez, faz-nos sinal para passarmos pela sacristia da igreja onde exerce o seu múnus. No final, um papelinho com alguns elementos de informação de alguém que ali foi bater á porta. E são cada vez mais, cada vez mais mães solteiras em aflição; casais desesperados com o desemprego que lhes bateu à porta, numa de vergonha no pedido de assistência a que não estavam habituados, e jamais pensariam que a desgraça também os incomodasse, entre outros casos.
É necessário ir fazer uma visita e averiguar das necessidades daquela(s) pessoa(s) ou família(s) em pedido de socorro.
E, outras vezes, uma reunião de emergência para tratar casos específicos que urgem de atuação antes que a vida seja um ai que mal soa, como na voz do poeta João de Deus.
Se alguns casos podem ser ajudados pelo Fundo Social Solidário, quantas vezes não é necessário trocarmos impressões ou tomada de decisões sobre a abrangência de outros que nos enviam, colocando em sobressalto a cada vez maior míngua dos fundos das Conferências Vicentinas para a satisfação de tantas necessidades.
O vicentino procura estar atento e trabalha por vezes para além da sua missão. Como exemplo lá está aquela vicentina, viúva, mas com uma mão cheia de netos em casa, fazendo das tripas coração, mesmo em tempo de férias, na limpeza das instalações onde se reúnem e existem os géneros alimentares, juntamente com outra confrade, de boa vontade na sua disponibilidade, porque houve necessidade de fazer obras e a distribuição dos géneros do Banco Alimentar aproxima-se.
E, na continuidade da assistência, entre outros, aqueles dois irmãos a precisarem mais de uma palavra de carinho e de confiança, que de bens materiais, ainda que o telhado do casebre onde vivem, nos confins da serrania, na encosta da Serra da Estrela, lá para a zona de Cortes do Meio, urja de reparação. O teto é quase o firmamento, e a sala das suas refeições é na rua, entre as pernas e uns caixotes improvisados, servindo de cadeiras.
Mas é uma forma de viver, onde, nesta indigência existe contudo uma sapiência para o cultivo das suas courelas, que lhes sobram para a sua subsistência, em lugar solitário.
Para colmatar tamanhas dificuldades, na perigosidade daquela forma de viver, onde os acessos por caminhos entre giestas e calhaus da serra só se podem fazer com viaturas todo-o-terreno, lá se tem tentado resolver a reparação do pardieiro em casa com as mínimas condições de habitabilidade, para aqueles manos, e rasgar um pouco do caminho de acesso para as viaturas poderem virar.
E, assim, houve a colaboração de duas Conferências da Sociedade de São Vicente de Paulo, do Conselho de Zona da Covilhã.
No meu tempo de vicentino dos anos 60 do século passado, sempre houve carências mas desconhecia-se o espectro da droga, para além do alcoolismo. E as desavenças familiares sempre as houveram mas não nos moldes desta era tecnológica. Mas isto são contas que dariam para outro rosário.
Simplesmente registar o facto da não existência de silly season nesta finda época estival. Haveria para isto muitas respostas, nas várias vertentes da pobreza, entre as quais essa maldita pobreza envergonhada que os tempos modernos nos legaram. Afinal, falei nos meus tempos dos anos 60, já lá vai mais de meio século e a pobreza, em vez de se sumir, prosseguiu como as chamas devoradoras dos incêndios!
Este testemunho, qualquer coisa como desabafo, de quem não se conforma com as tentativas de eliminar os valores da vida, será certamente também de muitos outros vicentinos, de outras regiões. Muitas outras coisas haverão para contar, para registar, entre tristes e ledas madrugadas da vida de cada vicentino, com casos específicos ou outros na sua similaridade:

(In "Notícias da Covilhã", de 17.10.2013)

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