16 de abril de 2014

DE FRASES DOUTAS A HISTÓRIAS LOUCAS

Portugal indubitavelmente a acrescentar aos anais da sua História mais umas páginas de quarenta anos, na génese de um sonho lindo. Paradoxalmente traído, tantas vezes, na adequação de “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”.
Atentemos a mais de oito séculos da sua existência. Várias vezes emergiram perigos, ameaças e atos consumados na sua história bonita, convertida de vez em quando nas lágrimas e no sofrimento “duma austera, apagada e vil tristeza”, conforme o nosso Camões.
“A montanha pariu um rato”, quantas vezes, e, mesmo assim, não tem servido de exemplo a muitas cabecinhas pensadoras. Não se destruindo a si mesmos, como nobres de outrora, conseguiram colocar grande fatia da classe média em paralelo com os nossos irmãos da “arraia-miúda” ou “ventres ao sol”, da invenção de Fernão Lopes.
Neste sul da Europa, onde nos integramos, uma fisionomia invernosa; em contraste, o semblante primaveril dos países da vertente norte. Já poderíamos ter respirado dum certo desafogo. As enormes contrariedades por que estamos a passar não existiriam se, ao longo da nossa história, muitos dos principais governantes não se situassem no verso camoniano de “Um fraco rei faz fraca a forte gente”.
Dentre as necessidades prementes de hoje, a justiça portuguesa. Não funciona de forma a resolver os problemas que viraram o país ao avesso. Usos e abusos chegam ao caricato das prescrições. Atos que pedem severa punição. Recorde-se, há mais de 900 anos, o conselho do Conde D. Henrique, no seu leito de morte, a seu filho, ainda de tenra idade. Para o primeiro monarca de Portugal, D. Afonso Henriques: “Se um dia deixares de fazer justiça um palmo, logo ao outro dia se afastará de ti uma braça”.
E “a nós pertence fazer mercê aos indefesos e protege-los contra os poderosos”, é a decisão das Cortes de Coimbra, convocadas por D. Afonso II. Que fique na mente dos governantes deste País, e não daqueles que se arregimentam com a “governação” deste pedaço europeu, que, na expressão de Eça de Queiroz, em O Conde de Abranhos, “O governo não há-de cair – porque não é um edifício. Tem que sair com benzina – porque é uma nódoa”.
Saímos do “orgulhosamente sós” e da “evolução na continuidade”. Caso contrário, onde estaríamos? António de Spínola e Costa Gomes enganaram-se nas afirmações de que “Haveremos de continuar em África. Sim!” e “Venceremos”, no ano de 1974. Mais acertada foi a expressão do jornalista Eugénio Alves, durante a censura, relatando um jogo de futebol a pensar no Golpe das Caldas, que precedeu o 25 de abril: “Perdeu-se uma batalha mas não se perdeu a guerra”.
Após a reunião de vassalagem a Marcelo Caetano dos últimos generais leais ao regime ditatorial – “A brigada do Reumático” – já Manuel Alegre no “Pergunto ao vento que passa, notícias do meu país, o vento cala a desgraça, o vento nada me diz”, pôde haurir na sua poesia ao grande dia da libertação – 25 de abril daquele inesquecível ano de 1974.
D’”O estado a que isto chegou”, do saudoso Salgueiro Maia, veio a esperança. O seu indómito entusiasmo levou de vencida todos os escaravelhos que minavam este Portugal. E uma história louca não se concretizou, no Terreiro do Paço. Os disparos das forças do regime, ali, frente a frente, se quedaram.
Nestas últimas quatro décadas muita coisa se passou. A disputa do poder – “Olhe que não, doutor, olhe que não”; “O povo é sereno. É só fumaça!”; em 1975. Uma década depois, “Só fui fazer a rodagem”(1985) e “Nunca me engano e raramente tenho dúvidas” (1990).
Tempos desarticulados da governação. Muitas estórias pelo caminho de toda esta História de Portugal. Um FMI a ajudar a salvar da bancarrota nos anos 80. Em 2011, a Troika, de grande tormento. Termo do programa de ajustamento previsto para 17 de maio.
E foram Primeiros-ministros de Portugal a conduzir-nos para fobias: o “monstro”, o “pântano” e a “tanga”. Cavaco, com os dinheiros da União Europeia, fez-nos lembrar que “O ouro e os diamantes do Brasil foram a transfusão de sangue num corpo anémico”, conforme Oliveira Martins retratou as contas do reinado de D. João V, onde tanto entrou e tão pouco ficou. Dois outros a fugirem. Um a ser demitido forçosamente pelo Presidente da República, Jorge Sampaio, fazendo recordar, no século XIII, a deposição de D. Sancho II por seu irmão D. Afonso III, por incapacidade governativa.
Aquilo que jamais se previra algum dia, neste Portugal, aconteceu: Bancos a serem ávidos da cobiça dos senhores da ladroagem. Brada aos céus! Justiça transformada em prescrição!
Basta! Estamos ávidos dum Portugal renovado.

(In "Notícias da Covilhã", de 17.04.2014)

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