1 - Quando há
quarenta anos vivi a Revolução dos Cravos, como tantos covilhanenses e
portugueses, acordados por um sonho lindo, nem sequer passava pelas nossas
cabeças que a vida ainda nos haveria de mostrar uma face de grandes
dificuldades, por décadas em frente.
Naquela madrugada de quinta-feira tinha-me deitado já um
pouco cansado de uma viagem profissional, e preparava-me para, no dia seguinte,
uma visita de negócios, quando sou confrontado, de manhã, com as notícias de
algo que se passava no País, fora do habitual.
No trajeto para o escritório, a polícia mostrava um
semblante muito sério. Chegado ali, e juntamente com o colega, entramos em
contacto com os nossos superiores hierárquicos para saber o ponto da situação e
a conduta que se impunha. Já havia agitações por vários sítios, durante o dia,
e os Bancos encerraram.
Para mim não era assim muita surpresa já que tinha acompanhado
algumas reuniões da Comissão Democrática Eleitoral, e, aquando da Revolta das
Caldas, naquele sábado da manhã de 18 de março de 1974, vinha eu de
fim-de-semana, duma formação em Lisboa, no carro do Humberto Andrade, quando
passámos por algumas viaturas militares, em atitude bélica, na zona de
Abrantes, o que nos causou alguma estranheza.
Havia vivido 28 anos em ditadura, e terminado há três anos o
serviço militar. Tinha uma vida mais desafogada com a mudança de vida
profissional, da estatal para a privada.
Na flor da idade, e no entusiasmo da profissão, percorrendo
os dois distritos – Guarda e Castelo Branco – com regressos a casa muitas vezes
pela madrugada fora, começo por verificar os exageros de quem não estava
habituado à democracia, e as vinganças que se traduziam, na força de que “o
povo é quem mais ordena”, em mandar para a rua as hierarquias que não se
compraziam com a vontade desse “povo” ainda desorganizado.
E surge o Processo Revolucionário em Curso (PREC), Comando
Operacional do Continente (COPCON), em Lisboa; uma série de Governos
Provisórios donde emergiu um período de grande desestabilização social, com os
trabalhadores a ganharem enorme força sindical, na era comunista, com
nacionalizações da Banca e dos Seguros, e a fugida de muitos empresários para o
estrangeiro. Vem o Conselho da Revolução e uma nova Constituição Portuguesa até
que os novos Governos Constitucionais tomam conta do País.
E, neste período de tempo, alguns petizes que mal
palmilhavam os caminhos desta Terra de Santa Maria, iam crescendo, crescendo, e
viriam a saltar para a ribalta da política, entre jotas, boys e girls, para
hoje nos desgovernarem, pós feiras e mercados, beijos e abraços, na “catedral”
de S. Bento e suas traseiras.
A integração na União Europeia foi de satisfação mas de
imediato os protagonistas da governação não souberam aproveitar as ofertas dos
fundos destinados à modernização e logo esfregaram as mãos de tanto rio de
dinheiro.
Depois, vai um mundo de corrupção, ladroagem às ocultas e às
claras, com uma justiça a não funcionar e a deixar prescrever processos e mais processos,
com atitudes caricatas como na comunicação social recente.
Ainda hoje continua a emergir essa revolta – a prescrição –,
algumas, propositadamente.
Volvidos 40 anos da Revolução do 25 de Abril, a Revolução
dos Cravos, da Esperança, é hoje traduzida por contornos que a desfiguram, no
descrédito em quem nos governa, nas atitudes de quem faz troça dos mais
fragilizados em todas as vertentes, comprazendo-se com salários milionários,
eliminando a classe média, e, numa atroz situação de incompreensível atitude
para um humano, em que os mais ricos são uma fatia muito forte do conjunto dos
mais pobres.
Quem haveria de pensar que após 48 anos de ditadura e
implantada a democracia, num percurso de já quatro décadas, haveríamos de
comemorar estes 40 anos de liberdade, numa situação draconiana, depois dum FMI
nos anos oitenta, agora uma severa troika, com o choro de muitos, na míngua e
redução do seu pão-nosso de cada dia, ao paradoxo dos salários incompreensíveis
de muitos que ganham mais num mês que dezenas de trabalhadores num ano.
“Os Rapazes dos Tanques”, de Alfredo Cunha e Adelino Gomes,
vem, numa esplêndida imaginação, dar corpo ao momento exato da definição do 25
de abril, como ato consumado em determinado momento, na “hora h”, em que
“prescreveu” o tempo do brigadeiro Junqueira dos Reis que obrigara o cabo José
Alves da Costa, há 40 anos, a disparar contra as forças de Salgueiro Maia. Se
este patriota Alves da Costa tivesse dado ao gatilho, pergunto, onde estaria a
data que hoje comemoramos, entre tristes e ledas madrugadas?
2. “Artistas da Nossa Terra”. No número de 25 de março
deste quinzenário foi feita menção à “obra
inacabada de Manuel Vaz Correia”, onde, segundo o autor, “muitos universitários bebem dos meus
livros, para notícias e reportagens, mas não com o intuito de desenvolver a
obra”. Pois bem, como eu também sou um dos nomes que são inseridos na sua obra (2.º volume), a seu pedido de determinada altura, não posso deixar de sentir o meu descontentamento pela omissão da atividade profissional que desempenhei ao longo de 40 anos, lacuna infeliz porquanto foi o maior e melhor tempo da minha vida profissional. Segundo as suas palavras, “O escritor passa e a obra fica, e estou convencido que esta é uma obra que vai perdurar no tempo”; sim, fica a obra imperfeita na parte que me diz respeito, e, a propósito, também o autor foi beber a fontes dos meus livros, alguns elementos, nos seus inseridos.
(In "fórum Covilhã", de 08.04.2014)
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