18 de março de 2015

NÃO HÁ NADA QUE RESISTA AO TEMPO

Durante este ano de 2015 é celebrado o Ano Internacional da Luz, numa decisão das Nações Unidas. É “o reconhecimento da importância das tecnologias associadas à luz na promoção do desenvolvimento sustentável e na busca de soluções para os desafios globais nos campos da energia, educação, agricultura e saúde”.
Esta decisão da ONU aponta o facto de este ano coincidir com a comemoração de alguns acontecimentos importantes relacionados com a luz, segundo o ponto de vista da história da ciência, como é, por exemplo, um dos mais relevantes, relativos a Einstein, sobre o seu trabalho respeitante ao vínculo entre a luz e a cosmologia no contexto da relatividade geral, acontecido em 1915, pelo que também se comemoram cem anos.
Vão-se comemorando também outros cem anos – os da I Grande Guerra –, e os duzentos da derrota definitiva de Napoleão que deu origem à Europa que a I Guerra Mundial viria a destruir. Para além destas efemérides centenárias, outras se poderiam comemorar. É preciso dar tempo ao tempo, pois daqui a dois anos, por exemplo, será o centenário do nascimento da União Soviética.
Aparece assim o tempo, em variadíssimos significados, onde surgem momentos duma riqueza sem fim, na vida de cada um, ainda que se tenham passado, por vezes, tristes e ledas horas.
E se há um provérbio que diz que “A maior parte do nosso tempo passa-se a passar o tempo”, já Miguel Esteves Cardoso refere que “Quanto mais precisas para viver, mais tens de trabalhar e menos tempo tens para ti. O maior dos luxos é o tempo. O tempo é o meu maior património”.
Há dias regressava com o amigo José Augusto de uma instituição covilhanense, quando, no início da Rua da Indústria, uma forte ventania parecia que nos iria levar pelos ares. Recordei então o tempo em que, com os meus seis anos, algumas vezes me desloquei a pé, após as vinte e três horas, tempo de encerramento da biblioteca municipal, onde meu pai trabalhava, e, com ele, calcorreava os caminhos de terra batida, até à Pousadinha, onde vivíamos. De inverno, por vezes surgia este forte vento que me afrontava, e, logo ali, ao “Senhor de Jesus”, onde existia uma capela com esse nome, e como era conhecido o início da Rua da Indústria, que assim não estava batizada, já se formavam grupos de mulheres de xaile e homens de lancheira na mão, que emergiam das saídas das fábricas de lanifícios. Era o tempo do auge da indústria rainha na cidade laneira, e seus termos, ainda que, para os operários não deixasse de ser de paupérrimos salários.
Mas, lá mais para diante, já decorridos uns dois ou três mil metros, perto da Borralheira, já não havia luz na estrada, a não ser se houvesse luar ou, de vez em quando, os faróis de alguma das poucas viaturas que existiam.
Mas ocorre-nos uma pergunta, agora que já temos todo o tempo livre (nem sempre é bem assim…), depois das reformas em que conseguimos obtê-las em tempo, quanto tempo é que o tempo tem? Li há pouco tempo que tudo o que existe tem 13.800 milhões de anos. É a idade do próprio Universo, o tempo desde o Big Bang, a grande “explosão” criadora de tudo. Que o nosso sistema solar, incluindo a Terra, formou-se há 5000 milhões de anos, tinha então o Universo já 9000 milhões de anos de existência. Mas não obstante tantos números do tempo (ficamos saturados pelo próprio tempo), é-nos referido que as primeiras estrelas nasceram há 550 milhões de anos; e há 700 milhões de anos foram formadas as primeiras galáxias do Universo – incluindo a nossa Via Láctea que tem pelo menos 100.000 milhões de estrelas, uma delas o Sol, que fica num dos braços da espiral. Mais tempo ainda: 9000 milhões de anos foi a formação do Sol a partir de uma nuvem de gás e poeiras, compostas sobretudo por hidrogénio e hélio; sendo que há 10.200 milhões de anos surgiu a vida na Terra, mais exatamente as primeiras células. E, finalmente, como acima já foi referido, há 13.800 milhões de anos surgiu o Universo atual. A sua temperatura, de 270 graus Celsius negativos, está perto do zero absoluto. E aqui estamos nós, a olhar para trás no tempo, através da luz, desde os raios gama às ondas de rádio, passando pela luz visível aos nossos olhos.
E, nesta de tempo falado, vivemos agora outro tempo, depois de termos passado por duas Grandes Guerras, e, durante 13 anos, com início em 1961, as guerras coloniais, ainda com feridas por sarar, e sofrimentos que vão das perdas de muitos jovens militares, e incapacidades permanentes de outros, para o stress pós-traumático que persiste no tempo, dia e noite, sofrimento não só no próprio ex-combatente, como nas famílias com quem convivem.
Chegamos assim a muitos tempos. Os ditos tempos de mudança, que, de mudança, paradoxalmente às intenções propagandísticas aquando das campanhas eleitorais, mais não são que mudança da treta.

É vermos os tempos por que estamos a passar! Que isto de voltamos a falar dos comentários do dia-a-dia, de casos e mais casos, é, como sói dizer-se: tempo perdido! É que, segundo Marcel Proust, “Os dias talvez sejam iguais para um relógio, mas não para o homem”; e, Vergílio Ferreira disse-nos que “O tempo que passa não passa depressa. O que passa depressa é o tempo que passou”.

(In "Notícias da Covilhã", de 19-03-2015)

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