10 de março de 2015

FAZ O QUE EU DIGO E NÃO FAÇAS O QUE EU FAÇO

Com tanta tralha de compromissos onde me meti, sem saber dizer não, vejo-me inundado num acervo de documentação, livros, jornais e em todo um mundo de pesquisas.
Não dispenso a leitura quotidiana, a fugir, dos diários online, para além do “Público” da minha preferência, e dos semanários regionais.
Sobre o título em questão, talvez o mesmo também me sirva para enfiar a carapuça.
Mas, já agora, um texto de excelência do amigo Dr. Manuel Bento Fernandes – “ONTEM, HOJE E AMANHÃ – os conflitos de valores” poderá ser lido no próximo número do “Combatente da Estrela”.
Quando menos se espera, para além da amnésia, tantas vezes evidenciada de Cavaco Silva, surge-nos agora o nosso primeiro-ministro, Passos Coelho, a sair-lhe o tiro pela culatra, numa outra amnésia, do registo das já muitas vezes que existem gravações e textos noticiosos, de palavras e expressões enérgicas, na envolvente dos seus discursos da governação.
Mas o fundo da questão marca-se pelo mau exemplo que nos é dado por quem deveria ser o primeiro a impor-se pela sua integridade de caráter, e não no refúgio de desculpas esfarrapadas.
Como é possível que se possa exigir, a um simples cidadão contribuinte, o pagamento dos seus impostos e contribuições quando é o primeiro-ministro de Portugal que não dá o exemplo?
E não serão os seus apaniguados que, com subterfúgio, irão fazer levantar o véu da névoa que ensombra a reputação de um político de primeira apanha.
O primeiro-ministro contraiu uma dívida na Segurança Social (SS) por não ter efetuado descontos durante cinco anos, quando foi trabalhador independente. E diz que nunca teve conhecimento de qualquer notificação que lhe tenha sido dirigida dando conta de uma dívida à SS. Contribuiu agora, voluntariamente…para a sua carreira contributiva, liquidando 2.880 euros, acrescido de juros de mora, mas o “Público” refere que o valor total a pagar ascende aos sete mil euros. E se fosse um cidadão comum que devesse as prestações duma casa? Certamente já lhe teriam penhorado o imóvel.
Recentemente circulou nas redes sociais um vídeo do congresso do PSD de fevereiro de 2014 em que Passos afirma: “Há muitos que deviam pagar os seus impostos e não pagam. Porquê? Porque não declaram as suas atividades. Ora nós temos a obrigação de corrigir estas injustiças (…)”.
Pois é, Sr. Primeiro-Ministro, é por estas, e por outras, que os de mais débeis rendimentos pagam as favas; e que, segundo as notícias vindas a lume, “Bruxelas vigia Portugal por excesso de “desequilíbrios macroeconómicos”. E, ainda de Bruxelas, vem o aviso, de que o esforço feito com a troika (palavra maldita!) não chega.
Tornar-se-ia fastidioso repetir o que toda a gente já conhece, de figuras da política, e não só, na destruição deste pobre País, através de várias formas, vergonhosamente, subtilmente, gananciosamente, numa avareza sem limites, tantas vezes com o fecho dos olhos de homens da justiça, alguns que até pareciam não se lhe poder tirar um cabelo.
Mas… naquela do “faz o que eu digo mas não faças o que faço”, os senhores do poder lá vão fazendo ouvidos de mercador aos problemas da sociedade e às lamúrias do povo que os colocou no poleiro. Depois, são as vicissitudes: da revolta ao desespero, do roubo ao assassinato, do pedido de socorro constante ao sofrimento impensado, num rol de situações jamais previsíveis há uns anos bons anos a esta parte.
É que os partidos têm os mesmos princípios ostensivos, dizendo e fazendo uma coisa na oposição, mas depois outra no poder.
A esperança encontrava-se então no socialista António Costa, mas, devagar, devagarinho, foi entregando os seus trunfos ao adversário, que até já se prazenteia, no resultado das sondagens, com expressões como as “daqueles que estão agora a perceber que as legislativas, afinal, “podem não ser um passeio”. Senhor de uma personalidade televisiva forte, António Costa, após o seu estado de graça, conseguiu em poucos dias mediatizar-se em dois empecilhos vermelhos – o Benfica e a China. No primeiro caso, o perdão de milhões de euros das taxas que o Benfica deve por obras do Estádio da Luz; no segundo, ao referir uma frase abrasadora, impensada num político deste jaez, perante uma plateia de chineses que celebravam o ano novo chinês, agradeceu aos investidores que acreditaram no país e deram “um grande contributo para que Portugal pudesse estar hoje na situação em que está, bastante diferente daquela em que estava há quatro anos”. Politicamente logo surgiu a imagem que ainda passa e que é a de um António Costa que diz uma coisa aos chineses e outra aos portugueses. Com esta conduta, o socialista, fundador do PS, Alfredo Barroso, utilizou as redes sociais para anunciar que se desvinculou do partido. E, como diz Manuel Carvalho, no “Público”, “Os socialistas que, depois de correrem com António José Seguro, já tinham encomendado as faixas da vitória nas legislativas começam a dar conta de que enterraram o Governo cedo de mais”.
O que é certo é que Portugal continua pobre, voltando, pasme-se, aos níveis de pobreza de há dez anos.
E, por último, temos Sócrates, num avolumar de novas acusações, batendo o record das mesmas dum político em Portugal. Enquanto isto, surgem as exigências de alguns amigos que pretendem a sua libertação. Não fazendo qualquer juízo de culpabilidade ou inocência, a verdade é que, sobre ele, impendem muitas acusações. Será que conseguirá sair ilibado na sua generalidade? E se for verdadeiramente culpado, o que dirão, a posteriori, os seus fervorosos apaniguados?
O que dizer do enriquecimento ilícito quando se alastra a pobreza em Portugal, e, muita dela, a pobreza envergonhada?

Há que pôr cobro a esta calamidade (mais uma!), que não deixa de o ser, num chico-espertismo de bradar aos céus.

(In "fórum Covilhã", de 10-03-2015)

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