Cunha (figurado): pedido especial realizado por alguém a favor de outra
pessoa; recomendação; empenho (in “infopédia – Dicionário Porto Editora”).
Quem ainda não se serviu, ou
“meteu uma cunha”, durante as várias vertentes da sua vida?
Durante o período escolar, ao
longo da vida profissional, na ação pública, na política, ou noutra qualquer
situação, a dona “cunha” sempre desempenhou o seu papel na sociedade. E cobre
todas as classes sociais.
Obviamente que quando se é ainda
muito jovem para exercer uma atividade profissional, como era antigamente, sem
a “cunha” era difícil o rapazinho ou a menina entrar em qualquer lugar.
Aquilo que agora já não acontece
com tanta facilidade, naqueles tempos, sem formação adequada para solicitar um
emprego, as faces ficavam rosadas nalgum revés de entrevista, naquele gaguejo
da inexperiência. E, por vezes, quem era competente ficava prejudicado por
força do outro que entregou o assunto à dona “cunha”.
Recordo que durante o serviço
militar obrigatório não quis satisfazer uma “cunha” que me caiu nas mãos, de um
sargento, indiretamente vinda de um outro, seu superior, na sala de aula onde
exercia as funções, no RAL 4, em Leiria, para que determinados recrutas na
especialidade fossem classificados com notas mais elevadas que outros. Uma
imediata denúncia ao comandante resolveu o assunto. Veio-se assim a descobrir
que o filho de um industrial de tapetes obsequiava o interessado nestes bens…
tapetes!... E os candidatos a beneficiados poderiam prejudicar outros seus
camaradas, com este engodo, para as pautas de mobilização para as Colónias,
sabia-se lá!
Se é para memorizar os efeitos,
ou possíveis efeitos da “cunha”, então aí vai mais esta: em determinada fase da
minha vida profissional vi-me confrontado com a responsabilidade de selecionar
um candidato a empregado na empresa da qual era o gestor. As “cunhas” começaram
imediatamente a surgir como formigas, por todos os cantos da Cidade, e não só.
Eram de conhecidos, amigos, familiares, desconhecidos, do senhor inspetor da
CP, de políticos que vinham desde logo dizer que não estavam afetos a quaisquer
partidos, e sei lá que mais, pois jurei não voltar a aceitar tal missão.
Depois, ainda houve, no tempo da
outra senhora, as “cunhas” com cartas de muita humildade, contando em choro a
vida de infelicidade, dirigidas ao pai-previdência, que um emprego no Estado
vinha resolver a vida infeliz do agregado familiar onde se inseria. Vi cartas
dessas na Câmara Municipal da Covilhã dirigidas à D. Berta Craveiro Lopes, mulher
do Presidente da República de então, general Craveiro Lopes.
Para entrada num Banco, o Padre
Morgadinho por vezes dava uma ajuda, amigo que era da família do Dr. Miguel
Quina, desde que a família não fosse comunista, porque consta que acusava aos
senhores da ditadura quem era do contra, conforme constou do Dr. Castro
Martins, assim me informou a esposa, Dr.ª Edite, ambos falecidos professores da
Escola Industrial e Comercial Campos Melo, como eu sempre gostei de a tratar.
As cartas de recomendação de antigamente
foram substituídas pelos cartões partidários de hoje, entre boys e girls, com altos vencimentos, muitos daqueles sem qualidade alguma,
em detrimento dos que verdadeiramente andaram a queimar as pestanas e se viram
defraudados por este enxame de admissões, sem rei nem roque.
Os partidos políticos tornaram-se
com o tempo e a democracia um lugar da “cunha”. Maior ênfase é para os que
acedem ao poder político central, mas também em grande quantidade no âmbito das
autarquias.
E como reconheço que a pouca
apetência para a leitura é evidente, sem que se acentue mais a iliteracia, e
nem todos vão ler esta revista, que ajudei a fundar, digam-me lá, verdade ou mentira,
se entendem que o Sr. Miguel Relvas não conversou com a dona “cunha”, vestida
ou não de calças de ganga, ou de minissaia, para aquele “doutor” ser um
inexistente licenciado, que isto de doutores é como chapéus há muitos.
Literalmente há milhares de
“cunhas”, que aumentam quanto mais poderosas forem as funções daquele a quem se
pede um favor.
Há, contudo, muitas centenas de
“cunhas” para pessoas fora das altas burocracias do Estado mas que estão
colocadas numa situação estratégica para o favoritismo de emprego e carreira.
A origem das “cunhas” atinge
todas as classes sociais e todas as áreas da sociedade portuguesa.
Em Portugal é indubitável que a
dona “cunha” faz parte da sua história social. E continua a ser essencial na
vida dos portugueses, ainda que hoje tenha outros nomes, e outros meandros.
A proximidade com o poder, seja
ele qual for, continua a ser uma enorme vantagem na obtenção de proveitos
injustos e uma forma de bloquear o mérito.
(In "Ecos da APAE", Junho de 2016)