10 de janeiro de 2017

A NOVA IGNORÂNCIA

Vem o título desta primeira crónica do ano da graça de 2017 a ser reflexo das que escreveram José Pacheco Pereira no Público de 31 de dezembro, e a resposta, de António Guerreiro, na revista Ípsilon de 6 de janeiro. Depois, a repercussão das críticas, inseridas no mesmo jornal de 7 de janeiro, por Pacheco Pereira.
“Parece que falar da ignorância coloca logo quem o faz numa situação de arrogância intelectual”, diz Pacheco Pereira.
“Acompanha outro tipo de fenómenos como o populismo, a chamada “pós-verdade”, a circulação indiferenciada de notícias falsas, e, o que é mais grave, a indiferença sobre a sua verificação”.
Temos visto, de vez em quando, de uma forma subtil mas, paradoxalmente, na envolvente de uma raiva não contida, algumas críticas direcionadas para textos publicados por articulistas em periódicos desta região, que incomodam quem critica, sem a frontalidade na nomeação dos seus autores, evitando o óbvio contraditório. Serão assim sempre censurados no âmbito da cobardia. São, geralmente, os detentores de espaços que não só lhes pertencem, mas que se julgam como tal, arrogados num pedestal em que para aí se arrastaram.
Os casos, verídicos, que nos chegaram ao conhecimento, da forma como algumas instituições deixaram passar alunos, nas “Novas Oportunidades”, para obtenção dos 9.º e 12.º anos brada aos céus; e como alguns alunos do ensino superior redigem, assobiando para o lado quanto à ortografia, é de autêntica risada, melhor dizendo, tristeza. Isto nada tem a ver com o facto de termos sido uns ases, pela primeira vez acima da média da OCDE, com os melhores resultados de sempre nos testes PISA 2015, em Literacia Científica, Leitura e Matemática.
E, embora tenhamos as gerações mais qualificadas, estamos alheios à nova ignorância. É que a sociedade potencia o uso das novas tecnologias que fazem as pessoas olharem para os telemóveis centenas de vezes, diariamente, com os adolescentes na linha da frente. Não há as grandes relações humanas de vizinhança, de companhia e amizade, sem interações de grupos, na interpretação bem lúcida quão esclarecedora de Pacheco Pereira. A maior punição para um adolescente é retirar-lhe o telemóvel. É deprimente ver em qualquer sítio, seja na entrada da escola, num restaurante, ou mesmo na rua, pessoas que embora estejam juntas, não se falam. Falam para o invisível, do aparelho que sai do bolso, ou então nem da mão sai, estando sempre numa atenção latente ao telemóvel, mandando mensagens, enviando fotografias, tirando Selfies, entrando no Facebook, às catervas de vezes ao dia. Nesta ignorância que integra a sociedade, deixou de haver silêncio e tempo para pensar, deixando a curiosidade de olhar para fora, ao invés se metem na sua abstração. E ninguém os detenha, os incomode, os irrite, deixem-nos em paz. Se atentarmos no que se escreve no Facebook, ficamos a conhecer melhor as pessoas na sua ignorância, que, nalguns casos, é de pasmar, independentemente de terem ou não algum canudo.  
Já António Guerreiro contesta: “E tal como não há “nova ignorância”, também não é novo querer combatê-la com os instrumentos da crítica da ideologia. Mas como pode Pacheco Pereira excluir-se do processo da “nova ignorância”, e denunciá-la, se participa ativamente nos meios que a produzem? A esta pergunta também me vejo obrigado a responder: não tenho tais ilusões e estou consciente da contradição a que me exponho semanalmente”.
Pelo que se deduz, na contemplação das redes sociais, muitos dos seus utilizadores têm aqui a sua fonte onde vêm beber quase toda a sua informação. Não será esta, quantas vezes, uma “nova ignorância” no ataque ao saber? E, tal como António Guerreiro escreve, também todos os que escrevemos nos jornais nos expomos à crítica, se bem que é da discussão que nasce a luz, segundo o provérbio.
Vamos agora ter neste novo ano um dos maiores riscos para o mundo com a presidência ignorante dos Estados Unidos em que as redes sociais o alcantilaram ao poder. Nestes ventos de “trumpestade”, a vitória de Donald Trump constitui a segunda grande surpresa internacional do ano, depois do Brexit. E como em relação ao “adeus europeu” de Londres, com Trump na Casa Branca, sabemos melhor quem perdeu do que quem venceu. Será que o povo americano foi assim tão ignorante, elegendo um presidente politicamente incorreto, populista, reacionário, isolacionista, racista, demagogo, machista, sexista, aventureiro, impreparado, e o mais que se lhe queira chamar? É óbvio que venceu, e em democracia os resultados de uma eleição são sempre legítimos.
Habituámo-nos a olhar para os EUA como a maior democracia do mundo e ao seu presidente como o líder do mundo livre. Os verdadeiros democratas não conseguem ver isso em Donald Trump.

Tendo ocorrido o falecimento do primeiro Presidente da República civil, Mário Soares, após a Revolução dos Cravos, no dia 7 de janeiro, que sucedera ao general Ramalho Eanes, aquele que foi um grande democrata e eterno lutador pela liberdade, com justiça quase todos os jornais dizem: “Obrigado Mário Soares!”.


(In "Fórum Covilhã", de 10-01-2017)

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