29 de dezembro de 2016

COMO GERINGONÇA DOURADA (CGD)

Naquele tempo estávamos nos primeiros anos da década de sessenta do século passado. Como habitualmente, minutos antes das nove, aguardávamos que se aproximassem as horas para início do trabalho. Daí também o encontro com alguns dos colegas administrativos, debaixo das arcadas da Câmara Municipal, junto à porta da então Repartição Técnica, mais tarde designada Serviço de Obras e Urbanização. Um pouco de conversa matinal, o puxar de um cigarro, e o deleite num arregalar os olhos pelas jovens que também passavam, de caminhar ligeiro, para o emprego, Escola Industrial, Liceu ou Colégio Moderno; algumas, antigas colegas. E um ou outro amigo que subia as escadas para a Repartição de Finanças, sediadas um pouco mais acima.
O Fernando Pedrosa Gonçalves, jovem como eu (ainda nem sequer tínhamos sido chamados para o serviço militar) mostra-me uma caderneta da Caixa Geral de Depósitos (CGD) depois de ter aberto a sua primeira conta bancária. Como é que isso se faz? Perguntei-lhe. E, não é que, a partir daí, passei também a ser cliente da CGD Crédito e Previdência, como na altura se designava… Ala! Que já são horas! E lá subimos as escadarias do Município, cada um para a sua secção: eu para a “Contabilidade”; ele para as “Contribuições e Impostos”.
Rios de tinta têm passado pelos jornais, e o barulhar das águas pelas televisões e nas redes sociais, sobre o processo pelo qual a CGD tem passado. Ele já vem desde que a crise financeira internacional mostrou a nudez de todos os defeitos da forma de ter um banco público no nosso País. É que ele navega ao sabor dos ventos que sopram das interferências políticas da cor do partido da altura. Mostra-se assim uma péssima displicência gerencial.
O já enfadonho caso da administração da CGD, com contratação e renúncia posterior de António Domingues para a sua presidência, é de bradar aos céus. É deveras incompreensível a conduta deste homem da breve liderança, aceitando a gestão dum banco público com a exigência de um estatuto especialíssimo, obviamente diferente ao de outros detentores de cargos públicos como os gestores públicos, exigindo a omissão do seu património. Mas a que pretexto?
Não nos podemos esquecer que a CGD tem estado envolvida nos grandes escândalos do regime, com o locupletar de figuras sobejamente conhecidas.
Já surge na perplexidade de muitas mentes a pergunta anónima e sentida porque é que a CGD tem que ter sempre como presidente uma figura externa ou então um apaniguado que se move à volta do poder? Não seria mais apropriado, é a minha opinião, encontrar, como agora foi o caso de Paulo Macedo, um gestor de méritos e créditos firmados? E até, porque não, mesmo a conveniência de convidar uma figura dentro dos trabalhadores da CGD? Onde está a motivação para esses trabalhadores se empenharem verdadeiramente a darem o melhor de si, até à exaustão, se caso fosse necessário?
Será que o vencimento que o Presidente da CGD – uma instituição pública – dizem que vai receber de 423 mil euros anuais (igual ao que iria receber António Domingues) não é uma grande humilhação para o grande exército de trabalhadores portugueses a ganhar o salário mínimo como o que se paga em Portugal?
O que foi ontem, o que é hoje, não sabemos o que será amanhã a CGD!... De uma casa que foi de grande confiança no passado por ser um banco do Estado, consequentemente pensando-se ser a garantia das poupanças e dos empréstimos, mormente da habitação, dos portugueses de boas intenções, passou hoje a ser uma autêntica geringonça dourada para ainda muitos dos que a vão tentar direcionar para águas mais tranquilas destes ventos agitados, quais passagens do Cabo das Tormentas que depois foi batizado de Boa Esperança pelos nossos descobridores do século XV.
E mais, a comissão executiva da CGD irá custar em salários cerca de 2.465 milhões de euros brutos por ano, é o que consta.
A Caixa deveria ser 100% pública, muito forte e ter uma missão bem definida: regulador do mercado; fazer mudar de intenção os abusos na banca privada (já que o Banco de Portugal, como regulador, é tantas vezes inerte) e financiadora da economia real, que, em boa verdade, não são as grandes empresas mas sim as PME e as microempresas que são aquelas que geram 90% do emprego em Portugal. Claramente que não é arruinar crédito, mas sim dar crédito a empresas de grande viabilidade com projetos sérios e com possibilidade forte de serem conseguidos, atribuindo-se-lhes esse crédito à medida que se vai vendo a sua aplicação na empresa. Obviamente que também haveria a necessidade da concessão de crédito a particulares em condições acessíveis e exigentes ajudando assim a classe média a cimentar-se.
Não é a CGD que mantém o grosso do número de clientes nos funcionários públicos deste País, e os reformados? Então, com uma boa gestão certamente a CGD tem a obrigação de ser altamente rentável.
Neste ano prestes a terminar, e agora que há uma nova liderança nesta instituição, haja a esperança de se dar a volta ao texto, como sói dizer-se, e os líderes, que têm salários dourados, sintam a obrigação de transmitir rápida confiança à população portuguesa, e aos emigrantes, que sempre viram na Caixa uma entidade credível, com aquela garantia de estabilidade e de proteção para as poupanças de uma vida, cujo património se transformou na tal geringonça nas últimas duas décadas.
O espaço não permite mais narrativas, ainda que muito houvesse a dizer, pelo que vamos ficar por aqui.

Desejamos a todos os leitores e suas famílias um Santo Natal e um Feliz Ano 2017.

(In "Notícias da Covilhã", de 29-12-2016)

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