14 de fevereiro de 2017

A MENTIRA

Todos mentimos. Não significa que seja algo bom, ético e que vá conduzir à felicidade. Certo é que vemos pessoas sofrendo com mentiras, em várias vertentes das suas vidas. Seria interessante entender porque as pessoas mentem, ainda que seja uma das formas de superar as traições, omissões, falsidades e mentiras.
Qual a causa de haver tanta mentira no mundo? O Professor Felipe de Souza diz que “a pessoa que mente pensa que é melhor, mais vantajoso dizer uma inverdade do que dizer a verdade. A verdade é sentida como algo que provocará uma resposta pior e desfavorável. Esta é a causa das mentiras”. Porém algumas pessoas desenvolvem uma grande capacidade de mentir. Quem mais mente não acredita nas suas mentiras. Mas outras gentes há, que, mentindo, acreditam que as suas mentiras são verdades. Neste último caso, o Professor Felipe de Souza diz que “há um indício de doença mental, pois acreditar fielmente em suas próprias mentiras pode significar um distúrbio psicológico grave”. Há algum tempo surgiu a expressão “disfunção cognitiva temporária”, na Assembleia da República, pelo Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, Mourinho Félix, aquando da discussão na especialidade da proposta de Orçamento do Estado para 2017, referindo-se à proposta do PSD relativamente à Caixa Geral de Depósitos. Gerou-se enorme polémica.
O que é verdade é que o uso da linguagem excessivamente forte é comum nos parlamentos. Vejam-se os casos surgidos nalguns países asiáticos e até na Itália em que chegaram a vias de facto. Os excessos parlamentares têm tradição em Portugal. Almeida Garrett foi um dos mais brilhantes utilizadores. E Brito Camacho, respondendo a um deputado que vociferou: “eu tenho só um partido”, saiu-lhe esta: “Então tome lá cuidado não lhe partam o outro!”. Já depois do 25 de Abril, a deputada centrista Natália Correia fez um pequeno poema a um deputado que defendia que só devia fazer sexo quando se queria fazer um filho, poema que terminava dizendo que ele era capado. E quando algumas mulheres, apoiantes da Unita, foram à Jamba e disseram que aquilo era uma cidade muito organizada e que até tinha um polícia sinaleiro, Natália Correia não perdoou, dizendo: “O que as senhoras mais admiraram foi certamente o cassetete do polícia!”.
Num artigo que publiquei em 24 de outubro de 1997, a propósito dum autarca da altura ter mentido a uma instituição desta Cidade, referi que no jornal Vida Económica, de 3 de outubro daquele ano, sob o título “200 petas/dia”, dizia o seguinte: “(…) de acordo com um estudo publicado pelo The Sunday Telegraph, do Reino Unido, as pessoas mentem de oito em oito minutos, no mínimo, na maior parte trata-se de pequenas mentiras, embora sejam mentiras”.
Ora bem, não só as mentiras de Trump, que, no seu egocentrismo boçal e alucinado, certamente não lhe permitem ver a diferença entre verdades e inverdades, são fator para que esta palavra seja uma das mais repetidas de sempre, como também, por cá, a sobrevivência da mui badalada “geringonça”, faz referir Vicente Jorge Silva, no Público, ser “um termo que, só por si, pacificamente adotado por quase toda a gente, resume a pequenez da “política à portuguesa”.
Recentemente realizou-se, na Universidade do Minho, um colóquio sob o tema “Mentira e Hipocrisia na Política e Vida Moral”, ideia defendida pela norte-americana Ruth W. Grant; no qual estiveram presentes cerca de 40 especialistas de 15 países; tendo sublinhado que há uma grande mudança na mentira, e a diferença é quantitativa mas também qualitativa, refletindo sobretudo acerca das questões da moral política. Hoje recorre-se mais à mentira. O controlo dos factos feitos pelo site PolitiFact ao discurso de Trump, nas presidenciais americanas, apontaram para 76% de falsidades; e a mentira, quando exposta, sobrevive ao confronto com os factos, resistindo bem ao embate. Ruth W. Grant recordou que, até aqui, as mentiras em política tinham sobretudo que ver com aquilo por quem as proferia se assumia ou não responsável. Quando apanhado em falso, o político passava por um momento de embaraço público, sentindo a obrigação de se retratar. Agora, quando confrontado com os factos, o político continua a mentir, não obstante ser uma mentira à prova de factos. No debate sobre “verdade à prova de factos”, lá veio o alegado arsenal de armas de destruição maciça que serviu para justificar a guerra no Iraque. E é neste tempo “trompetista” que surge a “pós-verdade”, tendo a Oxford Dictionaries a elegido palavra do ano 2016, justamente por causa de Trump e do “Brexit”. Foi definida como o conceito que designa as circunstâncias em que os factos objetivos são menos preponderantes na formação da opinião pública do que as paixões e convicções.
Temos então aí o campeão da mentira – Donald Trump – e a este assunto se foram referindo os jornais do mundo: o New York Times recapitulou os substantivos usados pelo jornal e pela média americana para caraterizar as inexatidões ditas ou twetadas por Trump: inverdades, falsificações, equívocos, erros. O jornal mais influente do mundo, o NYT, escreveu que Trump repete uma mentira sobre as eleições e que é um rematado mentiroso. Ele mente frequentemente e sem problemas. Mente sobre as coisas sérias e sobre as triviais. Entronizada na Casa Branca, a pós-verdade incorpora os preconceitos, pregando e ampliando indefinidamente, nas redes sociais, a mentira que parece ser verdade.
Vêm aí as eleições autárquicas e, também aí, a mentira tem oportunidade de surgir nas suas encapotadas vestes para, mais tarde, não ter hipótese de se ocultar. É que, conforme o ditado, uma mentira dá uma volta inteira ao mundo antes mesmo de a verdade ter oportunidade de se vestir. Ou seja, é apenas a verdade mascarada, agora que entrámos no mês do Carnaval. E ainda, se a consciência tranquila se ri das mentiras da fama, o que é certo e verdade é que mesmo a mentira mais complicada é mais simples que a verdade, tendo também em conta que um silêncio pode por vezes ser a mais cruel das mentiras.
A mentira é pois um componente que faz parte da vida de alguns políticos e, com as raras exceções de sempre, tal conceito já se incorporou na definição que o povo faz dos seus representantes, mas que ele mesmo se encarrega de lhes dar um mandato. Recordam-se que Richard Nixon teve de renunciar à presidência americana porque mentiu sobre Watergate? Tentou obstruir o trabalho de investigação e negou sua responsabilidade na invasão do edifício Watergate, em Washington. Pois é, já Platão, o filósofo da Grécia Antiga, comparou a aplicação do uso autorizado da mentira, em política, ao uso que o médico faz da sonegação da verdade e do veneno com finalidade curativa.
O povo diz que atrás de mentira, mentira vem; e já Aristóteles afirmava que a vantagem que têm os mentirosos é a de não serem acreditados quando dizem a verdade.
Aguardemos então a próxima campanha eleitoral para as autárquicas no nosso País. Estejamos atentos às mentiras que ao longo dos tempos nos foram insufladas. Mas também na reflexão das mentiras para um promissor futuro. O melhor candidato será, obviamente, o que menos mentir, ou, então, o que melhor mentir.


 (In "Fórum Covilhã", de 14/02/2017)

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