Todos mentimos. Não significa
que seja algo bom, ético e que vá conduzir à felicidade. Certo é que vemos
pessoas sofrendo com mentiras, em várias vertentes das suas vidas. Seria
interessante entender porque as pessoas mentem, ainda que seja uma das formas
de superar as traições, omissões, falsidades e mentiras.
Qual a causa de haver tanta
mentira no mundo? O Professor Felipe de Souza diz que “a pessoa que mente pensa que é melhor, mais vantajoso dizer uma
inverdade do que dizer a verdade. A verdade é sentida como algo que provocará
uma resposta pior e desfavorável. Esta é a causa das mentiras”. Porém algumas
pessoas desenvolvem uma grande capacidade de mentir. Quem mais mente não
acredita nas suas mentiras. Mas outras gentes há, que, mentindo, acreditam que
as suas mentiras são verdades. Neste último caso, o Professor Felipe de Souza
diz que “há um indício de doença mental,
pois acreditar fielmente em suas próprias mentiras pode significar um distúrbio
psicológico grave”. Há algum tempo surgiu a expressão “disfunção cognitiva
temporária”, na Assembleia da República, pelo Secretário de Estado do Tesouro e
Finanças, Mourinho Félix, aquando da discussão na especialidade da proposta de
Orçamento do Estado para 2017, referindo-se à proposta do PSD relativamente à
Caixa Geral de Depósitos. Gerou-se enorme polémica.
O que é verdade é que o uso da
linguagem excessivamente forte é comum nos parlamentos. Vejam-se os casos
surgidos nalguns países asiáticos e até na Itália em que chegaram a vias de
facto. Os excessos parlamentares têm tradição em Portugal. Almeida Garrett foi
um dos mais brilhantes utilizadores. E Brito Camacho, respondendo a um deputado
que vociferou: “eu tenho só um partido”,
saiu-lhe esta: “Então tome lá cuidado não
lhe partam o outro!”. Já depois do 25 de Abril, a deputada centrista
Natália Correia fez um pequeno poema a um deputado que defendia que só devia
fazer sexo quando se queria fazer um filho, poema que terminava dizendo que ele
era capado. E quando algumas mulheres, apoiantes da Unita, foram à Jamba e
disseram que aquilo era uma cidade muito organizada e que até tinha um polícia
sinaleiro, Natália Correia não perdoou, dizendo: “O que as senhoras mais admiraram foi certamente o cassetete do
polícia!”.
Num artigo que publiquei em 24
de outubro de 1997, a propósito dum autarca da altura ter mentido a uma
instituição desta Cidade, referi que no jornal Vida Económica, de 3 de outubro
daquele ano, sob o título “200 petas/dia”,
dizia o seguinte: “(…) de acordo com
um estudo publicado pelo The Sunday Telegraph, do Reino Unido, as pessoas
mentem de oito em oito minutos, no mínimo, na maior parte trata-se de pequenas
mentiras, embora sejam mentiras”.
Ora bem, não só as mentiras de
Trump, que, no seu egocentrismo boçal e alucinado, certamente não lhe permitem
ver a diferença entre verdades e inverdades, são fator para que esta palavra
seja uma das mais repetidas de sempre, como também, por cá, a sobrevivência da mui
badalada “geringonça”, faz referir Vicente Jorge Silva, no Público, ser “um termo que, só por si, pacificamente adotado
por quase toda a gente, resume a pequenez da “política à portuguesa”.
Recentemente realizou-se, na
Universidade do Minho, um colóquio sob o tema “Mentira e Hipocrisia na Política
e Vida Moral”, ideia defendida pela norte-americana Ruth W. Grant; no qual
estiveram presentes cerca de 40 especialistas de 15 países; tendo sublinhado
que há uma grande mudança na mentira, e a diferença é quantitativa mas também
qualitativa, refletindo sobretudo acerca das questões da moral política. Hoje
recorre-se mais à mentira. O controlo dos factos feitos pelo site PolitiFact ao
discurso de Trump, nas presidenciais americanas, apontaram para 76% de
falsidades; e a mentira, quando exposta, sobrevive ao confronto com os factos,
resistindo bem ao embate. Ruth W. Grant recordou que, até aqui, as mentiras em
política tinham sobretudo que ver com aquilo por quem as proferia se assumia ou
não responsável. Quando apanhado em falso, o político passava por um momento de
embaraço público, sentindo a obrigação de se retratar. Agora, quando
confrontado com os factos, o político continua a mentir, não obstante ser uma
mentira à prova de factos. No debate sobre “verdade
à prova de factos”, lá veio o alegado arsenal de armas de destruição maciça
que serviu para justificar a guerra no Iraque. E é neste tempo “trompetista”
que surge a “pós-verdade”, tendo a Oxford Dictionaries a elegido palavra do ano
2016, justamente por causa de Trump e do “Brexit”. Foi definida como o conceito
que designa as circunstâncias em que os factos objetivos são menos
preponderantes na formação da opinião pública do que as paixões e convicções.
Temos então aí o campeão da
mentira – Donald Trump – e a este assunto se foram referindo os jornais do
mundo: o New York Times recapitulou os substantivos usados pelo jornal e pela
média americana para caraterizar as inexatidões ditas ou twetadas por Trump:
inverdades, falsificações, equívocos, erros. O jornal mais influente do mundo,
o NYT, escreveu que Trump repete uma mentira sobre as eleições e que é um
rematado mentiroso. Ele mente frequentemente e sem problemas. Mente sobre as
coisas sérias e sobre as triviais. Entronizada na Casa Branca, a pós-verdade
incorpora os preconceitos, pregando e ampliando indefinidamente, nas redes
sociais, a mentira que parece ser verdade.
Vêm aí as eleições autárquicas
e, também aí, a mentira tem oportunidade de surgir nas suas encapotadas vestes
para, mais tarde, não ter hipótese de se ocultar. É que, conforme o ditado, uma
mentira dá uma volta inteira ao mundo antes mesmo de a verdade ter oportunidade
de se vestir. Ou seja, é apenas a verdade mascarada, agora que entrámos no mês
do Carnaval. E ainda, se a consciência tranquila se ri das mentiras da fama, o
que é certo e verdade é que mesmo a mentira mais complicada é mais simples que
a verdade, tendo também em conta que um silêncio pode por vezes ser a mais
cruel das mentiras.
A mentira é pois um componente
que faz parte da vida de alguns políticos e, com as raras exceções de sempre,
tal conceito já se incorporou na definição que o povo faz dos seus
representantes, mas que ele mesmo se encarrega de lhes dar um mandato.
Recordam-se que Richard Nixon teve de renunciar à presidência americana porque
mentiu sobre Watergate? Tentou obstruir o trabalho de investigação e negou sua
responsabilidade na invasão do edifício Watergate, em Washington. Pois é, já Platão,
o filósofo da Grécia Antiga, comparou a aplicação do uso autorizado da mentira,
em política, ao uso que o médico faz da sonegação da verdade e do veneno com
finalidade curativa.
O povo diz que atrás de mentira, mentira vem; e já
Aristóteles afirmava que a vantagem que
têm os mentirosos é a de não serem acreditados quando dizem a verdade.
Aguardemos então a próxima
campanha eleitoral para as autárquicas no nosso País. Estejamos atentos às
mentiras que ao longo dos tempos nos foram insufladas. Mas também na reflexão
das mentiras para um promissor futuro. O melhor candidato será, obviamente, o
que menos mentir, ou, então, o que melhor mentir.
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