31 de janeiro de 2019

CASEGAS, ONDE NÃO NASCI MAS VIVI DE TENRA IDADE


Foi com muito prazer que li as duas páginas de memórias do professor doutor Arnaldo Saraiva, no número de 10 de janeiro do Jornal do Fundão, sob o título “A imponente igreja de Casegas e a sua desconhecida história”.
É que me levou a uma situação nostálgica, ainda que tivesse há uns anos atrás passado várias vezes por esta bonita freguesia do concelho da Covilhã, em serviço profissional, conhecendo então algumas das simpáticas gentes caseguenses, para além de se terem gerado amizades.
Há 72 anos vivi nessa freguesia durante dois anos, por força do magistério primário então exercido por meu pai, José Martins Nunes (hoje teria 107 anos), natural de Bogas de Baixo, que ali fora colocado no ano letivo de 1945/1946, onde esteve três anos seguidos no 2.º lugar masculino, então recentemente criado. No 1.º e 3.º anos lecionou a 1ª e 3ª classes, e no 2.º ano a 2ª e 4ª classes, tendo todos os alunos por ele propostos a exame ficado aprovados.
Extraio das memórias que deixou escritas, alguns apontamentos sobre Casegas: “E tenho como recordação do meu trabalho em Casegas o facto de terem sido meus alunos três padres: José Gaspar Pires, António Costa e Silva, que são jesuítas e José de Almeida Geraldes que é secular e se encontra a trabalhar no Centro Cultural da Covilhã”. O Cónego Geraldes foi ainda diretor do Notícias da Covilhã até ao seu falecimento.
Recorrendo agora ao livro do amigo caseguense, licendiado Sérgio Gaspar Saraiva, sob o título “CASEGAS, Minha Terra, Minha Gente”, não pude deixar de me reportar a extratos das memórias de meu pai, estas relativas a um passeio que lhe proporcionei a Casegas, no dia 22 de maio de 1983: “Casegas, terra de gratas recordações onde estive durante três anos letivos a exercer o magistério primário, e onde já tinha ido depois disso. A primeira vez, à festa da celebração da primeira missa do meu antigo aluno, padre José de Almeida Geraldes, e a segunda vez, também à festa da celebração da primeira missa (lá) do meu antigo aluno José Gaspar Pires, que é jesuíta. Ao chegar lá dirigi-me à linda e rica igreja paroquial para visitar o nosso maior Amigo e Benfeitor e também o pároco padre António Nicolau Lopes, o qual não consegui encontrar, e por isso não o vi. Fomos ver o exterior da antiga Capela das Almas, hoje parece que é considerada monumento nacional; e a frente da casa onde residi durante os três anos que lá trabalhei e o exterior da minha antiga sala de aula – a escola. Recordei quem depois das aulas dava pequenos passeios com os nossos primeiros dois filhos que eram pequeninos e levava pela mão e íamos à igreja e à ribeira e nesta eles, Rita Fátima e João, brincavam atirando miolinhos e pedrinhas para os peixinhos virem ao cimo da água”.
Ainda sobre o interessante livro de Sérgio Gaspar Saraiva, nas págs. 53 e 54 – “As Couvadas” – levou-me a recordar em 23/12/2005, num periódico desta região, um texto que escrevi sob o título “As Certezas deste Natal”, então a parte inicial sobre Casegas: “Uma ‘couvada’, em Casegas, reuniu cerca de setenta convidados, no dia 16, onde César, e o filho, fortaleceram amizades num ambiente de tradição natalícia. No lagar, junto ao rio, numa noite gélida, uma grande panela, repleta de couves, bacalhau e batatas, tudo bem regado com azeite, aquecia nossas almas, onde não faltou bom vinho, chouriça e outras coisas mais. Aumentaram os amigos. Afinal, quem redige estas linhas, carcalhense por nascimento, poderia ter as suas origens em Casegas. O professor Octávio, e a mulher, Mariana; o padre Nicolau, o Zeca Craveiro e a mulher, professora Agostinha, ainda sugeriram aos progenitores do meu irmão para ele ali nascer. Vivíamos junto ao cruzeiro e o pai dava aulas na primária. Não querendo ali ficar, lá foi a bagagem no dorso de uma égua; e a família num carro de bois, atravessando a ribeira até ao Ourondo, onde pernoitaram em casa de familiares; depois foi tomar a camioneta para Aldeia do Carvalho. Como eram as acessibilidades e os tempos de outrora!... para já não falar das dificuldades de outra natureza, com a escassez de recursos materiais e financeiros, no final da II Grande Guerra!”.

(In "Jornal do Fundão", de 31.01.2019)

23 de janeiro de 2019

LIBERDADE DE EXPRESSÃO (II)


Em junho de 2006 tive o ensejo de me referir a este assunto numa publicação. As oportunidades de se sublinhar este tema têm vindo de novo a surgir. Nos media e nas redes sociais, tais têm acontecido. Entre outras, recordo em 2015 a grande manifestação em Paris (domingo, 11 de janeiro) com mais de um milhão de pessoas, de vários países, que ali desfilaram, incluindo 50 chefes de Estado de todo o mundo, sob o massacre do Charlie Hebdo, atentado terrorista que atingiu o jornal satírico francês, com aquele nome, ocorrido no dia 7 daquele mês e ano. O mundo tremeu, mas, sem medo, a França reagiu contra os homens do diabolismo e eliminou-os. Estava em jogo a liberdade de expressão e o forte combate ao terrorismo.
Tem sido tema corrente o caso do debate que se criou em torno do convite da TVI a Mário Machado, um indivíduo sinistro, praticante e defensor da violência racista. Das longas e inflamadas discussões públicas a propósito desta entrevista é preocupante o que dizem alguns dos autoproclamados defensores do regime democrático. Os que defendem que todos têm direito a expressar-se, mesmo os criminosos, fascistas, homofóbicos e racistas.
É bom recordar o artigo 46.º da Constituição da República Portuguesa, que, no seu ponto quatro refere o seguinte: “Não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares fora do Estado ou das Forças Armadas, nem organizações que perfilhem a ideologia fascista.”
A TVI ao ceder os seus écrans a Mário Machado ultrapassou aquele risco que nos indica o limite da tolerância em relação ao pluralismo e à liberdade de opiniões. Conforme escreve Manuel Carvalho num seu editorial do Público, “Mário Machado tem direito à saudade do salazarismo e, desde que se abstenha de fazer a apologia da violência ou da violação da lei, pode defender a sua sinistra opinião. Mas uma televisão que professa a responsabilidade de informar e os princípios que dão forma a uma sociedade aberta e democrática não lhe deve dar palco a pretexto da liberdade de expressão para que possa amplificar o seu reles exemplo”.
O que é certo e verdade é que, face à inexistência de um perigo extremista imediato em Portugal, alguns jornalistas e políticos parecem empenhar-se para que apareça.
E não foi apenas a TVI a única a cometer este erro mas também todos aqueles que vierem defender que figuras como o referido Mário Machado podem e devem ter voz. Os arautos da liberdade de expressão certamente se esqueceram dos tempos em que a não havia.
O criminoso condenado por atos de violência e racismo apresentado num programa televisivo de grande audiência, não pode ser visto como um exercício de liberdade de expressão, como se esta não tivesse fronteiras de decência e sensatez.
De facto, o ano de 2019 começou de forma insólita com o convite da TVI a este criminoso fascista, no dia 3 da janeiro, para discutir “a necessidade de um novo Salazar” com os ouvintes e animadores do programa, passando-se então a falar bastante de liberdade de expressão.
A causa deste grande erro foi a cultura do vale tudo em nome das audiências. Não se tratou de escolher entre liberdade de expressão e censura, mas entre a democracia e o ódio racial. Numa sociedade decente, o direito à dignidade está acima ao direito à liberdade de violentar. Esta é a baliza ética do limite da liberdade de expressão.
Recordemos o passado sobre a liberdade de expressão. Terá esta começado com o ilustre filósofo ateniense do período clássico da Grécia Antiga, Sócrates (469 a.C. a 399 a.C.)? Mas também uma referência à fundação da liberdade de expressão em Inglaterra surge, já depois de Cristo, uma data – 1215, aquando da assinatura da Magna Carta, por imposição de nobres rebeldes ao rei D. João. Três séculos depois, em 1516, Erasmo de Roterdão escreve “A Educação de um Príncipe Perfeito” em que referia: “Num estado livre, também as línguas devem ser livres”.
Entre outras abordagens, em 1644, o poeta John Milton escreve o panfleto “Aeropagítica”, onde argumenta contra restrições à liberdade de imprensa, e assim refere: “O que destrói um bom livro, mata a própria razão”. Em 1689, na Grã-Bretanha, Jaime II é derrubado e a Declaração de Direitos concede “liberdade de expressão no Parlamento”.
Em 1770, uma carta de Voltaire a um sacerdote dizia: “Detesto o que o senhor escreve, mas daria a minha vida para tornar possível que continuasse a escrever”. Em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem, documento fundamental da Revolução Francesa, consagra a liberdade de expressão. Em 1791, a Primeira Emenda da Declaração de Direitos dos Estados Unidos da América garante quatro liberdades: de religião, expressão, imprensa e reunião.
Muito mais haveria para dizer sobre a liberdade de expressão, mas terminamos com a aprovação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, pela qual os países membros ficam obrigados a promover os direitos humanos, cívicos, económicos e sociais, incluindo as liberdades de expressão e religião.

(In "Notícias da Covilhã", de 24/01/2019)


15 de janeiro de 2019

MAS… O ANO 2019

Entramos em 2019 com esta conjunção adversativa, que também pode ser um advérbio e até um substantivo masculino.
Estranho, mas estranho mesmo, é termos no nosso Parlamento um partido político que em vez de se preocupar com o que é mais importante no país, levanta o véu do seu (des)contentamento com algumas “vozes de burro que não chegam ao céu” censurando os termos linguísticos, culturais e populares porque, mesmo no novo ano se há-de continuar a “atirar o pau ao gato” nas canções infantis, e aquele senhor das ideias PANtásticas vai mesmo que “tirar o cavalinho da chuva”…
Mas é certo que o primeiro Ministro e seus arautos, não querendo “fazer figura de urso” lá vão cedendo à geringonça já que a oposição se tem visto forçada a “engolir alguns sapos”.
Naquele círculo, por vezes até nos parece ver andar por ali alguns “feitos baratas tontas”, e como de “gato escaldado de água fria tem medo” é preciso ronha para “verter lágrimas de crocodilo”, para encontrar uma solução, algumas vezes, mas mesmo algumas vezes, tendo que “agarrar o touro pelos cornos”, para se descobrir na peta de que “a galinha da minha vizinha é melhor que a minha”. Como tudo na vida, “os cães ladram e a caravana passa”, e, assim, até prefiro alimentar “um burro a pão-de-ló” do que ouvir estes PANfanáticos, pelo que vou continuar a “pisar o rabo ao gato” enquanto a “porca torce o rabo”.
Já que “a pensar morreu um burro”, e, como fico com “a pulga atrás da orelha”, sim, essa “pulga maldita que ou chora ou grita”, vou estar atento a este 2019.
Disse um dia Júlio Isidro: “Não sejamos imbecis. Não sejamos demasiado tolerantes. Não sejamos sofredores calados. A humanidade só melhora com a ação de cada um dos humanos”.
Mas, (lá está outra vez o incómodo mas), estamos a caminho de 45 anos de passagem de um grande sonho que se chamou Abril. Passaram mais de quatro décadas e de súbito os portugueses ficaram a saber, em pasmo, que são responsáveis de uma crise e que têm de a pagar. Disse-se então que as classes médias estavam a viver acima da média. E, de repente, verificou-se que todos os países estão a dever dinheiro uns aos outros… a dívida soberana havia entrado no nosso vocabulário e passaria a invadir o dia a dia. Mas é que os homens nascem com direito à felicidade e não apenas à estrita e restrita sobrevivência.
Os idosos, confusos, repartem o dinheiro entre os medicamentos e a alimentação. E ainda continuam a dar para ajudar os filhos e netos num exercício de gestão impossível. Muitas instituições de solidariedade, e a Igreja, na Caridade, fazem diariamente o milagre da multiplicação dos pães.
Parecem fake news, mas não o são: morrem mais velhos em solidão, suicidam-se mais pessoas, mata-se mais dentro de casa, com maridos, mulheres e filhos a mancharem-se de sangue; muitos dos sem abrigo têm cursos superiores (até na Covilhã isso se verifica) e milhares de licenciados estão desempregados, apesar do índice de desemprego ter baixado duma forma fulgente. Mas continuam a haver os meninos que têm de ir à escola nas férias para ter pequeno almoço e almoço, e, quando tal não acontece, por impossibilidade, lá terão que as instituições de solidariedade se substituir ao Estado.
Mas também há terras do interior sem centros de saúde, correios, finanças, ou tribunais, ou que lhes foram retirados; no entanto, os festivais de verão estão cheios com bilhetes de centenas de euros.
Bom, e neste 2019, os romances de ajustes de contas entre políticos e ex-políticos, banqueiros ou amigos dos banqueiros, vão continuar a acabar em bem-estar… “penso eu de que…”
Com o novo modelo apresentado pelo partido não vencedor das últimas eleições mas que encontrou no seio democrático uma forma de fazer sair o país da afronta em que, mais uma vez, caímos (não foi para estes sustos que foi feito o 25 de Abril), e com um Presidente da República à altura da sua missão, contrastando com o desditoso seu antecessor, Portugal começou a respirar de algum alívio.
Mas o ano 2019 é considerado por muitos um ano perigoso, mesmo neste pacato país, onde o rastilho anda por aí, pois uma iniciativa política mal gerida pode acendê-lo. A desigualdade extrema é incompatível com o bom funcionamento da democracia.
Portugal tem vivido nos últimos anos num clima de relativa serenidade devido à política de devolução de rendimentos do Governo do PS, com a pobreza, apesar do que já foi referido, a diminuir e os indicadores de confiança a subir.
A percentagem de portugueses que confiam no Governo, segundo o Portal de Opinião Pública da Fundação Francisco Manuel dos Santos aumento de 15% em novembro de 2015 para 55% em março de 2018. A taxa de pobreza é atualmente de 18,3%, o que constitui uma melhoria face a anos anteriores, mas é ainda superior ao período antes da crise. Mais de 10% dos trabalhadores são pobres em Portugal. E somos um dos países mais desiguais da União Europeia.
Mário Centeno, nosso ministro das Finanças e simultaneamente ministro das Finanças da União Europeia, foi considerado o melhor ministro das Finanças do ano na Europa, para o Financial Times.
Em 2019 vamos ter eleições europeias em maio e legislativas em outubro. Será, portanto, um ano de debate democrático.
Esperemos que os receios para este ano se transformem em ambiente de paz, compreensão e responsabilidade para todos nós portugueses e também europeus.

(In "Jornal fórum Covilhã", de 15-01-2019)

9 de janeiro de 2019

UM HOMEM, UMA MISSÃO


Conheci o padre Fernando bastante novo, após ter sido ordenado no dia 2 de agosto de 1959. Mas o saber quem de facto ele era foi em setembro desse ano, quando o bispo da Diocese o colocou na Covilhã, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, como coadjutor, aquela que hoje se encontra a paroquiar.
Na minha adolescência não percebia como este homem, humilde, numa inquietude com todo o mundo que o rodeava, procurava na dinâmica, que então não existia, a mudança de comportamentos, quando se vivia a perseguição política dos tempos da ditadura.
Tendo-lhe sido confiada a assistência diocesana aos movimentos operários (JOC e mais tarde a LOC), foi uma autêntica doação a esta causa durante 35 anos. Desde logo os jovens e os operários tinham no padre Fernando a ajuda pronta para o encontro de uma solução pacífica, que lhe valera grandes preocupações com a sua defesa face à perseguição política de então.
O Centro Cultural e Social da Covilhã abriu, entretanto, as suas portas e para ali se instalou a redação e tipografia do Notícias da Covilhã (NC), de que era diretor o pároco, padre José de Andrade.
É também aqui que o padre Fernando Brito dos Santos vai encontrar o seu pouso, até aos dias de hoje, numa constante dinâmica nas tarefas que lhe foram, entretanto, confiadas, já lá vão seis décadas.
Para além da sua excessiva humildade é adverso a qualquer homenagem que lhe queiram prestar, ainda que na mesma se veja forçado a estar presente. Assim aconteceu em 17-11-2001, quando os antigos e atuais elementos dos movimentos operários o homenagearam no Tortosendo, na sua substituição pelo novo assistente.
É no anonimato que sempre desempenhou e desempenha a sua ação em prol dos desprotegidos, fugindo aos projetos mediáticos que trazem notoriedade, tendo sido bastante sacrificado financeiramente com a situação que então existiu com o NC. Mesmo com a sua saúde abalada, já depois de ter sido operado ao coração, persiste em trabalhar.
É uma personalidade multifacetada, pois para além do já referido, foi professor de Moral nas Escolas Frei Heitor Pinto e Secundária Campos Melo, tendo-se dedicado com grande alma ao jornalismo. Em 1982 fez formação nesta área na Universidade Católica; foi chefe de redação do NC de 1979 a 1989, e, a partir desta data, acumulou com o cargo de diretor adjunto até ao falecimento do diretor, padre José Geraldes, que o substituiria como diretor até ser recentemente substituído pelo atual.
Foi um dos fundadores do Banco Alimentar. Em 02.08.2009 a paróquia fez-lhe uma sentida homenagem na comemoração das suas Bodas de Ouro Sacerdotais.
Em 12-10-2012 foi-lhe atribuída pela Câmara Municipal da Covilhã a Medalha de Mérito Municipal, categoria ouro, nas comemorações do 142.º Aniversário da elevação da Covilhã a Cidade. Em 02-12-2012 foi nomeado Cónego pelo bispo da Guarda, D. Manuel Felício.
Muito mais haveria a dizer deste homem da simplicidade e humildade, da cultura e protetor dos desprotegidos, mas o espaço não o permite.
João de Jesus Nunes

(In "Notícias da Covilhã", de  09-01-2019)