Em
junho de 2006 tive o ensejo de me referir a este assunto numa publicação. As oportunidades
de se sublinhar este tema têm vindo de novo a surgir. Nos media e nas redes
sociais, tais têm acontecido. Entre outras, recordo em 2015 a grande
manifestação em Paris (domingo, 11 de janeiro) com mais de um milhão de
pessoas, de vários países, que ali desfilaram, incluindo 50 chefes de Estado de
todo o mundo, sob o massacre do Charlie
Hebdo, atentado terrorista que atingiu o jornal satírico francês, com
aquele nome, ocorrido no dia 7 daquele mês e ano. O mundo tremeu, mas, sem
medo, a França reagiu contra os homens do diabolismo e eliminou-os. Estava em
jogo a liberdade de expressão e o forte combate ao terrorismo.
Tem
sido tema corrente o caso do debate que se criou em torno do convite da TVI a
Mário Machado, um indivíduo sinistro, praticante e defensor da violência
racista. Das longas e inflamadas discussões públicas a propósito desta
entrevista é preocupante o que dizem alguns dos autoproclamados defensores do
regime democrático. Os que defendem que todos têm direito a expressar-se, mesmo
os criminosos, fascistas, homofóbicos e racistas.
É
bom recordar o artigo 46.º da Constituição da República Portuguesa, que, no seu
ponto quatro refere o seguinte: “Não são consentidas associações armadas nem de
tipo militar, militarizadas ou paramilitares fora do Estado ou das Forças
Armadas, nem organizações que perfilhem a ideologia fascista.”
A
TVI ao ceder os seus écrans a Mário Machado ultrapassou aquele risco que nos
indica o limite da tolerância em relação ao pluralismo e à liberdade de
opiniões. Conforme escreve Manuel Carvalho num seu editorial do Público, “Mário Machado tem direito à
saudade do salazarismo e, desde que se abstenha de fazer a apologia da
violência ou da violação da lei, pode defender a sua sinistra opinião. Mas uma
televisão que professa a responsabilidade de informar e os princípios que dão
forma a uma sociedade aberta e democrática não lhe deve dar palco a pretexto da
liberdade de expressão para que possa amplificar o seu reles exemplo”.
O
que é certo e verdade é que, face à inexistência de um perigo extremista
imediato em Portugal, alguns jornalistas e políticos parecem empenhar-se para
que apareça.
E
não foi apenas a TVI a única a cometer este erro mas também todos aqueles que
vierem defender que figuras como o referido Mário Machado podem e devem ter
voz. Os arautos da liberdade de expressão certamente se esqueceram dos tempos em
que a não havia.
O
criminoso condenado por atos de violência e racismo apresentado num programa
televisivo de grande audiência, não pode ser visto como um exercício de
liberdade de expressão, como se esta não tivesse fronteiras de decência e
sensatez.
De
facto, o ano de 2019 começou de forma insólita com o convite da TVI a este
criminoso fascista, no dia 3 da janeiro, para discutir “a necessidade de um
novo Salazar” com os ouvintes e animadores do programa, passando-se então a
falar bastante de liberdade de expressão.
A
causa deste grande erro foi a cultura do vale tudo em nome das audiências. Não
se tratou de escolher entre liberdade de expressão e censura, mas entre a
democracia e o ódio racial. Numa sociedade decente, o direito à dignidade está
acima ao direito à liberdade de violentar. Esta é a baliza ética do limite da
liberdade de expressão.
Recordemos
o passado sobre a liberdade de expressão. Terá esta começado com o ilustre
filósofo ateniense do período clássico da Grécia Antiga, Sócrates (469 a.C. a
399 a.C.)? Mas também uma referência à fundação da liberdade de expressão em
Inglaterra surge, já depois de Cristo, uma data – 1215, aquando da assinatura
da Magna Carta, por imposição de nobres rebeldes ao rei D. João. Três séculos
depois, em 1516, Erasmo de Roterdão escreve “A Educação de um Príncipe
Perfeito” em que referia: “Num estado livre, também as línguas devem ser
livres”.
Entre
outras abordagens, em 1644, o poeta John Milton escreve o panfleto “Aeropagítica”, onde argumenta contra
restrições à liberdade de imprensa, e assim refere: “O que destrói um bom
livro, mata a própria razão”. Em 1689, na Grã-Bretanha, Jaime II é derrubado e
a Declaração de Direitos concede “liberdade de expressão no Parlamento”.
Em
1770, uma carta de Voltaire a um sacerdote dizia: “Detesto o que o senhor
escreve, mas daria a minha vida para tornar possível que continuasse a
escrever”. Em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem, documento fundamental
da Revolução Francesa, consagra a liberdade de expressão. Em 1791, a Primeira
Emenda da Declaração de Direitos dos Estados Unidos da América garante quatro
liberdades: de religião, expressão, imprensa e reunião.
Muito
mais haveria para dizer sobre a liberdade de expressão, mas terminamos com a
aprovação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, pela
Assembleia Geral das Nações Unidas, pela qual os países membros ficam obrigados
a promover os direitos humanos, cívicos, económicos e sociais, incluindo as
liberdades de expressão e religião.
(In "Notícias da Covilhã", de 24/01/2019)
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