12 de fevereiro de 2019

O MUNDO D´HOJE PARECE UM PAGODE


Por vezes falta-nos a inspiração. Mas o bichinho da escrita perdura. Escrever não é fácil. Como disse o escritor francês Olivier Rolin, “escrever é fazer com que o tempo que conhecemos não morra”. Aí está. Então eu continuo a escrever.
Entre o sonho e a realidade vai uma distância. Só cada um a pode quantificar. Em 17 de outubro do ano transato foram divulgados os dados a propósito do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Na altura de comparar os países em matéria de pobreza e exclusão social, Portugal surge em 11º. Lugar. Consta de uma lista de 26 Estados para os quais estão disponíveis dados relativos a 2017. Ou seja, cerca de um quarto da população portuguesa (23,3%) está “em risco de pobreza ou exclusão”. Na União Europeia (UE) a percentagem média de pessoas nessa situação é de 22,5%. Ainda que a UE, como um todo, e Portugal, em particular, tenham menos pessoas em risco do que em 2008. Mas, no entanto, há em Portugal 3000 sem-abrigo. Estamos no século XXI.
Na lamentável prática da pedofilia, por todo o mundo, não basta pedir desculpa. A divulgação de mais casos de abuso sexual de menores na Igreja Católica, com a informação de que a hierarquia encobriu os abusos, surgem os obrigatórios pedidos de desculpa. Assim aconteceu nas dioceses da Pensilvânia, nos EUA, na qual mais de 300 padres foram acusados de crimes praticados contra mais de um milhar de vítimas, ou em Washington, que levou à demissão de um arcebispo. E também em Boston, no Chile, na Irlanda, etc. O Papa Francisco reforçou ainda mais esse pedido de desculpas. Escreveu uma carta na qual admitiu “vergonha e arrependimento”. E o mesmo acrescenta que “nunca será suficiente o que se fizer para pedir perdão e procurar reparar o dano causado”. E o escândalo nunca se aproximara tanto da hierarquia católica, ao surgir a condenação do cardeal George Pell, condenado por abusos sexuais na Austrália em 2018, o homem que era o terceiro na hierarquia da Igreja Católica, responsável pelas finanças da Santa Sé. Foi afastado do Conselho de Cardeais pelo Papa e neste ano enfrenta outro julgamento por crimes idênticos.
Estes homens parece não sentirem qualquer bafejo de revolta dos seus semelhantes e quase que vivem num autêntico pagode.
Que dizer então, noutra vertente, onde cabe melhor o pagode, a manifestação na Dinamarca, ocorrida no verão passado, contra a lei que proíbe o véu islâmico? Centenas de dinamarquesas, algumas de niqab (lenço muçulmano), outras de burqa, que as cobria por completo, juntaram-se em Copenhaga para protestar contra a entrada em vigor da nova lei que proíbe o uso do véu que cubra o rosto. Acusaram o Governo de violar o direito de as mulheres vestirem o que quiserem.
Continuando na UE temos a crise dos três M: May, Macron e Merkel, líderes das três grandes potências da União Europeia. Estão em apuros. A poucos meses das eleições para o Parlamento Europeu, florescem populismos e nacionalismos pela Europa, com a primeira-ministra do Reino Unido, o presidente de França e a chanceler da Alemanha a enfrentarem crises internas que enfraquecem a sua liderança e, por arrastamento, o processo de integração da U.E. A primeira tem para resolver o dossiê do Brexit. O segundo chegou ao poder com intenções de reformas centristas e a sociedade civil obrigou-o a recuar. A terceira, que durante a crise da Constituição Europeia e da zona euro foi a líder de ferro que manteve unidos os europeus, perdeu os alemães ao deixar entrar, de forma desordenada, mais de um milhão de refugiados no país. Theresa May, de 62 anos, sucedeu a David Cameron após a vitória do Brexit. Emmanuel Macron tem 41 anos e é o presidente francês mais jovem de sempre.
O Ocidente está em decadência mas o declínio da UE não é inevitável. Há 30 anos, a entrada na “Europa” representava para os portugueses a liberdade, a abertura cultural, a democracia, a prosperidade. A Europa atual está esquecida das suas antigas promessas de paz e solidariedade. É uma Europa que parece não saber o que quer nem para onde vai. Ao ponto a que chegou o pagode. A Europa enfrenta uma crise migratória alimentada por discursos de ódio. A Europa está rodeada de crises e passou a ser ela própria a crise.
E, assim, com a crise dos três pilares que sustentam a UE vamos assistindo ao pagode. O “Brexit” e Trump são duas faces da mesma moeda. Segundo Vasco Pulido Valente, in Público, “O ‘Brexit’ é o resultado de uma conspiração de Putin, que envolve, pelo menos, o Facebook e a Cambridge Analytica, e também uma inexplicável loucura da aristocracia inglesa”.
Num manifesto de 30 patriotas europeus é referido o seguinte: “Hoje, com urgência, temos de fazer soar o alarme contra os incendiários de almas e espíritos que, de Paris a Roma, passando por Barcelona, Budapeste, Dresden, Viena ou Varsóvia, brincam com o fogo das nossas liberdades”.
Já não vamos falar muito no triste caso da situação da Venezuela, que corre suas desgraças face ao ditador Nicolás Maduro. No momento em que concluo este texto, passa no meu computador a informação do JN online, direto, de que Portugal reconhece e apoia legitimidade de Guiadó: “Augusto Santos Silva confirmou, esta segunda-feira (04-12-2019), que Portugal reconhece Guaidó como presidente interino da Venezuela, apelando a eleições presidenciais.” A Venezuela vive um impasse político que só pode ser resolvido com uma transição pacífica. Não pode ser confrontação interna nem intervenção externa. Deve ser com eleições presidenciais. Mas aproveitamos para uma boa notícia: construção de pontes entre Portugal e o Japão. O Acordo de Parceria Económica entre a União Europeia e o Japão vai proporcionar um impulso económico vital tanto à UE como a Portugal.


(In "Jornal fórum Covilhã", de 12-02-2019)

Sem comentários: