9 de abril de 2019

O 25 DE ABRIL – QUANDO O JORNALISMO SAIU À RUA


No próximo dia 21 inicia-se a Páscoa para, na mesma semana, encontrarmos uma data marcante nas vidas de todos nós, mesmo daqueles que não passaram pelos satânicos tempos da ditadura.
Inolvidável para quem sofreu na pele ou no sacrifício diário de ter de penar para manter um emprego de salários miseráveis (que se lembrem os da função pública de então), de comer e calar, suportar as situações de uma neurose ao não se poder expressar livremente.
Dos jornalistas, dos comentadores, dos cronistas, os seus textos não eram publicados sem a aprovação dos censores.
Foi quase meio século de um assassino lápis azul, que obrigava muitos jornalistas a um relato insípido, de metáforas e eufemismos.
Tudo era proibido, tudo era tabu. Se havia alguns mais criativos arriscavam-se nas entrelinhas.
Era até ridículo o que não podia revelar-se. Fake news já existiam nesse tempo, ainda que muito bem dissimuladas, mormente durante a guerra colonial. Este neologismo de notícias falsas que hoje é usado para referir notícias fabricadas, passava por vezes pelo que acontecia, e como aconteciam as mortes dos combatentes das guerras nas colónias, sempre numa perspetiva de evitar maiores responsabilidades dos governantes deste país então desgraçado.
E isso não evitou que o primeiro dia do fim do império surgisse em 15 de março de 1961, em Angola, com bandos armados da UPA a destruírem fazendas e vilas e a assassinarem dois mil colonos portugueses. Foi o início de uma tragédia imensa, que abriu caminho para 14 anos de guerra. A Índia já havia caído. E era preciso defender África.
Mas dizer a verdade era assumir que no país havia descontentamento social, era pôr em causa o regime.
Recordemos um caso curioso, para fugir à censura, o que relatou o jornal República, naquela segunda-feira de 18 de março de 1974, aproveitando a derrota do F. C. Porto na sua deslocação ao Estádio de Alvalade para, de uma forma brilhante, iludir a censura prévia e comentar a revolta das Caldas da Rainha.
Sporting 2, Porto, 0. Os muitos nortenhos que no fim de semana avançaram até Lisboa, sonhando com a vitória, acabaram por retirar, desiludidos pela derrota. O adversário da capital, mais bem organizado e apetrechado (sobretudo bem informado de sua estratégia), contando ainda com uma assistência fiel, fez abortar os intentos dos homens do Norte. Mas, parafraseando o que em tempos dissera um astuto comandante, ‘perdeu-se uma batalha mas não se perdeu a guerra…’”.
O que é certo e verdade é que dez dias depois, em 28 de março de 1974, foi a última “Conversa em Família” de Marcelo Caetano, na RTP.
Mas, felizmente, no dia 24 de abril de 1974, às 22 horas e 55 minutos, os Emissores Associados de Lisboa transmitiam a canção “E Depois do Adeus”, de Paulo de Carvalho, primeiro sinal do Movimento das Forças Armadas (MFA), confirmando que tudo corria bem e se iniciava, assim, uma nova era com o derrube do Governo e da ditadura, no dia seguinte, 25 de Abril de 1974.
Como terá sido a transição para a livre expressão? Como foi fazer jornalismo com liberdade, pela primeira vez? E poder dar gritos de repugnância pela Censura e Exame Prévio?
O que é certo é que a tiragem de jornais disparou. Mas, dado o hábito, dizem alguns jornalistas desse tempo, mormente do República, Diário de Lisboa e Jornal de Notícias, que não foi fácil, nos primeiros tempos, escrever sem a barreira da censura. Foi um tempo quase de aprendizagem e de excessos.
Mas já o primeiro texto sem censura do jornalista Fernando Correia foi escrito na cadeia de Caxias, dias antes de ser libertado. Tinha sido detido pela PIDE a 18 de abril de 1974. Como se sabe, os presos de Caxias só poucos dias depois foram libertados. O derrube do fascismo estava praticamente consumados mas os presos de Caxias, apesar de já estarem informados do êxito do golpe, permaneciam ainda encarcerados.
O mês de abril de 1974, já lá vão 45 anos, apanhou o alferes miliciano Ribeiro Cardoso longe de casa. Havia sido mobilizado para Moçambique e colocado em Lourenço Marques. Diz que nessa altura só escrevia para a família – e quanto a jornais, apenas era visita regular da delegação do Notícias da Beira. Porém, de repente, com o ar da liberdade voltou ao ativo, começando de imediato a ser correspondente anónimo (não assinava, pois, era militar…) do Diário de Lisboa. Realça que era uma “coisa” estranha mas excitante: escrevia no quartel, à mão e à pressa, e ia a correr aos CTT, onde numa operadora batia o texto no telex, com ele ao lado a “traduzir” os seus gatafunhos. Era uma sensação fantástica pressentir que dali a pouco tempo os seus textos, livres como a gaivota da canção, circulariam por Lisboa dando conta de uma realidade distante e desconhecida.
E hoje, como vai o jornalismo, nesta senda de falsas notícias e o pós-verdade, onde os verdadeiros profissionais desta nobre atividade tantas vezes se sentem defraudados pela incompreensão dos tribunais? Entre excessos e realidades. Entre o que “hoje é verdade e amanhã é mentira”.

(In "Jornal fórum Covilhã", de 09-04-2019)

Sem comentários: