Da Covilhã medieval, fabricante de burel, à Covilhã de hoje, produtora
dos mais finos tecidos de lã, há uma obra admirável, cimentada por sucessivas
gerações de gente laboriosa e empreendedora. Pensamos que em Portugal não há outra
indústria que possa competir em antiguidade como a de lanifícios. O visitante, na
sua deslocação à Serra da Estrela, tem como porta principal a Covilhã, onde
pode apreciar a cozinha regional e deliciar-se com a sua paisagem, através dos
vários miradouros.
O escritor Ferreira de Castro contribuiu com a sua obra – “A Lã e a Neve”
–, para a história da indústria têxtil, pelos relatos e descrições da laboração
nas fábricas da Covilhã. Ele observou o caráter dissemelhante da sociedade
urbana e da sociedade rural, no que diz respeito à introdução das inovações, as
quais chegaram primeiro à cidade do que à vila ou aldeia.
Gilberto Freire, no seu livro “Aventura e Rotina”, refere que
atravessando a Serra da Estrela se lembra, guloso como era, que “é daqui o
leite de que se faz o queijo chamado da Serra. Que na Serra da Estrela há
séculos que o homem cria ovelhas dentro da mesma doce rotina. Não só ovelhas
como as menos poéticas, mas igualmente úteis e boas cabras que também dão leite”.
Já o “Notícias da Covilhã” (NC) de 24-10-1980, sobre o queijo da serra em
que o caráter artesanal do seu fabrico é garantia da sua boa (e tradicional)
qualidade, referia a terminar o texto: “Rendemos homenagem aos pastores e às
pastoras que na Serra suportam o frio, o vento e a neve, para que nas casas
aquecidas da Beira, do País e até do estrangeiro, seja saboreado o queijo”.
Podíamos ainda falar do Pastor da Serra, na opinião de L. de Mendonça e
Costa (1849-1922), no seu Manual do Viajante em Portugal: “O pastor da Estrela,
tipo ético admirável de resistência física, é, porventura, o direto
representante dos antigos lusitanos. Isolado de todo o convívio humano, tem por
únicos companheiros o cão e o gado, para os meses de estio, pelas cristas das
montanhas, ou no fundo dos vales”.
Mas já José Domingos, da Lusa, no NC de 11-09-1987, referindo-se então ao
Parque Nacional da Serra da Estrela, que ainda é o maior, dizia: “Montanhas
graníticas, vales cortados por glaciares, castelos, história e o homem
constituem o Parque Natural da Serra da Estrela, o maior existente em Portugal.
Cerca de 98 mil hectares de área dispersa pelos concelhos da Guarda, Manteigas,
Seia, Gouveia, Celorico da Beira, Covilhã e Oliveira do Hospital constituem
este parque natural. As montanhas variam aqui entre os 650 e os 2000 metros de
altitude, num sucedâneo de vales e covões, cortados por cursos de água que
formam o maior centro hidrológico do País. Porém, são o Mondego, Zêzere e Alva
que mais condicionam a vida das gentes serranas, sendo os principais rios que
descem as montanhas, cuja constituição varia entre o granito e o xisto.”
Muitas memórias serranas podiam, e deviam ser referidas, mas o espaço é
curto. Deliciem-se, por exemplo, com a descrição da Serra da Estrela, por
Ferreira de Castro, no seu livro “A Lã e a Neve”: “Belo monstro de xisto e de
granito, com terra a encher-lhe os ocos do esqueleto, ondula sempre:
contorce-se aqui, alteia-se acolá, abaixa-se mais adiante, para se altear de
novo, num bote de serpente que quisesse morder o Sol”.
Mas também na descrição dos relatórios da “Expedição Científica à Serra
da Estrela”, pela Sociedade de Geografia de Lisboa, realizada em agosto de
1881: “Se de dia e a distância ninguém observa os Cântaros pela primeira vez
sem sentir vertigens e o coração comprimido, imagine-se o que nós sentiríamos
às 10 da noite ao vermo-nos presos no cume do Cântaro Gordo, rochedo de 413
metros de altura sobre a ribeira da Candeeira, eriçado de fragões escuros, no
meio de profundos covões formado por outros fraguedos e despenhadeiros igualmente
sinistros e medonhos. Aqui, onde a natureza é horrivelmente majestosa e grande,
ninguém deixará de se sentir infinitamente pequeno.”
A Serra da Estrela sempre foi um lugar de encanto e deslumbramento, que o
digam, por exemplo os visitantes que participaram no III Congresso Nacional de
Bombeiros (onde também estiveram franceses), realizado na Covilhã nos dias 21 a
25 de julho de 1932, com o presidente da direção dos BVC, José de Carvalho
Nunes Tavares, Comandante Jerónimo Monteiro Ranito; o Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal, Dr. Francisco Xavier de
Almeida Garrett, e o Presidente da Liga
dos Bombeiros Portugueses, Tenente França Borges.
Por último, apreciem no horizonte, a junção dos Cântaros Gordo, Magro e
Raso, numa visão bonita duma panorâmica de perceção visual, mais parecendo uma
gigante mulher deitada.
(In "Notícias da Covilhã", de 18-07-2019)