17 de julho de 2019

MEMÓRIAS DA SERRA DA ESTRELA DE TODOS OS TEMPOS


Da Covilhã medieval, fabricante de burel, à Covilhã de hoje, produtora dos mais finos tecidos de lã, há uma obra admirável, cimentada por sucessivas gerações de gente laboriosa e empreendedora. Pensamos que em Portugal não há outra indústria que possa competir em antiguidade como a de lanifícios. O visitante, na sua deslocação à Serra da Estrela, tem como porta principal a Covilhã, onde pode apreciar a cozinha regional e deliciar-se com a sua paisagem, através dos vários miradouros.
O escritor Ferreira de Castro contribuiu com a sua obra – “A Lã e a Neve” –, para a história da indústria têxtil, pelos relatos e descrições da laboração nas fábricas da Covilhã. Ele observou o caráter dissemelhante da sociedade urbana e da sociedade rural, no que diz respeito à introdução das inovações, as quais chegaram primeiro à cidade do que à vila ou aldeia.
Gilberto Freire, no seu livro “Aventura e Rotina”, refere que atravessando a Serra da Estrela se lembra, guloso como era, que “é daqui o leite de que se faz o queijo chamado da Serra. Que na Serra da Estrela há séculos que o homem cria ovelhas dentro da mesma doce rotina. Não só ovelhas como as menos poéticas, mas igualmente úteis e boas cabras que também dão leite”.
Já o “Notícias da Covilhã” (NC) de 24-10-1980, sobre o queijo da serra em que o caráter artesanal do seu fabrico é garantia da sua boa (e tradicional) qualidade, referia a terminar o texto: “Rendemos homenagem aos pastores e às pastoras que na Serra suportam o frio, o vento e a neve, para que nas casas aquecidas da Beira, do País e até do estrangeiro, seja saboreado o queijo”.
Podíamos ainda falar do Pastor da Serra, na opinião de L. de Mendonça e Costa (1849-1922), no seu Manual do Viajante em Portugal: “O pastor da Estrela, tipo ético admirável de resistência física, é, porventura, o direto representante dos antigos lusitanos. Isolado de todo o convívio humano, tem por únicos companheiros o cão e o gado, para os meses de estio, pelas cristas das montanhas, ou no fundo dos vales”.
Mas já José Domingos, da Lusa, no NC de 11-09-1987, referindo-se então ao Parque Nacional da Serra da Estrela, que ainda é o maior, dizia: “Montanhas graníticas, vales cortados por glaciares, castelos, história e o homem constituem o Parque Natural da Serra da Estrela, o maior existente em Portugal. Cerca de 98 mil hectares de área dispersa pelos concelhos da Guarda, Manteigas, Seia, Gouveia, Celorico da Beira, Covilhã e Oliveira do Hospital constituem este parque natural. As montanhas variam aqui entre os 650 e os 2000 metros de altitude, num sucedâneo de vales e covões, cortados por cursos de água que formam o maior centro hidrológico do País. Porém, são o Mondego, Zêzere e Alva que mais condicionam a vida das gentes serranas, sendo os principais rios que descem as montanhas, cuja constituição varia entre o granito e o xisto.”
Muitas memórias serranas podiam, e deviam ser referidas, mas o espaço é curto. Deliciem-se, por exemplo, com a descrição da Serra da Estrela, por Ferreira de Castro, no seu livro “A Lã e a Neve”: “Belo monstro de xisto e de granito, com terra a encher-lhe os ocos do esqueleto, ondula sempre: contorce-se aqui, alteia-se acolá, abaixa-se mais adiante, para se altear de novo, num bote de serpente que quisesse morder o Sol”.
Mas também na descrição dos relatórios da “Expedição Científica à Serra da Estrela”, pela Sociedade de Geografia de Lisboa, realizada em agosto de 1881: “Se de dia e a distância ninguém observa os Cântaros pela primeira vez sem sentir vertigens e o coração comprimido, imagine-se o que nós sentiríamos às 10 da noite ao vermo-nos presos no cume do Cântaro Gordo, rochedo de 413 metros de altura sobre a ribeira da Candeeira, eriçado de fragões escuros, no meio de profundos covões formado por outros fraguedos e despenhadeiros igualmente sinistros e medonhos. Aqui, onde a natureza é horrivelmente majestosa e grande, ninguém deixará de se sentir infinitamente pequeno.”
A Serra da Estrela sempre foi um lugar de encanto e deslumbramento, que o digam, por exemplo os visitantes que participaram no III Congresso Nacional de Bombeiros (onde também estiveram franceses), realizado na Covilhã nos dias 21 a 25 de julho de 1932, com o presidente da direção dos BVC, José de Carvalho Nunes Tavares, Comandante Jerónimo Monteiro Ranito; o  Presidente da Comissão Administrativa da  Câmara Municipal, Dr. Francisco Xavier de Almeida Garrett, e  o Presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, Tenente França Borges.
Por último, apreciem no horizonte, a junção dos Cântaros Gordo, Magro e Raso, numa visão bonita duma panorâmica de perceção visual, mais parecendo uma gigante mulher deitada.

(In "Notícias da Covilhã", de 18-07-2019)

Sem comentários: