Escrevo esta crónica no último dia de agosto porquanto decidi continuar “a
andar por aí”, e, por isso, numa “aliança” com amigos, surgiu um prolongamento
de férias.
Faço assim uma paragem na arrumação do arquivo do meu escritório, onde
milhares de recortes de jornais, apontamentos, recolhas antigas de
documentação, tudo acumulado ao longo de mais de quatro décadas (mas
arrumadinho…) levam o destino fatal, selecionando somente algumas preciosidades.
A fatalidade do deitar fora vai, entretanto, servir de pequeno contributo para
o Banco Alimentar, na sua recolha de papel.
Nesta de arrumações, a casualidade trouxe-me uma notícia da Visão, de
20.01.2017, que achei interessante: “A comida picante pode ser o segredo para
uma vida saudável e mais longa”. Publicada numa rede social, logo aí encontrei
amigos que, tal como eu, adoram este paladar e, sem ser necessário ler os
papelinhos que os muitos “astrólogos” nos vão colocando nos para-brisas dos
automóveis, oferecendo os seus serviços milagrosos, ficámos na esperança de
andar por aí mais uns anitos…
Se os pardais já se sentem incomodados pela dificuldade em encontrar onde
debicar, pelo norte, centro e sul, os javalis devastam campos e culturas. São
notícias que, de certo modo nos vão atormentando, mesmo quem viaja.
Mas o que continua a chegar todos os dias aos vários meios de comunicação
social, são as crises sociais, políticas e humanas.
Não faltam os sobejados disparates dos líderes americano e brasileiro
para termos, como europeus, que gramar as tolices do novo primeiro-ministro
britânico, Boris Johnson, com as suas mentiras até ao golpe final – aconteceu a
29 de agosto, com a anunciada suspensão do Parlamento inglês entre 10 de
setembro e 14 de outubro, “nesta manifestação radical de como referendos com
perguntas simples para questões complexas abrem o caminho a que líderes sem
escrúpulos consigam levar a sua avante, de mentira em mentira, até à entorse
democrática final”.
Efetivamente, foi no dia 23 de junho de 2016 que os eleitores do Reino
Unido foram às urnas para responder à seguinte pergunta: “Deverá o Reino Unido
permanecer como membro da União Europeia, ou deixar a União Europeia?”. As
respostas possíveis eram “permanecer como membro da União Europeia” e “deixar a
União Europeia”. Dos cerca de 46 milhões de eleitores, 72,2% foram votar; 51,9%
dos votos foram na segunda opção. Desde então, a União Europeia entrou no “Brexit”.
Conforme Rui Tavares refere no “Público”, “esta johnsoniana suspensão do
parlamento para forçar um ‘Brexit’ sem acordo é a mesma que fazer batota para
ultrapassar a linha do golo”. É que Boris pôs a rainha a vandalizar a
democracia com a decisão do primeiro-ministro britânico de suspender o
Parlamento até à véspera do “Brexit” – para impedir a democracia parlamentar de
funcionar. No ocaso do reinado de Isabel II é envolvida numa golpada
institucional sem moral nem ética.
Isto faz-me lembrar, recuando para o ano 2008, em que no dia 19 de novembro,
no tempo de el-rei D. Sócrates I de Portugal, a líder do PSD, Manuela Ferreira
Leite foi longe na ironia de querer explicar por que falham os governos,
dizendo que mais vale suspender por uns meses a democracia para se poder fazer
todas as reformas necessárias e só depois, então, repô.la. Discursava, como
convidada, na Câmara de Comércio Luso-Americana, em Lisboa.
E, com o GPS das minhas memórias, temos o que vai pelo nosso retângulo à
beira-mar plantado, com as eleições a aproximarem-se a passos largos.
Do insulto “geringonça”, saído das palavras inseridas no “Público” por
Vasco Pulido Valente e aproveitadas no Parlamento por Paulo Portas,
paradoxalmente iria transformar-se numa palavra acarinhada pelo país. Os medos
e receios não se tornaram realidade, ficando apenas para assombrar os partidos
de direita. Quatro anos depois, os portugueses, e não só, fazem um balanço
positivo.
E porque tenho que ainda dar umas voltas, termino com uma homenagem para
o povo timorense, nas comemorações dos 20 anos do referendo que lhe
proporcionou sair das garras da Indonésia e ganhar a independência do seu país.
(In "Jornal fórum Covilhã", de 11-09-2019)
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