19 de fevereiro de 2020

ANIVERSÁRIO DA CASA DA COVILHÃ EM LISBOA


A caminho da Capital, no Intercidades. É sábado, 15 de fevereiro e são 7,53. Tomamos os nossos lugares. Reparamos de imediato que os tabuleiros das costas dos nossos bancos e o chão, assim como um pouco por todo o lado, estão sujos de miolos de pão e lixo. O João Romano toma a iniciativa e apresenta reclamação ao revisor. Diz-nos tomar nota. E que tal situação não deveria acontecer. Pudera, são sempre quatro as funcionárias de limpeza que entram nas carruagens, no final das viagens, para a (in)devida limpeza – informa-nos. Ato cívico do companheiro de viagem. Esperemos agora a devida chamada de atenção às infratoras da limpeza. E que tal não se repita. O Tó Manel Rodrigues segue na carruagem da frente.
Chegada a Santa Apolónia. À nossa espera, lá se encontra o Presidente da Casa da Covilhã, Manuel Vaz Rodrigues. E agora já estamos no número 150 da Rua do Benformoso. O João Romano, delegado regional desta Casa, carregando com a caixa de pastéis de molho, sente um bálsamo nos seus braços ao deixá-la na cozinha. Damos uma espreitadela para a sala onde vai ser o evento. Tudo pronto, ou quase. Falta só colocar na parede o n.º 96 que faz sobressair o acontecimento. O Zé Ascensão Rodrigues, um pouco agitado, diz que não o coloca lá porque o tiraram. O homem da paciência, presidente da Casa, vai lá colocar o número. Corresponde ao aniversário.
A minha curiosidade vai para a biblioteca. É preciso ainda um longo trabalho. Há muitos livros oferecidos por covilhanenses que estão amontoados. Com dois dias a tempo inteiro resolvia-se o problema. Todos são voluntários. Mas viver em Lisboa não é viver na Covilhã.Compreensível.
Começam a chegar os Covilhanenses. Radicados a sua maioria na Capital, ou limítrofes. De raiz, uns; de coração, outros. De permeio, também alguns dirigentes da Casa da Covilhã: os meus amigos António Chorão, presidente do Conselho Fiscal, e a esposa; Luís António Ranito que vem de Alverca; Elói Cardoso Paiva, presidente da Assembleia Geral. Mas também os covilhanenses, do Ourondo, mas há muitos anos em Lisboa: Mário Tomé e seu primo Alfredo Tomé Carvalho. Recordam os tempos que passaram na biblioteca municipal da Covilhã, ao Jardim Público, nos tempos do Sr. Martins. Alfredo Tomé agarra-se à conversa. Cumprimentos a João Madeira Antunes, que também recordam nostalgicamente a antiga biblioteca municipal da Covilhã, e o Sr. Martins. Ficaram a saber que ele fora professor primário em Casegas e aí foram seus alunos o falecido Padre José Almeida Geraldes, antigo diretor do Notícias da Covilhã; e o professor doutor Arnaldo Saraiva. Um denominador comum é que quase todos passaram, nesse tempo, pelo seminário. No total, na sala, são 48 pessoas.
Chega o tesoureiro, José Hermínio Rainha. Aproveito e pago já a minha quota. O Tó Manel Rodrigues também faz o mesmo.
A Daniela Runa aproxima-se também. Não podia faltar. Ela é a vice-presidente da Direção. Para além de médica e fadista.
Os convidados começaram a chegar: o presidente da Câmara Municipal da Covilhã, Vitor Pereira; Nuno Cardona Almeida, covilhanense deputado pelo Círculo de Castelo Branco; e Carlos Martins, presidente da União de Freguesias da Covilhã e Canhoso.
O almoço inicia-se. Antes do partir do bolo aniversário, Manuel Vaz, presidente da Direção, sucintamente, em cinco pontos diz o que se fez e o que se pretende fazer. Há que dar voz aos mais novos. Nunca em tão pouco tempo foi conseguida uma lista para o próximo ato eleitoral. Está aí à porta. Seguiram-se as palavras de Carlos Martins, Nuno Cardona e Vitor Pereira.
A seguir coube-me a mim. Foi um convite honroso para falar sobre a Casa da Covilhã. Teria de ser breve, quão breve foram as restantes intervenções. E que não esquecesse de divulgar este evento nos semanários da nossa Região, que são ali muito desejados. Aqui fica o repto. O tema da inspiração: “Um pedacinho da Covilhã a caminho do Centenário”. Foram algumas estórias da história da Casa da Covilhã. Chegámos à conclusão de que são efetivamente 96 primaveras!
Muito haveria que dizer. O espaço não permite. Foi um êxito global. Termino conforme ultimei a minha palestra: “Queremos continuar a entrar na porta 150 desta Casa, no âmbito da nossa ‘Beiranidade’ já que ficamos fartos de saber que o 10 é do Downing Street, lá para outras bandas a transvazar a Europa”.
Parabéns à Casa da Covilhã – a nossa Casa na Capital –, e também a todos os seus obreiros, com realce para esta sua dinâmica Direção.

(In "Jornal fórum Covilhã", de 19-02-2020)





12 de fevereiro de 2020

A TEORIA DOS CISNES NEGROS

Vão correndo os tempos, e, nesta vivência, algo vai acontecendo no âmbito do inesperado.
Desde sempre as epidemias e pandemias não deixaram de grassar pelo planeta que habitamos.
A CÓLERA provocou centenas de milhares de mortos entre 1817 e 1824 e já era conhecida desde a Antiguidade. Assim como a TUBERCULOSE, atingindo um bilião de mortos ainda no mesmo século (1850-1950). A VARÍOLA dizimou 300 milhões de humanos entre 1896 e 1980. Esta doença atormentou a humanidade durante mais de 3000 anos. Figuras históricas foram atingidas por ela: o faraó egípcio Ramsés II, a rainha Maria II da Inglaterra e o rei Luís XV da França. Descobriu-se a vacina no ano de 1796 tendo sido erradicada do planeta desde 1980.
A GRIPE ESPANHOLA surge no final da I Guerra Mundial (1918 e 1919), tendo com ela morrido o presidente do Brasil, Rodrigues Alves. Foram 20 milhões de mortos, depois de 37 milhões terem perecido na Primeira Guerra Mundial. Foi assim denominada porque um dos primeiros a contrair a doença foi Afonso XIII, rei de Espanha.
Entre 1918 e 1922, 3 milhões de mortos na Europa Oriental e Rússia foram ocasionados pelo TIFO. Ele está ligado a países do Terceiro Mundo, campos de refugiados e concentração, ou guerras. Anne Frank, vítima do holocausto, morreu em consequência do tifo.
A FEBRE AMARELA foi outra das epidemias que entre 1960 e 1962 causou 30 000 mortos na Etiópia, e na América. O Brasil chegou a ser considerado um “destino perigoso” tendo sido privado do transporte marítimo e da exportação do café. Uma das vítimas desta epidemia foi D. Afonso, filho de D. Pedro II.
O SARAMPO foi uma das causas da mortalidade infantil até à descoberta da vacina em 1963.
A MALÁRIA provocou 3 milhões de mortos por ano, desde 1980, havendo registos da doença de há 4000 anos. Estima-se que desde que ela se começou a multiplicar tenham morrido entre 350 e 500 milhões de pessoas.
A AIDS (Síndroma da Imunodeficiência Adquirida) atingiu 22 milhões de mortos desde 1981, identificada nos Estados Unidos. Trata-se do vírus HIV.
A PESTE NEGRA, também conhecida por PESTE BUBÓNICA, matou grande parte da população do planeta no século XIV, principalmente de países da Europa e Ásia. E quase dizimou a humanidade há 5 mil anos atrás, deduzindo-se já ter causado mortes em humanos no Neolítico.
A doença foi sendo combatida à medida que se foi melhorando a higiene e o saneamento das cidades. Julga-se que quase metade da população europeia tenha morrido vítima da peste. Tornou-se epidemia em 1348 e afetou, além da Europa, também a China e a Índia.
Outras doenças houve: o vírus zika (3 a 4 milhões de pessoas infetadas), surto que apanhou o mundo de surpresa; um novo surto de Ebola; a rubéola; a lepra, considerada a doença mais antiga da humanidade, tendo os seus primeiros registos datado de antes de Cristo. A lepra era a grande praga da Antiguidade, relatada em livros, quadros e imagens medievais realmente pavorosas; a difteria e a escarlatina; gripe asiática em 1957; a gripe de Hong-kong, em 1968; também causaram vítimas mortais no planeta, ao longo dos tempos.
Em 12 de dezembro de 2019 foi detetado o primeiro caso do CORONAVÍRUS, em Wuhan, capital da província chinesa de Hubei, no centro do país. De então para cá o vírus espalhou-se com grande velocidade. Os cientistas, com base nos seus algoritmos, calculam que possa atingir, globalmente, 40.000 pessoas. Na altura em que redijo este texto o número de vítimas mortais atingiu já 490, havendo casos de infeção por coronavírus em mais 25 países, e, só na China, mais de 29.000 pessoas infetadas pelo vírus. Se as epidemias e pandemias são uma questão de saúde pública, também são uma questão política e de segurança.
O que é certo é que é mais um vírus da China, cuja população ainda tem muito contacto com animais selvagens. Pode também contaminar a economia mundial, como a chinesa que é a segunda maior do mundo.
E é aqui que entra a Teoria dos Cisnes Negros – eventos improváveis e com grandes consequências imprevisíveis, caso ocorram. Uma vez que este facto tenha acontecido, os Cisnes Negros tentam encontrar algum tipo de explicação, real ou inventada.
Ao contrário do conceito filosófico inicial de “problema do Cisne Preto” no qual se afirmava que todos os cisnes são brancos, mais tarde se provou falso. Houve a descoberta na Austrália, no século XVIII, de uma raça de cisnes pretos. A Teoria do Cisne Preto refere-se apenas a eventos inesperados de grande magnitude e consequências no contexto da sua influência histórica.
As ideias poderosas de Cisnes Negros foram popularizadas pelo pensador libanês Nassim Nicholas Taleb. Assim, Cisnes Negros são eventos de baixa popularidade mas de alto impacto.  Taleb trabalhou muito tempo no mercado financeiro e, neste ramo, viu várias pessoas fazerem fortunas espetaculares para tudo resultar em nada passados alguns dias. Sendo eventos de baixa probabilidade, mas de impacto extremamente elevado, são difíceis de acontecer, mas podendo ocorrer um dia, e se ocorrer, terá efeitos catastróficos.
Sendo esta a definição mas não o problema real, sucede que o grande problema é que o ser humano tende a subestimar a existência dos Cisnes Negros. Uma das razões é que, por serem tão raros, alguns desses eventos nunca ocorreram na história. E mesmo nos casos que surgiram, rapidamente o conhecimento humano se adaptou para mostrar que o evento era previsível, não era aleatório. Segundo Forgotten Lore, “Um exemplo são os economistas ‘profetas’ que afirmaram que ‘era evidente que a crise de 2008 iria ocorrer devido aos riscos dos títulos sub-prime’. Tudo isso a posteriori, é claro”.
Neste contexto, em que a teoria dos acontecimentos de cisnes negros é uma metáfora que descreve um evento que surge como uma surpresa, como já vimos, tem grandes consequências e muitas vezes só é corretamente analisado a posteriori.
Segundo o “Público”, em janeiro de 2019, à medida que a guerra comercial com os Estados Unidos se intensificava, o líder chinês Xi Jinping convocou uma reunião com altos responsáveis do Partido Comunista para avisar acerca do inesperado surgimento de “acontecimentos de cisnes negros”, que poderiam desestabilizar o regime imposto há 70 anos. Exatamente, um ano depois, surgiu efetivamente um desafio inesperado, não originário das salas de Washington, mas sim das bancas dos mercados em Wuhan, por via do coronavírus. Os cidadãos chineses enfureceram-se face à forma desajeitada como os responsáveis estatais lidaram inicialmente com o surto, assim como as falhas dos funcionários locais em Wuhan que inicialmente ignoraram e esconderam o coronavírus, enquanto por outro lado se juntam em redor de Xi Jinping para o proteger como o homem que tem cultivado uma imagem de bem-amado “líder do povo”, mantendo o mito de que ele nunca erra.
Gerry Shih, do The Washington Post questiona: “Se Xi estava absolutamente convicto de um resultado vitorioso face à doença, por que razão não se colocou a si mesmo a comandar e assim recolher todos os louros e glórias?”. E acrescenta: “Como é que o partido poderia construir uma sociedade moderadamente próspera se não restarem quaisquer pessoas?”.
Muitos relacionaram a falta de eficácia oficial da China dos dias de hoje e os derradeiros anos da União Soviética e insinuaram que o vírus de Wuhan poderá ser uma espécie de equivalente a Tchernobil, considerando geralmente que o desastre nuclear de Tchernobil, em 1986, terá acelerado o processo de colapso da União Soviética, que se consumou poucos anos depois.

(In "Jornal fórum Covilhã", de 12-02-2020)

A ARMADILHA DE TUCÍDIDES


Com alguma frequência nos deparamos na imprensa com artigos sobre este tema, expressão popularizada por Graham Allison em 2012, de uma passagem da “História da Guerra do Peloponeso”, cujo autor foi o próprio Tucídides: “Foi a ascensão de Atenas e o medo que isso incutiu em Esparta que tornou a guerra inevitável”.
Depois de há um século termos saído da I Guerra Mundial e os países vencedores terem criado a Liga das Nações com o pleno objetivo da construção de uma ordem internacional onde o pacifismo fosse a grande arma contra a guerra que seria terminantemente proibida entre os Estados, logo nas décadas seguintes surgiriam rivalidades entre as potências europeias. Nesta perturbação assustadora veio a II Guerra Mundial.
Daqui se infere que nada do que se transporta para a mesa das decisões, num elo de concordância entre as partes envolvidas no acordo é inabalável e vitalício.
Se bem que daí até então houve sinais positivos, com o mundo a produzir imensa riqueza, e muita gentinha a ver-se livre das algemas da pobreza, paradoxalmente não se afastaram os sinais negativos da crise da democracia duma mão cheia de países ao sabor das ondas.
Enquanto o planeta aquece descontroladamente a economia mundial mostra sinais de arrefecimento.
Na Europa; em vez de se fazer um hercúleo esforço para se manter uma grande potência planetária como o fora in illo tempore com a reanimação do comércio europeu no século XV e com as descobertas portuguesas, e depois espanholas, a dar início à idade moderna, pondo em contacto os vários continentes, tornando-se uma potência mundial no século XIX, num período revolucionário da sua história, e uma época de grandes transformações em todos os domínios da vida; surge agora  o Reino Unido a desligar-se da União Europeia.
“Brexit” a caminho de um novo ciclo económico em que “todos” perdemos” (Público de 30-01-2020).
Mas, nos tempos que correm, e tendo em conta o tema desta crónica, queremos referir que a “armadilha” fica caraterizada quando o crescimento do poder de uma potência emergente passa a ameaçar os interesses da potência hegemónica, ao ponto de originar uma guerra.
Foi assim que a “História da Guerra do Peloponeso”, onde esteve Tucídides, descreve os detalhes da guerra entre Esparta e Atenas.
“Atualmente, a expressão está sendo empregue para descrever a situação entre a China e os Estados Unidos, como potências emergente e hegemónica, respetivamente. De notar que a ‘armadilha de Tucídides’ não é um conceito do próprio autor mas sim uma expressão recente usada para expor uma situação que foi descrita por ele e que se repetiu inúmeras vezes na história, nos mais diversos contextos”.
Os EUA estão ofuscados com a China para suster a sua ascensão e a China, em idêntica situação, com o pensamento em travar o domínio americano, mormente na Ásia.
Se nos reportamos ao período histórico da Antiguidade Clássica, com que iniciámos o texto –  27 anos após o início da guerra, Atenas sucumbiu perante Esparta. O declínio ateniense marcou a definitiva ascensão espartana, mas não sem consequências para todo o mundo helénico. Todos esses anos de guerra, batalhas e conflitos causaram desgastes incomparáveis e a ruína económica de diversas Cidades-Estado e potências gregas, perda militar e total desestruturação da unidade grega frente a outros impérios. Enquanto a Grécia tentava recuperar-se, o Império Macedónico organizava-se e tornava-se cada vez mais poderoso. Aproveitando da instabilidade da pobreza grega do pós-guerra, invade e domina quase toda a Grécia, terminando assim com a independência e liberdade da maior parte das Cidades-Estado do mundo grego.
Voltando-nos para os dois séculos por que a maioria de entre nós ainda viveu, e vive  (XX e XXI), os Estados Unidos e União Soviética não declinaram em conflito. Mantiveram desavenças e ameaças constantes, porém, a União Soviética sempre fora um perigo militar para os EUA e NATO, jamais uma ameaça ao seu poder e influência económica e financeira, o que levaria à definitiva queda da União Soviética no início dos anos 90.
Uma situação bem diferente do que acontece hoje nas relações EUA-China, com a China a oferecer aos EUA não somente uma ameaça bélica, mas mormente uma ameaça aos antes incontestáveis modelos económicos e até políticos de todo o Ocidente. A ascensão da China coloca em cheque o funcionamento da democracia ocidental. É, de facto, a ascensão de um país com modelos e estruturas completamente diferentes dos que atuam, podendo até ultrapassar a atual maior e mais poderosa economia do mundo.
Se a Armadilha de Tucídides se concretiza quando um poder desafia a hegemonia de outro poder previamente estabelecido, vemos formar a possibilidade de uma inevitável guerra perante o medo que a ascensão militar e económica da China (anteriormente Atenas) oferece à hegemonia militar e económica dos Estados Unidos (anteriormente Esparta).
Certamente que a rivalidade EUA-China se irá manter, sendo a tendência de um tentar diminuir e minar o poder e influência do outro. Se não tentarem encontrar maneiras de equilibrar os seus interesses vão caminhar para uma relação cada vez menos amigável e de maior conflito, levando lamentavelmente à Armadilha de Tucídides.

(In "Notícias da Covilhã", de 13-02-2020)