12 de fevereiro de 2020

A ARMADILHA DE TUCÍDIDES


Com alguma frequência nos deparamos na imprensa com artigos sobre este tema, expressão popularizada por Graham Allison em 2012, de uma passagem da “História da Guerra do Peloponeso”, cujo autor foi o próprio Tucídides: “Foi a ascensão de Atenas e o medo que isso incutiu em Esparta que tornou a guerra inevitável”.
Depois de há um século termos saído da I Guerra Mundial e os países vencedores terem criado a Liga das Nações com o pleno objetivo da construção de uma ordem internacional onde o pacifismo fosse a grande arma contra a guerra que seria terminantemente proibida entre os Estados, logo nas décadas seguintes surgiriam rivalidades entre as potências europeias. Nesta perturbação assustadora veio a II Guerra Mundial.
Daqui se infere que nada do que se transporta para a mesa das decisões, num elo de concordância entre as partes envolvidas no acordo é inabalável e vitalício.
Se bem que daí até então houve sinais positivos, com o mundo a produzir imensa riqueza, e muita gentinha a ver-se livre das algemas da pobreza, paradoxalmente não se afastaram os sinais negativos da crise da democracia duma mão cheia de países ao sabor das ondas.
Enquanto o planeta aquece descontroladamente a economia mundial mostra sinais de arrefecimento.
Na Europa; em vez de se fazer um hercúleo esforço para se manter uma grande potência planetária como o fora in illo tempore com a reanimação do comércio europeu no século XV e com as descobertas portuguesas, e depois espanholas, a dar início à idade moderna, pondo em contacto os vários continentes, tornando-se uma potência mundial no século XIX, num período revolucionário da sua história, e uma época de grandes transformações em todos os domínios da vida; surge agora  o Reino Unido a desligar-se da União Europeia.
“Brexit” a caminho de um novo ciclo económico em que “todos” perdemos” (Público de 30-01-2020).
Mas, nos tempos que correm, e tendo em conta o tema desta crónica, queremos referir que a “armadilha” fica caraterizada quando o crescimento do poder de uma potência emergente passa a ameaçar os interesses da potência hegemónica, ao ponto de originar uma guerra.
Foi assim que a “História da Guerra do Peloponeso”, onde esteve Tucídides, descreve os detalhes da guerra entre Esparta e Atenas.
“Atualmente, a expressão está sendo empregue para descrever a situação entre a China e os Estados Unidos, como potências emergente e hegemónica, respetivamente. De notar que a ‘armadilha de Tucídides’ não é um conceito do próprio autor mas sim uma expressão recente usada para expor uma situação que foi descrita por ele e que se repetiu inúmeras vezes na história, nos mais diversos contextos”.
Os EUA estão ofuscados com a China para suster a sua ascensão e a China, em idêntica situação, com o pensamento em travar o domínio americano, mormente na Ásia.
Se nos reportamos ao período histórico da Antiguidade Clássica, com que iniciámos o texto –  27 anos após o início da guerra, Atenas sucumbiu perante Esparta. O declínio ateniense marcou a definitiva ascensão espartana, mas não sem consequências para todo o mundo helénico. Todos esses anos de guerra, batalhas e conflitos causaram desgastes incomparáveis e a ruína económica de diversas Cidades-Estado e potências gregas, perda militar e total desestruturação da unidade grega frente a outros impérios. Enquanto a Grécia tentava recuperar-se, o Império Macedónico organizava-se e tornava-se cada vez mais poderoso. Aproveitando da instabilidade da pobreza grega do pós-guerra, invade e domina quase toda a Grécia, terminando assim com a independência e liberdade da maior parte das Cidades-Estado do mundo grego.
Voltando-nos para os dois séculos por que a maioria de entre nós ainda viveu, e vive  (XX e XXI), os Estados Unidos e União Soviética não declinaram em conflito. Mantiveram desavenças e ameaças constantes, porém, a União Soviética sempre fora um perigo militar para os EUA e NATO, jamais uma ameaça ao seu poder e influência económica e financeira, o que levaria à definitiva queda da União Soviética no início dos anos 90.
Uma situação bem diferente do que acontece hoje nas relações EUA-China, com a China a oferecer aos EUA não somente uma ameaça bélica, mas mormente uma ameaça aos antes incontestáveis modelos económicos e até políticos de todo o Ocidente. A ascensão da China coloca em cheque o funcionamento da democracia ocidental. É, de facto, a ascensão de um país com modelos e estruturas completamente diferentes dos que atuam, podendo até ultrapassar a atual maior e mais poderosa economia do mundo.
Se a Armadilha de Tucídides se concretiza quando um poder desafia a hegemonia de outro poder previamente estabelecido, vemos formar a possibilidade de uma inevitável guerra perante o medo que a ascensão militar e económica da China (anteriormente Atenas) oferece à hegemonia militar e económica dos Estados Unidos (anteriormente Esparta).
Certamente que a rivalidade EUA-China se irá manter, sendo a tendência de um tentar diminuir e minar o poder e influência do outro. Se não tentarem encontrar maneiras de equilibrar os seus interesses vão caminhar para uma relação cada vez menos amigável e de maior conflito, levando lamentavelmente à Armadilha de Tucídides.

(In "Notícias da Covilhã", de 13-02-2020)

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