Com alguma frequência nos
deparamos na imprensa com artigos sobre este tema, expressão popularizada por
Graham Allison em 2012, de uma passagem da “História da Guerra do Peloponeso”,
cujo autor foi o próprio Tucídides: “Foi a ascensão de Atenas e o medo que
isso incutiu em Esparta que tornou a guerra inevitável”.
Depois de há um século termos
saído da I Guerra Mundial e os países vencedores terem criado a Liga das Nações
com o pleno objetivo da construção de uma ordem internacional onde o pacifismo
fosse a grande arma contra a guerra que seria terminantemente proibida entre os
Estados, logo nas décadas seguintes surgiriam rivalidades entre as potências
europeias. Nesta perturbação assustadora veio a II Guerra Mundial.
Daqui se infere que nada do que
se transporta para a mesa das decisões, num elo de concordância entre as partes
envolvidas no acordo é inabalável e vitalício.
Se bem que daí até então houve
sinais positivos, com o mundo a produzir imensa riqueza, e muita gentinha a
ver-se livre das algemas da pobreza, paradoxalmente não se afastaram os sinais
negativos da crise da democracia duma mão cheia de países ao sabor das ondas.
Enquanto o planeta aquece
descontroladamente a economia mundial mostra sinais de arrefecimento.
Na Europa; em vez de se fazer um
hercúleo esforço para se manter uma grande potência planetária como o fora in
illo tempore com a reanimação do comércio europeu no século XV e com as
descobertas portuguesas, e depois espanholas, a dar início à idade moderna,
pondo em contacto os vários continentes, tornando-se uma potência mundial no
século XIX, num período revolucionário da sua história, e uma época de grandes
transformações em todos os domínios da vida; surge agora o Reino Unido a desligar-se da União Europeia.
“Brexit” a caminho de um
novo ciclo económico em que “todos” perdemos” (Público de 30-01-2020).
Mas, nos tempos que correm, e
tendo em conta o tema desta crónica, queremos referir que a “armadilha” fica
caraterizada quando o crescimento do poder de uma potência emergente passa a
ameaçar os interesses da potência hegemónica, ao ponto de originar uma guerra.
Foi assim que a “História da
Guerra do Peloponeso”, onde esteve Tucídides, descreve os detalhes da guerra
entre Esparta e Atenas.
“Atualmente, a expressão está sendo
empregue para descrever a situação entre a China e os Estados Unidos, como
potências emergente e hegemónica, respetivamente. De notar que a ‘armadilha de
Tucídides’ não é um conceito do próprio autor mas sim uma expressão recente
usada para expor uma situação que foi descrita por ele e que se repetiu
inúmeras vezes na história, nos mais diversos contextos”.
Os EUA estão ofuscados com a
China para suster a sua ascensão e a China, em idêntica situação, com o
pensamento em travar o domínio americano, mormente na Ásia.
Se nos reportamos ao período
histórico da Antiguidade Clássica, com que iniciámos o texto – 27 anos após o início da guerra, Atenas
sucumbiu perante Esparta. O declínio ateniense marcou a definitiva ascensão
espartana, mas não sem consequências para todo o mundo helénico. Todos esses
anos de guerra, batalhas e conflitos causaram desgastes incomparáveis e a ruína
económica de diversas Cidades-Estado e potências gregas, perda militar e total
desestruturação da unidade grega frente a outros impérios. Enquanto a Grécia
tentava recuperar-se, o Império Macedónico organizava-se e tornava-se cada vez
mais poderoso. Aproveitando da instabilidade da pobreza grega do pós-guerra,
invade e domina quase toda a Grécia, terminando assim com a independência e liberdade
da maior parte das Cidades-Estado do mundo grego.
Voltando-nos para os dois séculos
por que a maioria de entre nós ainda viveu, e vive (XX e XXI), os Estados Unidos e União
Soviética não declinaram em conflito. Mantiveram desavenças e ameaças constantes,
porém, a União Soviética sempre fora um perigo militar para os EUA e NATO,
jamais uma ameaça ao seu poder e influência económica e financeira, o que
levaria à definitiva queda da União Soviética no início dos anos 90.
Uma situação bem diferente do que
acontece hoje nas relações EUA-China, com a China a oferecer aos EUA não
somente uma ameaça bélica, mas mormente uma ameaça aos antes incontestáveis
modelos económicos e até políticos de todo o Ocidente. A ascensão da China
coloca em cheque o funcionamento da democracia ocidental. É, de facto, a
ascensão de um país com modelos e estruturas completamente diferentes dos que
atuam, podendo até ultrapassar a atual maior e mais poderosa economia do mundo.
Se a Armadilha de Tucídides se
concretiza quando um poder desafia a hegemonia de outro poder previamente
estabelecido, vemos formar a possibilidade de uma inevitável guerra perante o
medo que a ascensão militar e económica da China (anteriormente Atenas) oferece
à hegemonia militar e económica dos Estados Unidos (anteriormente Esparta).
Certamente que a rivalidade
EUA-China se irá manter, sendo a tendência de um tentar diminuir e minar o
poder e influência do outro. Se não tentarem encontrar maneiras de equilibrar
os seus interesses vão caminhar para uma relação cada vez menos amigável e de
maior conflito, levando lamentavelmente à Armadilha de Tucídides.
(In "Notícias da Covilhã", de 13-02-2020)
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