Vão correndo os tempos, e,
nesta vivência, algo vai acontecendo no âmbito do inesperado.
Desde sempre as epidemias e
pandemias não deixaram de grassar pelo planeta que habitamos.
A CÓLERA provocou centenas de
milhares de mortos entre 1817 e 1824 e já era conhecida desde a Antiguidade. Assim
como a TUBERCULOSE, atingindo um bilião de mortos ainda no mesmo século
(1850-1950). A VARÍOLA dizimou 300 milhões de humanos entre 1896 e 1980. Esta
doença atormentou a humanidade durante mais de 3000 anos. Figuras históricas
foram atingidas por ela: o faraó egípcio Ramsés II, a rainha Maria II da
Inglaterra e o rei Luís XV da França. Descobriu-se a vacina no ano de 1796
tendo sido erradicada do planeta desde 1980.
A GRIPE ESPANHOLA surge no
final da I Guerra Mundial (1918 e 1919), tendo com ela morrido o presidente do
Brasil, Rodrigues Alves. Foram 20 milhões de mortos, depois de 37 milhões terem
perecido na Primeira Guerra Mundial. Foi assim denominada porque um dos
primeiros a contrair a doença foi Afonso XIII, rei de Espanha.
Entre 1918 e 1922, 3 milhões
de mortos na Europa Oriental e Rússia foram ocasionados pelo TIFO. Ele está
ligado a países do Terceiro Mundo, campos de refugiados e concentração, ou
guerras. Anne Frank, vítima do holocausto, morreu em consequência do tifo.
A FEBRE AMARELA foi outra das epidemias
que entre 1960 e 1962 causou 30 000 mortos na Etiópia, e na América. O
Brasil chegou a ser considerado um “destino perigoso” tendo sido privado do
transporte marítimo e da exportação do café. Uma das vítimas desta epidemia foi
D. Afonso, filho de D. Pedro II.
O SARAMPO foi uma das causas
da mortalidade infantil até à descoberta da vacina em 1963.
A MALÁRIA provocou 3 milhões
de mortos por ano, desde 1980, havendo registos da doença de há 4000 anos.
Estima-se que desde que ela se começou a multiplicar tenham morrido entre 350 e
500 milhões de pessoas.
A AIDS (Síndroma da
Imunodeficiência Adquirida) atingiu 22 milhões de mortos desde 1981,
identificada nos Estados Unidos. Trata-se do vírus HIV.
A PESTE NEGRA, também
conhecida por PESTE BUBÓNICA, matou grande parte da população do planeta no
século XIV, principalmente de países da Europa e Ásia. E quase dizimou a
humanidade há 5 mil anos atrás, deduzindo-se já ter causado mortes em humanos
no Neolítico.
A doença foi sendo combatida à
medida que se foi melhorando a higiene e o saneamento das cidades. Julga-se que
quase metade da população europeia tenha morrido vítima da peste. Tornou-se epidemia
em 1348 e afetou, além da Europa, também a China e a Índia.
Outras doenças houve: o vírus
zika (3 a 4 milhões de pessoas infetadas), surto que apanhou o mundo de
surpresa; um novo surto de Ebola; a rubéola; a lepra, considerada a doença mais
antiga da humanidade, tendo os seus primeiros registos datado de antes de
Cristo. A lepra era a grande praga da Antiguidade, relatada em livros, quadros
e imagens medievais realmente pavorosas; a difteria e a escarlatina; gripe
asiática em 1957; a gripe de Hong-kong, em 1968; também causaram vítimas
mortais no planeta, ao longo dos tempos.
Em 12 de dezembro de 2019 foi
detetado o primeiro caso do CORONAVÍRUS, em Wuhan, capital da província chinesa
de Hubei, no centro do país. De então para cá o vírus espalhou-se com grande
velocidade. Os cientistas, com base nos seus algoritmos, calculam que possa
atingir, globalmente, 40.000 pessoas. Na altura em que redijo este texto o
número de vítimas mortais atingiu já 490, havendo casos de infeção por
coronavírus em mais 25 países, e, só na China, mais de 29.000 pessoas infetadas
pelo vírus. Se as epidemias e pandemias são uma questão de saúde pública,
também são uma questão política e de segurança.
O que é certo é que é mais um
vírus da China, cuja população ainda tem muito contacto com animais selvagens. Pode
também contaminar a economia mundial, como a chinesa que é a segunda maior do
mundo.
E é aqui que entra a Teoria dos
Cisnes Negros – eventos improváveis e com grandes consequências imprevisíveis,
caso ocorram. Uma vez que este facto tenha acontecido, os Cisnes Negros tentam
encontrar algum tipo de explicação, real ou inventada.
Ao contrário do conceito
filosófico inicial de “problema do Cisne Preto” no qual se afirmava que todos
os cisnes são brancos, mais tarde se provou falso. Houve a descoberta na
Austrália, no século XVIII, de uma raça de cisnes pretos. A Teoria do Cisne
Preto refere-se apenas a eventos inesperados de grande magnitude e
consequências no contexto da sua influência histórica.
As ideias poderosas de Cisnes
Negros foram popularizadas pelo pensador libanês Nassim Nicholas Taleb. Assim,
Cisnes Negros são eventos de baixa popularidade mas de alto impacto. Taleb trabalhou muito tempo no mercado
financeiro e, neste ramo, viu várias pessoas fazerem fortunas espetaculares
para tudo resultar em nada passados alguns dias. Sendo eventos de baixa
probabilidade, mas de impacto extremamente elevado, são difíceis de acontecer,
mas podendo ocorrer um dia, e se ocorrer, terá efeitos catastróficos.
Sendo esta a definição mas não
o problema real, sucede que o grande problema é que o ser humano tende a
subestimar a existência dos Cisnes Negros. Uma das razões é que, por serem tão
raros, alguns desses eventos nunca ocorreram na história. E mesmo nos casos que
surgiram, rapidamente o conhecimento humano se adaptou para mostrar que o
evento era previsível, não era aleatório. Segundo Forgotten Lore, “Um exemplo
são os economistas ‘profetas’ que afirmaram que ‘era evidente que a crise de
2008 iria ocorrer devido aos riscos dos títulos sub-prime’. Tudo isso a
posteriori, é claro”.
Neste contexto, em que a
teoria dos acontecimentos de cisnes negros é uma metáfora que descreve um
evento que surge como uma surpresa, como já vimos, tem grandes consequências e
muitas vezes só é corretamente analisado a posteriori.
Segundo o “Público”, em
janeiro de 2019, à medida que a guerra comercial com os Estados Unidos se
intensificava, o líder chinês Xi Jinping convocou uma reunião com altos
responsáveis do Partido Comunista para avisar acerca do inesperado surgimento
de “acontecimentos de cisnes negros”, que poderiam desestabilizar o regime
imposto há 70 anos. Exatamente, um ano depois, surgiu efetivamente um desafio
inesperado, não originário das salas de Washington, mas sim das bancas dos
mercados em Wuhan, por via do coronavírus. Os cidadãos chineses enfureceram-se
face à forma desajeitada como os responsáveis estatais lidaram inicialmente com
o surto, assim como as falhas dos funcionários locais em Wuhan que inicialmente
ignoraram e esconderam o coronavírus, enquanto por outro lado se juntam em
redor de Xi Jinping para o proteger como o homem que tem cultivado uma imagem de
bem-amado “líder do povo”, mantendo o mito de que ele nunca erra.
Gerry Shih, do The Washington Post questiona: “Se Xi
estava absolutamente convicto de um resultado vitorioso face à doença, por que
razão não se colocou a si mesmo a comandar e assim recolher todos os louros e
glórias?”. E acrescenta: “Como é que o partido poderia construir uma sociedade
moderadamente próspera se não restarem quaisquer pessoas?”.
Muitos relacionaram a falta
de eficácia oficial da China dos dias de hoje e os derradeiros anos da União
Soviética e insinuaram que o vírus de Wuhan poderá ser uma espécie de
equivalente a Tchernobil, considerando geralmente que o desastre nuclear de
Tchernobil, em 1986, terá acelerado o processo de colapso da União Soviética,
que se consumou poucos anos depois.
(In "Jornal fórum Covilhã", de 12-02-2020)
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