12 de fevereiro de 2020

A TEORIA DOS CISNES NEGROS

Vão correndo os tempos, e, nesta vivência, algo vai acontecendo no âmbito do inesperado.
Desde sempre as epidemias e pandemias não deixaram de grassar pelo planeta que habitamos.
A CÓLERA provocou centenas de milhares de mortos entre 1817 e 1824 e já era conhecida desde a Antiguidade. Assim como a TUBERCULOSE, atingindo um bilião de mortos ainda no mesmo século (1850-1950). A VARÍOLA dizimou 300 milhões de humanos entre 1896 e 1980. Esta doença atormentou a humanidade durante mais de 3000 anos. Figuras históricas foram atingidas por ela: o faraó egípcio Ramsés II, a rainha Maria II da Inglaterra e o rei Luís XV da França. Descobriu-se a vacina no ano de 1796 tendo sido erradicada do planeta desde 1980.
A GRIPE ESPANHOLA surge no final da I Guerra Mundial (1918 e 1919), tendo com ela morrido o presidente do Brasil, Rodrigues Alves. Foram 20 milhões de mortos, depois de 37 milhões terem perecido na Primeira Guerra Mundial. Foi assim denominada porque um dos primeiros a contrair a doença foi Afonso XIII, rei de Espanha.
Entre 1918 e 1922, 3 milhões de mortos na Europa Oriental e Rússia foram ocasionados pelo TIFO. Ele está ligado a países do Terceiro Mundo, campos de refugiados e concentração, ou guerras. Anne Frank, vítima do holocausto, morreu em consequência do tifo.
A FEBRE AMARELA foi outra das epidemias que entre 1960 e 1962 causou 30 000 mortos na Etiópia, e na América. O Brasil chegou a ser considerado um “destino perigoso” tendo sido privado do transporte marítimo e da exportação do café. Uma das vítimas desta epidemia foi D. Afonso, filho de D. Pedro II.
O SARAMPO foi uma das causas da mortalidade infantil até à descoberta da vacina em 1963.
A MALÁRIA provocou 3 milhões de mortos por ano, desde 1980, havendo registos da doença de há 4000 anos. Estima-se que desde que ela se começou a multiplicar tenham morrido entre 350 e 500 milhões de pessoas.
A AIDS (Síndroma da Imunodeficiência Adquirida) atingiu 22 milhões de mortos desde 1981, identificada nos Estados Unidos. Trata-se do vírus HIV.
A PESTE NEGRA, também conhecida por PESTE BUBÓNICA, matou grande parte da população do planeta no século XIV, principalmente de países da Europa e Ásia. E quase dizimou a humanidade há 5 mil anos atrás, deduzindo-se já ter causado mortes em humanos no Neolítico.
A doença foi sendo combatida à medida que se foi melhorando a higiene e o saneamento das cidades. Julga-se que quase metade da população europeia tenha morrido vítima da peste. Tornou-se epidemia em 1348 e afetou, além da Europa, também a China e a Índia.
Outras doenças houve: o vírus zika (3 a 4 milhões de pessoas infetadas), surto que apanhou o mundo de surpresa; um novo surto de Ebola; a rubéola; a lepra, considerada a doença mais antiga da humanidade, tendo os seus primeiros registos datado de antes de Cristo. A lepra era a grande praga da Antiguidade, relatada em livros, quadros e imagens medievais realmente pavorosas; a difteria e a escarlatina; gripe asiática em 1957; a gripe de Hong-kong, em 1968; também causaram vítimas mortais no planeta, ao longo dos tempos.
Em 12 de dezembro de 2019 foi detetado o primeiro caso do CORONAVÍRUS, em Wuhan, capital da província chinesa de Hubei, no centro do país. De então para cá o vírus espalhou-se com grande velocidade. Os cientistas, com base nos seus algoritmos, calculam que possa atingir, globalmente, 40.000 pessoas. Na altura em que redijo este texto o número de vítimas mortais atingiu já 490, havendo casos de infeção por coronavírus em mais 25 países, e, só na China, mais de 29.000 pessoas infetadas pelo vírus. Se as epidemias e pandemias são uma questão de saúde pública, também são uma questão política e de segurança.
O que é certo é que é mais um vírus da China, cuja população ainda tem muito contacto com animais selvagens. Pode também contaminar a economia mundial, como a chinesa que é a segunda maior do mundo.
E é aqui que entra a Teoria dos Cisnes Negros – eventos improváveis e com grandes consequências imprevisíveis, caso ocorram. Uma vez que este facto tenha acontecido, os Cisnes Negros tentam encontrar algum tipo de explicação, real ou inventada.
Ao contrário do conceito filosófico inicial de “problema do Cisne Preto” no qual se afirmava que todos os cisnes são brancos, mais tarde se provou falso. Houve a descoberta na Austrália, no século XVIII, de uma raça de cisnes pretos. A Teoria do Cisne Preto refere-se apenas a eventos inesperados de grande magnitude e consequências no contexto da sua influência histórica.
As ideias poderosas de Cisnes Negros foram popularizadas pelo pensador libanês Nassim Nicholas Taleb. Assim, Cisnes Negros são eventos de baixa popularidade mas de alto impacto.  Taleb trabalhou muito tempo no mercado financeiro e, neste ramo, viu várias pessoas fazerem fortunas espetaculares para tudo resultar em nada passados alguns dias. Sendo eventos de baixa probabilidade, mas de impacto extremamente elevado, são difíceis de acontecer, mas podendo ocorrer um dia, e se ocorrer, terá efeitos catastróficos.
Sendo esta a definição mas não o problema real, sucede que o grande problema é que o ser humano tende a subestimar a existência dos Cisnes Negros. Uma das razões é que, por serem tão raros, alguns desses eventos nunca ocorreram na história. E mesmo nos casos que surgiram, rapidamente o conhecimento humano se adaptou para mostrar que o evento era previsível, não era aleatório. Segundo Forgotten Lore, “Um exemplo são os economistas ‘profetas’ que afirmaram que ‘era evidente que a crise de 2008 iria ocorrer devido aos riscos dos títulos sub-prime’. Tudo isso a posteriori, é claro”.
Neste contexto, em que a teoria dos acontecimentos de cisnes negros é uma metáfora que descreve um evento que surge como uma surpresa, como já vimos, tem grandes consequências e muitas vezes só é corretamente analisado a posteriori.
Segundo o “Público”, em janeiro de 2019, à medida que a guerra comercial com os Estados Unidos se intensificava, o líder chinês Xi Jinping convocou uma reunião com altos responsáveis do Partido Comunista para avisar acerca do inesperado surgimento de “acontecimentos de cisnes negros”, que poderiam desestabilizar o regime imposto há 70 anos. Exatamente, um ano depois, surgiu efetivamente um desafio inesperado, não originário das salas de Washington, mas sim das bancas dos mercados em Wuhan, por via do coronavírus. Os cidadãos chineses enfureceram-se face à forma desajeitada como os responsáveis estatais lidaram inicialmente com o surto, assim como as falhas dos funcionários locais em Wuhan que inicialmente ignoraram e esconderam o coronavírus, enquanto por outro lado se juntam em redor de Xi Jinping para o proteger como o homem que tem cultivado uma imagem de bem-amado “líder do povo”, mantendo o mito de que ele nunca erra.
Gerry Shih, do The Washington Post questiona: “Se Xi estava absolutamente convicto de um resultado vitorioso face à doença, por que razão não se colocou a si mesmo a comandar e assim recolher todos os louros e glórias?”. E acrescenta: “Como é que o partido poderia construir uma sociedade moderadamente próspera se não restarem quaisquer pessoas?”.
Muitos relacionaram a falta de eficácia oficial da China dos dias de hoje e os derradeiros anos da União Soviética e insinuaram que o vírus de Wuhan poderá ser uma espécie de equivalente a Tchernobil, considerando geralmente que o desastre nuclear de Tchernobil, em 1986, terá acelerado o processo de colapso da União Soviética, que se consumou poucos anos depois.

(In "Jornal fórum Covilhã", de 12-02-2020)

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