15 de janeiro de 2021

SEREMOS MELHORES EM 2021 OU MAIS DO MESMO?

 

Do centro da China para a Europa, parte a dona Crise. Sua indumentária de cambiantes virulentas bate à porta do nosso país. Estávamos em março do famigerado ano. O pretérito. Primeira onda de choque muito dura. A começar de mansinho. Vítimas mortais que hoje aumentam drasticamente. Efeitos muito negativos na atividade económica imediatos. Do primeiro estado de emergência surgem renovações. Alguns ainda acreditavam que se tratava duma gripezinha. O nosso país não é aquele recanto à beira mar plantado imune. Como já se aperceberam os incrédulos. Os teimosos. Outras frases de responsáveis deste país já lá vão: o disse que não disse do “milagre português”, de Marcelo, na primeira vaga, ou, antes, logo no início, “não há grande probabilidade de chegar um vírus destes a Portugal”, de Graça Freitas. Adiante, porque, segundo o provérbio, águas passadas não movem moinhos.

Controlo de propagação do vírus. Fez-nos pensar que o pior já teria passado. Mas, no final do verão, uma segunda vaga. Aumento significativo do número de vítimas. Agravamento das dificuldades da economia. Esperança para 2021 está na vacinação. A Ciência faz a descoberta em tempo recorde.

O regresso à normalidade ainda é uma luz ténue ao fundo do túnel. Luz que começa, de quando em vez, a ficar um pouco mais distante. O surgimento de nova variante deste vírus chega a Portugal. E esta estirpe faz detetar já 16 casos no Continente e 18 na Madeira. Estamos numa terceira vaga. Ou a caminho da mesma.

Bicho-de-sete-cabeças para uns. Outros a andarem com o credo na boca. No início da pandemia pelo novo coronavírus, alguns observadores e políticos começam a considerar que estávamos perante um “cisne negro”. Na definição de Nicholas Taleb. Mas termina n’“um rinoceronte cinza”, que é uma ameaça altamente provável, de alto impacto, mas negligenciada, na expressão da analista de risco norte-americana Michele Wucker.

O ano que muitos querem esquecer, sentou mais de 350 mil portugueses por dia em frente à TV. A maioria a pagar para ver conteúdos no pequeno ecrã. Há 100 anos que não se morria tanto em Portugal.

O mesmo ano que agora deixamos para trás ficará para sempre na História. Quer queiramos quer não. Pela pandemia e pelo que ela escreveu nas nossas vidas.

Sem parar demasiado no tempo, temos o Brexit resolvido. Vamos ver os seus próximos capítulos. É o novo normal para europeus e britânicos. A partir do primeiro dia do primeiro mês do ano. Com impacto em áreas como o turismo, trabalho e estudos.

O novo ano começa com a quarta presidência portuguesa do Conselho da União Europeia.

Ainda sobre a passagem para o ano novo: fazemos sempre planos, promessas, formulamos desejos, sonhos – aquela esperança. Os efeitos brutais verificados na economia e na sociedade resultantes da pandemia de covid-19 levou-nos a uma promessa. Entre o medo daquela maldição de março a dezembro. Passaríamos a ser melhores pessoas. Então nos direcionamos em ondas de solidariedade. Assistimos e participámos nas mesmas. No âmago dos nossos sentimentos houve também aquela comoção. O notável esforço dos profissionais de saúde a tentar salvar homens e mulheres, de qualquer idade, nos cuidados intensivos dos hospitais, infetados pelo coronavírus. Por vezes num cenário quase dantesco. Num esforço hercúleo.

Recomendações do Presidente da República e do Primeiro Ministro para o rigoroso cumprimento das regras sanitárias foram persistentes. Mas muito também por via da Ministra da Saúde e da Diretora-Geral de Saúde. Igualmente de especialistas nas áreas da saúde. Mormente da infeciologia.  E não só. Diariamente nos chega a informação dos números dos falecidos, infetados e recuperados. Do país e do mundo. Pelas televisões, comunicação social, redes sociais. Conhecemos os casos da nossa região, cidade, vila ou aldeia. Lares e por aí fora.

Os desejos da maioria de nós são previsíveis na ansiedade do ano 2021. Pois que traga o fim da pandemia, vacinas para todos, recuperação económica, emprego e menos desigualdades. E, no topo da pirâmide, a saúde. Estamos fartos do “novo normal”, das máscaras, dos desinfetantes, dos riscos de contágio.

No início da pandemia seguimos as orientações públicas. Que em Portugal e noutros países foram sendo transmitidas para prevenir a segunda vaga. Mas alguns, talvez muitos, fizeram ouvidos de mercador. Não ligaram patavina às recomendações. Só colocavam a máscara (e muitas vezes com o nariz destapado) nos locais em que a isso eram obrigados. O distanciamento não era respeitado. Na dedução errónea, talvez estúpida, de que só aos outros poderia suceder o mal. O resultado é que, alguns desses, já estão fora do mundo dos vivos.  Muitos acreditámos que depois destes primeiros tempos de pandemia seríamos melhores cidadãos. E menos egoístas. Alguns até acreditaram no slogan “Vamos ficar todos bem”. A certa altura até parecia que a solidariedade e o civismo tinham vencido a doença virulenta.

Veio a segunda vaga. Pós-verão. Alguns comportamentos mudaram para pior. Outros mantiveram o seu comportamento egocentrista. Como se nada fosse com eles. Alguns de ideias retrógradas. Não perceberam. Ou não quiseram perceber a importância de seguir normas. Ainda que não concordando com tudo. O dever social e comunitário seria o de fazer tudo para reduzir o número de mortes de pessoas atingidas por um inimigo invisível. O resultado, pensamos, é a terceira vaga aí à porta.

Quando saio de casa, a primeira coisa que encontro são pessoas sem máscara na rua. Cruzando-se umas com as outras. Ou conversando como se nada existisse. Sem guardarem distâncias regulamentares nas filas para as lojas. Para já não falar noutros locais. Por exemplo, onde não há desinfeções do material utilizado pelos utentes.  Isto porque, não havendo fiscalizações pelos serviços competentes, com atuações profícuas, como a DGS, ASAE, PSP ou GNR, em muitos casos tudo gira à balda.  Utilizando o calão. Impensável que seja uma ditadura. Mas tão só no rigoroso zelo pela saúde de todos nós. Já que persistem os infratores.

Duvidamos de que o comportamento por efeito da pandemia tenha melhorado. Sobretudo naqueles homens e mulheres cujo caráter egoísta se intensificou. E não só aos da brigada do reumático.

Não se trata de pessimismo. Mas não é demais acentuar que há uma pandemia para vencer. E todas as consequências adversas que a mesma originou. Os que não quiserem colaborar, pelo que já sobejamente foi referido, também ficarão sujeitos à rejeição das suas visões egoístas. Por se preocuparem somente consigo próprios. E não olhando em redor para apoiar corajosamente todos os que lutam para manter o emprego, o sustento, o negócio. E, acima de tudo, o seu maior bem que é a saúde.


(In Jornal Quinzenário "O Olhanense", de 15-01-2021)

 

13 de janeiro de 2021

RESTA-NOS A ESPERANÇA

 

O planeta Terra completou mais uma volta ao Sol. No alfa e ómega do pretérito ano, que não deixou saudades, tudo se passou de tão estranho que a atual geração só tem memória de casos semelhantes através da história.

Nem a entrada em 2021 livrou o mundo da pandemia do novo coronavírus. Nesta translação da Terra ficamos na esperança que em 2022 já possamos respirar de alívio naquele normal da rotação deste Planeta. Este período que ainda se continua a escrever, parece demasiado longo, mas talvez seja, segundo alguns analistas, a forma de começar a alternar o sentimento de pessimismo pelo de otimismo. Venham lá os equinócios e solstícios que nos permitam caminhar ainda que num novo normal, mas que os surtos, epidemias, pandemias e endemias nos deixem em paz. Precisamos de respirar de alívio. Urgem os beijos e abraços, as palavras de conforto na proximidade dos entes queridos e amigos. O bicho invisível quis fazer dissipar as palavras afeto, ternura, afeição, carinho.

Se é certo que já estamos fartos de ouvir falar de assintomático, confinamento, estirpe, higienizar, infetado, letalidade, máscaras, pandemia, quarentena, R0 (zero), teletrabalho, zaragatoa, e outras mais designações deste tempo pandémico que estamos atravessando, não podemos deixar de refletir do porquê de, em pleno século XXI, terem acontecido no Planeta tão expressivos números de milhares e milhões de mortos e casos de infeção. Quase que foram esquecidas as preocupações no âmbito dos problemas climáticos.

A lição que agora todos estamos a levar transporta-nos para o que nos abstivemos de fazer em termos de precauções, na dedução de muitos de que se sentiam imunes e que só aos outros o perigo os poderia atingir. O resultado está à vista de todos. Mas, mesmo assim, persistem os imprudentes que por essas ruas da cidade se cruzam entre si, sem máscara, se cumprimentam da mesma forma e não respeitam o distanciamento.

Na altura em que escrevo estas linhas, Dia de Reis, fica-nos a esperança de que os presentes dos Magos, de ouro, incenso e mirra, ao Menino, possam transmitir-nos aquela sensação de poder ser a dádiva divina, como portadores das vacinas por que todos ansiamos. Será uma forma de esquecermos 2020 que foi, como por castigo, se se tivessem abatido sobre a humanidade todos os males daquela caixa de uma lenda, a de Pandora. Acontece que, na versão de Afonso Camões, “Pandora era também curiosa e atreveu-se a abrir a caixa lacrada, julgando-a vazia. Foi então que, pela tampa, se soltaram o ano de 2020, a doença, o sofrimento, o ódio, a fome, a guerra, a mentira e o medo, sobretudo medo dos outros”. E o mesmo jornalista continua que “Lá bem no fundo da caixa, que a assustadora Pandora se apressou a fechar, restava apenas algo que o mito nos reservou para a posteridade. Era a esperança!”

Pois bem, é com ela que viramos costas a esse ano maldito.

A chegada da vacina é o primeiro e mais desejado sinal de uma nova esperança, graças à comunidade científica e também à mobilização do financiamento público, em especial da União Europeia, que no dia anterior em que redijo estas palavras se iniciou em Portugal a presidência desta mesma União Europeia.


(In "Notícias da Covilhã", de 14-01-2021)

DA PRESIDÊNCIA EUROPEIA AO NOVO NORMAL COM BRITÂNICOS

 

O novo ano surge na continuidade agravada da pandemia que grassa por todo o mundo. Os comportamentos dos cidadãos redundam nesse agravamento.

Portugal, pela quarta vez na história da sua integração na União Europeia (UE) volta a assumir a presidência do seu Conselho, depois das de 1992, liderada pelo primeiro-ministro Cavaco Silva, então ainda designada Comunidade Económica Europeia (CEE); 2000, com a liderança do primeiro-ministro António Guterres; e 2007, a terceira, exercida pelo Governo liderado por José Sócrates.

Nestas presidências portuguesas foram concluídos importantes acordos europeus e contribuiu para abrir a Europa a África.

Numa retrospetiva das mesmas, vejamos:

A primeira presidência, assumida quando Portugal era há apenas seis anos membro da CEE, foi marcada pela tensão provocada pelo início das guerras que conduziram à desagregação da ex-Jugoslávia. A crise rebentou a meio do semestre da presidência, que se tinha iniciado num clima de alguma euforia pela recente aprovação do tratado que abria caminho à criação de uma moeda única, o euro. Coube a Portugal procurar uma solução política que permitisse que os dinamarqueses trocassem o “não” (num segundo referendo, ao Tratado de Maastricht, que havia sido aprovado em dezembro de 1991) pelo “sim”, que viria a realizar-se no ano seguinte. Houve uma reforma histórica da mais importante política europeia – a Política Agrícola Comum (PAC).

A segunda presidência focou-se na Estratégia de Lisboa, de modernização e reforço da competitividade e do crescimento da economia europeia. Teve como um dos pontos mais importantes a I Cimeira África-Europa, no Cairo. Portugal deparou-se com a então chamada crise euro-austríaca, em que 14 dos 15 Estados-membros congelaram relações políticas bilaterais com a Áustria pela participação no governo de coligação de Viena de membros de um partido considerado de extrema direita. A presidência portuguesa conseguiu um acordo para uma pré-solução do problema austríaco, que passava por uma avaliação independente do comportamento do governo de Viena e da evolução da natureza política daquele partido, mantendo a coesão sem isolar demasiado a Áustria. Foi possível garantir o ponto alto do calendário da presidência, a Cimeira de Lisboa, na qual foi aprovado um conjunto de reformas e planos destinados a colocar a “nova economia eletrónica”, a internet e a sociedade da informação ao serviço do crescimento económico, do emprego e da coesão social na UE.

A terceira presidência teve como a maior das prioridades a assinatura do Tratado de Lisboa, que tirou a União da crise política e institucional em que tinha mergulhado com a rejeição de uma Constituição Europeia em referendo na Holanda e em França. Visando melhor o funcionamento do bloco europeu e reforçar o seu peso político na cena internacional, o novo tratado marcou “o nascimento de uma nova Europa”, conforme disse o então presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso.

Nesta quarta presidência, liderada pelo atual primeiro-ministro António Costa, que se vai estender pelo primeiro semestre de 2021, terá desde logo como prioridades o orçamento da UE para 2021-2027, o Fundo de Recuperação pós-pandemia e o “Brexit”. Vai realizar-se com novas regras, definidas pelo Tratado de Lisboa, em vigor desde 2009. Vai ter como grandes temas o Ambiente, a Transição Digital, a Dimensão Social, a Resiliência e a Europa Global. O foco desta presidência portuguesa vai ser a Europa Social e, na vertente externa, a realização da Cimeira UE-Índia. Como “tópico fundamental”, a relação entre a UE e África. 

Também desde o mesmo dia em que se iniciou a presidência portuguesa ao Conselho da União Europeia, se tornou uma realidade o Brexit, com os cidadãos europeus e britânicos a terem de se habituar ao “novo normal” nas relações entre o Reino Unido e a União Europeia, com impacto em áreas como o turismo, trabalho e estudos. O Acordo de Comércio e Cooperação UE-Reino Unido clarificou várias questões que afetam diretamente pessoas e empresas.

Várias coisas vão mudar. Vamos esperar que as novas situações existentes venham a ser pacificadores dos problemas que tanto tempo estiveram para resolver em cima da mesa das conversações. E que na quarta presidência portuguesa do Conselho da União Europeia se possa também debater algo mais que possa trazer luz entre os parceiros da União e aquele que optou por a abandonar.


(In "Jornal fórum Covilhã", de 13-01-2021)