Longe vão os tempos que nem se
sonhava vir a existir a era digital. A minha geração jamais sentiu os efeitos
nefastos da vivência da pandemia. Sempre existiram as gripes sazonais. Que o
chazinho e o quentinho muitas vezes as debelavam. Se de maleitas se tratassem.
Outras doenças desconhecidas, mas graves, os antigos chamavam-lhes as doenças
ruins. A Ciência, teve, no entanto, na sua caminhada, os passos cada vez mais
apressados e longos. Foi-se posicionando
contra os males do planeta. Só que a voracidade do surto desta terrível doença,
numa distribuição geográfica fortemente alargada e simultânea, não teve nem tem
ainda, em muitíssimos casos, a colaboração da população para a extinguir. Que
parece brincar com o fogo.
O trabalho, fosse fabril,
comercial ou de serviços, tinha a presença das pessoas. Era personalizado.
Hoje, é feito à distância. Parecemos uns robots. As doenças do foro psíquico
parecem agora aflorar mais. O teletrabalho, muito persistente, se ajuda a
distanciarmo-nos da doença, também vem provocar outras. O social deixa de
existir. A presença física é também muito importante.
Neste contexto, começam a avolumar-se
formas abusivas de olhar com mais intensidade para o mundo do dinheiro. O que
significa, na sua generalidade, no direcionamento dos trabalhadores para o indesejável.
Recentemente, uma Seguradora
que se havia engrandecido, com uma forte notoriedade, jamais alguma vez vista
no País, sob a égide do antigo administrador, considerada vários anos como o
melhor local para se trabalhar, novos ventos obrigaram agora todos os seus
Colaboradores “de forma definitiva, a trabalhar a partir de qualquer lugar,
seguindo um modelo de trabalho remoto”. A notícia tem corrido a maioria da
comunicação social. Se o êxodo dos
melhores quadros da empresa se fez há muito sentir, quer por imposição quer
voluntariamente, os efeitos desta decisão fizeram sobressair o medo e a
revolta. Já nem uma voz existe.
Se dantes emergiram os Call Centers,
agora são estes novos meios digitais, onde a informação pelas suas redes são a
forma de contactar as pessoas. Que se vêm defraudadas. Sem respostas atempadas.
Os períodos longos de teletrabalho são nocivos para a psique da maioria dos
trabalhadores. Acrescido de dificuldades quando os colaboradores das empresas
têm crianças em casa.
No tempo em que havia tempo,
até se escreviam cartas de amor. Na década de cinquenta, vivia-se sem
telemóveis, televisão (que só chegaria em 1957), semáforos, viadutos, metro,
centros comerciais, pontes sobre o Tejo, micro-ondas, escadas rolantes,
computadores, filmes sem cortes, a Gulbenkian, o Centro Cultural de Belém, e um
sem número de comodidades. Mas havia outras distrações para esses tempos, que
mais não fossem os bailes associativos, entre outras coisas.
Quem não viveu nessa época
ignora que dar beijos glutões entre namorados era caso de polícia, por atentado
ao pudor e à moralidade pública… Se nem os cumprimentos ao feminino eram de
beijinhos, quem diria que agora até dum outro normal nos cumprimentamos à
cotovelada ou a soco…
E quem gosta do desporto-rei,
como ainda não existia televisão, todos os jogos se disputavam à mesma hora. E
não existindo, igualmente, rádios portáteis, mal acabava um jogo corria-se para
diante dos placards informativos, na avidez de conhecer os resultados
dos outros. Na Covilhã, situavam-se à porta do Turismo, então sedeado no
Pelourinho. Ou na Tabacaria Sky Neve, do Matos Pombo, onde se encontrava o Leal
dos jornais, antes do quiosque, na entrada do edifício do Solneve.
Outros tempos, outras vontades. Hoje, temos um mundo de facilidades, mas,
quando o telefone da rede continua enguiçado e nova tentativa para o aparelho
se esbarra numa voz clara e sem apelo: “Neste momento não é possível aceder ao
número que marcou. Tente mais tarde”, então lembro-me dos tempos em que se
vivia sem telemóvel e sabíamos esperar. Grande novidade tinha sido a
automatização da rede telefónica, passávamos a marcar os números em vez de
pedir a uma telefonista a bondade da ligação. Eram outros os ritmos.
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