28 de junho de 2021

CONTE-NOS A SUA HISTÓRIA - MANUEL LOPES ESPINHO FONSECA

 



Covilhanense de que muito se orgulha, nascido no ano da graça de 1945, aos dezasseis de setembro, na freguesia de Aldeia do Carvalho (hoje Vila do Carvalho).

Casado e com ter três filhas. Completou a Instrução Primária no Asilo, instalações ainda hoje devolutas, na Rua Combatentes da Grande Guerra, na Covilhã. Por aqui passaram vários alunos, entre indigentes, pobres, remediados, e de excelentes posses.

Manuel Espinho frequentaria depois a Escola Industrial e Comercial Campos Melo da Covilhã, e desempenharia as funções de empregado de escritório na empresa Hilário Dias Freire & Cª Lda até ao seu encerramento, sendo que, já depois do serviço militar obrigatório, ainda exerceu funções administrativas na Universidade da Beira Interior (UBI).

E é precisamente sobre a sua passagem pelo serviço militar, que vemos o Manuel Espinho a caminho de Castelo Branco, para iniciar a recruta no Batalhão de Caçadores 6, naquele mês de janeiro de 1966. Como quase sempre acontece, eram muitos os conhecidos, com uns a ficarem na mesma companhia e até outros no mesmo pelotão. Após a Páscoa, surgiu o período da especialidade. Manuel Espinho é então enviado para o Regimento de Artilharia Ligeira 4 (RAL 4), em Leiria, onde aqui tira a especialidade de escriturário e SPM. Oportunidade para poder alugar um quarto na cidade do Lis, onde à socapa se vestia à civil nos fins de semana com os seus camaradas… Eles eram o Arlindo, o Gato, o Luís Filipe Rodrigues e outros mais que já não recorda. Pois é, o Manuel Espinho e o Arlindo ainda arranjaram umas namoradas em Marrazes e Marinheiros. Terminada a especialidade, em meados de junho de 1966, a maioria foi colocada nas diversas unidades militares como escriturários. No entanto, o Manuel Espinho, o Gato, o Carlos Paulo Rato, o Luís Filipe, o Tomás e o Torrão, entre outros cuja memória já não lhe ajuda, foram parar à Trafaria para obterem a especialidade de operadores cripto. Aqui ficaram até 30 de setembro. Na Trafaria assinaram termos de responsabilidade face à especialidade sensível que estavam a tirar, vindo a saber-se serem destinadas aos serviços da PIDE. Sendo certo que a maior parte do dia era passado nas aulas, também é verdade que o cais onde apanhavam o barco para Belém era perto. Daqui, de elétrico, era um saltinho para a baixa alfacinha. Mas, para além de Manuel Espinho poder ir alguns fins de semana à Covilhã, de comboio, também tinha família em Lisboa, entre o Martim Moniz e a Graça, onde era recebido com muito agrado.

Em 30 de setembro de 1966, terminada a especialidade, já como 1º. Cabo, seguiram rumo a outros destinos, sendo que Manuel Espinho, e mais uma dúzia de seus camaradas, foram colocados no Quartel-General da 2ª Região Militar, em Tomar, sendo posteriormente distribuídos por unidades militares onde havia falta de criptos, só que, por azar, não necessitavam deles quer em Castelo Branco quer na Guarda. Ficou assim em Tomar.

Uns dias antes do Natal de 1966, como era costume, a malta que não estava de serviço e saía, ao regressar passava pelo Centro Cripto para ajudar caso houvesse muito serviço. Numa dessas noites, agarrando numa mensagem, decifrou-a, para ajudar como era costume. Por ironia do destino, verificou que, dessa mensagem, na parte final da mesma, reportada à sua Unidade Militar na Trafaria,  referia que estava mobilizado para Angola. Resultado: no dia seguinte já tinha guia de marcha para seguir para a Trafaria, ficando a saber que o seu batalhão pertencia ao Regimento de Infantaria de Évora, sendo o IAO em Santa Margarida, com apresentação no Batalhão de Caçadores 1903, Companhia de Caçadores 1643. Na guia de marcha para os derradeiros 10 dias da despedida dos familiares, antes do embarque para Angola, a acontecer nos princípios de janeiro de 1967, quando chegou à Companhia encontrou-se com o José Madeira (emigrado no Canadá) e com o Ludovino Pereira (que está em França), aquele como cabo condutor e este como atirador, pois pertenciam à mesma companhia do Manuel Espinho.

No dia 18 de fevereiro de 1967 embarcaram no Vera Cruz para Angola, onde o Espinho encontrou, já no barco, o seu amigo José Baltazar que vive em Cebolais de Cima.

A chegada a Luanda aconteceu em 22 de fevereiro de 1967. Aqui, Manuel Espinho teve a alegria de ser recebido pelos seus tios que viviam em Angola, no Bairro da Cuca, onde passou sempre as suas férias. Em Luanda, ao fim da tarde, encontrava-se sempre malta da Covilhã, na cervejaria Portugália.

Foi então a partida do Grafanil para o Norte. Dormiam em viaturas e, de manhã cedo, partiam para o destino: CCS Tomboco, 1643 Lufico, 1644 Zaueva, 1645 Tomboco.

Em janeiro de 1968, a Companhia foi colocada em Ambrizete (na missão). Manuel Espinho foi logo colocado no comando do setor, pois só havia um centro cripto.

Ambrizete tinha a praia junto ao quartel, bares, cinema, avião diário, uma grande sanzala, e muita garota para ajudar a passar o tempo…

Era de facto uma terra inesquecível, já com muitos civis brancos, comércio, bares, restaurantes, um clube com bilhares e snookers, ringue para futebol de salão, cinema e outros espetáculos, polícia e até posto da PIDE, hotel e lojas de roupas e utensílios diversos, avião 6 dias por semana, hospital com um médico, e igreja. Era uma zona de passagem para Noqui, S. Salvador, Santo António do Zaire. Para além disto tudo, um pôr-do-sol inolvidável. Foram, de facto, 27 meses que Manuel Espinho não esquece, por terras do Norte de Angola. Felizmente, de coisas menos boas, não tem para contar, já que por elas não passou, sendo no entanto certo que, do que sabia de negativo, face à especificidade da sua especialidade, nada podia contar a ninguém.

Terminada o seu tempo de serviço, no regresso a Portugal, embarcou no Vera Cruz, em Luanda, nos princípios de junho de 1969, chegando nove dias depois.

 

 

 

 

DO EQUINÓCIO DA PRIMAVERA AO SOLSTÍCIO DO VERÃO

 

Entre estes dois momentos do ano, dou início a este editorial para os estimados Camaradas Antigos Combatentes e Leitores em geral. Depois do que tantos de nós temos passado, será reconfortante que a encantadora primavera nos entregue ao tentador verão, que quase todos esperamos.

Outros momentos foram surgindo desde o último número deste periódico. Por exemplo, muitos já fomos vacinados contra a Covid 19. Outros continuam ainda a aguardar pela segunda dose da vacina. O desejo é de que todos nos sintamos mais protegidos e possamos voltar aos pontos de reuniões diversificadas, incluindo os convívios no espírito dos eventos tão desejados.

Na sequência do Estatuto do Antigo Combatente aprovado pela Lei n.º 46/2020, de 20 de agosto, a que fizemos referência na edição d’O Combatente da Estrela, nº. 120 de setembro de 2020, surgiu em abril a aprovação do protocolo que isenta os antigos combatentes de taxas moderadoras nas consultas, exames complementares de diagnóstico e nos serviços de urgência do SNS, estendendo-se também às viúvas e viúvos dos mesmos.

Segundo um estudo do americano John P Cann, financiado pelo Kings College de Londres, especialistas ingleses e norte-americanos estudaram comparativamente o esforço das nações envolvidas em vários conflitos em simultâneo, principalmente no que respeita à gestão desses mesmos conflitos, no campo da logística geral, do pessoal, das economias que os suportam e dos resultados obtidos. Assim, John Cann  chegou a várias conclusões, entre as quais, que em todo o mundo só havia dois países que mantiveram três teatros de operações de guerra em simultâneo: a Grã-Bretanha, com frentes na Malásia (a 9.300 Km, de 1948 a 1960 – 12 anos); no Quénia (a 5.700 Km, de 1952 a 1956 – 4 anos); e em Chipre (a 3.000 Km, de 1954 a 1959 – 5 anos); e Portugal, com a frente na Guiné (a 3.400 Km), Angola (a 7.300 Km), e Moçambique (a 10.300 Km), de 1961 a 1974 (13 anos).

Os especialistas chegaram à conclusão de que Portugal, dadas as premissas económicas, os seus recursos, a sua pequena dimensão, as dificuldades logísticas para abastecer as três frentes, bem como a sua distância, a vastidão dos territórios em causa, e a enormidade das suas fronteiras, foi aquele que melhores resultados obteve.

Consideraram por último, que as performances obtidas por Portugal, se devem sobretudo à capacidade de adaptação e sofrimento dos seus recursos humanos, à sobrecarga que foi possível exigir a um grupo reduzido de quadros dos três Ramos das Forças Armadas, com comissões atrás de comissões, com intervalos exíguos de recuperação física e psicológica e às centenas de milhares de jovens que durante 13 anos combateram naqueles territórios. Baseiam-se estas afirmações com base em observadores internacionais.

Por várias vezes foi referido, que estes homens que serviram durante estes anos na Guerra do Ultramar, só pelo facto de aguentarem este esforço sobre humano que se reflete necessariamente em debilidades precoces de saúde, mazelas para toda a vida, invalidez total ou parcial, e morte, tudo ao serviço da Pátria, merecem o reconhecimento da Nação, mas jamais lhes foi dada essa justa oportunidade. Algumas referências em momentos como nos dias 10 de Junho, não são suficientes.

Por todo o Mundo se veneram, recordam, imortalizam e se homenageiam os soldados que combateram em teatros de guerras, sejam eles vencedores ou vencidos. Mas muitos dos nossos mortos foram abandonados nos territórios africanos. Valeu o trabalho de excelência da Liga dos Combatentes, diligenciando, tanto quanto possível, que todas as ossadas dos nossos Antigos Combatentes, com as inerentes dificuldades, fossem armazenadas nos respetivos cemitérios, sob devido registo, colocando-as assim à disposição das suas famílias.

Na opinião muito racional do antigo Combatente que nos facultou estes elementos muito pertinentes, refere, e muito acertadamente, “que somos os únicos que não seguem os exemplos generalizados do tratamento diferenciado aos que serviram a Pátria em combate. E pior ainda. O cúmulo dos cúmulos. Quem combateu é censurado, vilipendiado e ostracizado. Pelo contrário, os traidores/desertores, muitos dos quais fugiram e foram viver com mordomias de príncipes e outros que ainda pululam no sistema político vigente, apelavam à morte dos soldados portugueses.”

Muitas memórias foram escritas em livros, alguns dos quais foram objeto de apresentação na Biblioteca Municipal da Covilhã (BMC), por via deste Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes.

Refiro alguns que constam da minha biblioteca pessoal e que já tive o ensejo de os ler:

- A Tropa vai fazer de ti um Homem (Guiné 1971 – 1974), de Juvenal Sacadura Amado. Apresentado na BMC em 21-04-2016.

- Cartas do Mato, por Daniel Gouveia.

- Danos Colaterais – Angola 62/64, de J. Eduardo Tendeiro.

Apresentado na BMC em 2017.

- Memórias Combatentes na guerra do Ultramar, de João Peres, Edição da Liga dos Combatentes Núcleo de Olhão, de 02-04-2016.

- Cambança Final (Guiné – Guerra Colonial) – Contos, de Alberto Branquinho. Maio de 2013.

- Filhos d’outrem ou d’algures, de Alberto Branquinho. Maio de 2015.


Outros nomes que foram objeto de informação pública, como Gente Acenando para Alguém Que Foge, romance da expedição de Paulo Faria a Moçambique; ou Memórias de um desertor, de Sérgio Palma Brito, são sempre obras a ler por quem quiser melhor conhecer realidades demasiado esquecidas, “mas que foram componentes essenciais para compreender os anos de 1969/70 do salazarismo, do colonialismo e do exílio portugueses”.

(In "O Combatente da Estrela", nº. 123-JUL/2021)

9 de junho de 2021

BORA LÁ A RELAXAR

 

Lá vai o tempo em que por aqueles anos de 2006, e seguintes, a caminho da crise cada vez mais prenunciadora, me insurgia nas páginas dos habituais periódicos regionais, e não só, pela vivência por que todos passávamos então.

Ora nesses tempos até era um risco tomar determinadas posições face à vida profissional, mas, como jamais temi assumir a minha forma de pensar, tive o privilégio de ouvir dizer de alguns serem meus leitores atentos.

Na confidência com amigos, por vezes abordava-os como é que viam a minha conduta pelas bandas onde trabalhavam. Se, no pensamento de que fosse leninista, logo me escancaravam a porta de que era visto como muito mais que isso. Não me importunei com a opinião recolhida porquanto, embora não corporizando tal tendência, o que é certo e verdade é que não era nem nunca fui de direita. Preferia, sim, ser um cidadão “às direitas”.

A procissão dos que, logo no adro, se perfilavam para tomar lugar nas primeiras filas dos chicos-espertos, e de alguns jotas de forçada habilidade, no imediato começaram a deixar marcas nos muros para onde subiam, sempre na espreitadela de ver para que lado deveriam saltar.

E assim se foram passando, e continuam, as diatribes de disputa de lugares de topo, com ou sem ventos contrários, para que se consiga agarrar a oportunidade de ficar mais próximo do palanque.

Estamos no país das maravilhas. O Novo Banco apresentou prejuízos de 1329 milhões de euros mas quer novamente distribuir pelos administradores quase dois milhões de prémios, a pagar em 2022. Cavaco Silva acusou o PS de continuar a alimentar “monstro” da despesa pública, mas esqueceu-se das suas patrióticas administrações da Nação. Mentecapto.

O melhor é bora a “esplanadar”. Nas últimas semanas assistimos a verdadeiras romarias pelas ruas das cidades, aldeias e lugarejos. Mesas das esplanadas cheias ou quase repletas, literalmente à procura de um lugar. Enchentes aqui e ali, com a primavera a convidar, sedutora. Pois é, “esplanadar” é ótimo e a restauração agradece. Assim, por exemplo, pode-se falar da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção. E, mais uma das maravilhas: de fora do decreto-lei ficam os gabinetes dos principais órgãos políticos e todos os órgãos de soberania, assim como o Banco de Portugal. Trata-se assim de uma mão cheia de nada, outra de coisa nenhuma, nas palavras da psicóloga clínica Joana Amaral Dias. Também, conforme refere um meu amigo sobre a garantia das pensões, “Em Portugal, país do Fado e das Cigarras, ninguém pensa a 20 anos, muito menos quem o deveria fazer, a classe política na qual os cidadãos votam precisamente para que o façam. Não há um só político que pense a mais de 4 anos. Só o estritamente necessário para ganhar a próxima eleição”.

Fico com esta máxima de Aristóteles: “É fazendo que se aprende a fazer aquilo que se deve aprender a fazer”. Concluo com uma breve narrativa, de sua boa memória, dum meu adorável vizinho. Corria o ano de 2017. Ao sairmos de nossas casas encontrei-me no patamar do prédio com o meu vizinho que descia do seu andar. De imediato dirigiu-se-me com voz forte e algo endurecida:

 - “Sabe que dia é hoje?! Sabe que dia é hoje?!”

- “Hoje?... Porquê?...” Respondi-lhe, de certo modo estupefacto.

- “Não sabe?! Não sabe?!” insistiu o vizinho.

- “Só se for por ser o Dia de São Pedro!...” – respondi-lhe.

- “É só para o lembrar que faz hoje 45 anos que fui castigado na Guarda, no RI 12, porque você estava de ronda e pediu-me a dispensa de recolher. Como não a tinha, mandou-me apresentar ao Oficial de Dia e depois, eu… que nunca tinha feito um serviço porque era radiotelegrafista, acabei por ser castigado com serviços de plantão”.

- “Olha para o que você se havia de lembrar, volvido tanto tempo! Eu já nem me lembrava disso mas fez-me agora avivar a memória. Foi apanhado irregularmente porque alguém nos havia avisado dessa irregularidade”.

Ora aqui está uma situação que serve para hilariar nestes tempos em que pretendemos que se rasgue definitivamente o véu dos confinamentos desta maldita pandemia. Como o meu vizinho certamente ficou aliviado da carga de encoberta raiva que sobre mim lançara, descarregando suas mágoas de muitos anos, e que eu desconhecia, fico satisfeito de o ver agora mais alegre e simpático. Por isso, bora lá a relaxar!


(In "Jornal fórum Covilhã", de 09-06-2021)