Lá vai o tempo em que por
aqueles anos de 2006, e seguintes, a caminho da crise cada vez mais prenunciadora,
me insurgia nas páginas dos habituais periódicos regionais, e não só, pela
vivência por que todos passávamos então.
Ora nesses tempos até era um
risco tomar determinadas posições face à vida profissional, mas, como jamais
temi assumir a minha forma de pensar, tive o privilégio de ouvir dizer de
alguns serem meus leitores atentos.
Na confidência com amigos, por
vezes abordava-os como é que viam a minha conduta pelas bandas onde trabalhavam.
Se, no pensamento de que fosse leninista, logo me escancaravam a porta de que
era visto como muito mais que isso. Não me importunei com a opinião recolhida
porquanto, embora não corporizando tal tendência, o que é certo e verdade é que
não era nem nunca fui de direita. Preferia, sim, ser um cidadão “às direitas”.
A procissão dos que, logo no
adro, se perfilavam para tomar lugar nas primeiras filas dos chicos-espertos, e
de alguns jotas de forçada habilidade, no imediato começaram a deixar marcas
nos muros para onde subiam, sempre na espreitadela de ver para que lado deveriam
saltar.
E assim se foram passando, e
continuam, as diatribes de disputa de lugares de topo, com ou sem ventos
contrários, para que se consiga agarrar a oportunidade de ficar mais próximo do
palanque.
Estamos no país das
maravilhas. O Novo Banco apresentou prejuízos de 1329 milhões de euros mas quer
novamente distribuir pelos administradores quase dois milhões de prémios, a
pagar em 2022. Cavaco Silva acusou o PS de continuar a alimentar “monstro” da
despesa pública, mas esqueceu-se das suas patrióticas administrações da Nação. Mentecapto.
O melhor é bora a
“esplanadar”. Nas últimas semanas assistimos a verdadeiras romarias pelas ruas
das cidades, aldeias e lugarejos. Mesas das esplanadas cheias ou quase
repletas, literalmente à procura de um lugar. Enchentes aqui e ali, com a
primavera a convidar, sedutora. Pois é, “esplanadar” é ótimo e a restauração
agradece. Assim, por exemplo, pode-se falar da Estratégia Nacional de Combate à
Corrupção. E, mais uma das maravilhas: de fora do decreto-lei ficam os gabinetes
dos principais órgãos políticos e todos os órgãos de soberania, assim como o
Banco de Portugal. Trata-se assim de uma mão cheia de nada, outra de coisa
nenhuma, nas palavras da psicóloga clínica Joana Amaral Dias. Também, conforme
refere um meu amigo sobre a garantia das pensões, “Em Portugal, país do Fado e
das Cigarras, ninguém pensa a 20 anos, muito menos quem o deveria fazer, a
classe política na qual os cidadãos votam precisamente para que o façam. Não há
um só político que pense a mais de 4 anos. Só o estritamente necessário para
ganhar a próxima eleição”.
Fico com esta máxima de
Aristóteles: “É fazendo que se aprende a fazer aquilo que se deve aprender a
fazer”. Concluo com uma breve narrativa, de sua boa memória, dum meu
adorável vizinho. Corria o ano de 2017. Ao sairmos de nossas casas encontrei-me
no patamar do prédio com o meu vizinho que descia do seu andar. De imediato
dirigiu-se-me com voz forte e algo endurecida:
- “Sabe
que dia é hoje?! Sabe que dia é hoje?!”
- “Hoje?... Porquê?...” Respondi-lhe,
de certo modo estupefacto.
- “Não sabe?! Não sabe?!” insistiu o vizinho.
- “Só se for por ser o Dia de São Pedro!...” – respondi-lhe.
- “É só para o lembrar que faz hoje 45 anos que fui castigado na Guarda,
no RI 12, porque você estava de ronda e pediu-me a dispensa de recolher. Como
não a tinha, mandou-me apresentar ao Oficial de Dia e depois, eu… que nunca
tinha feito um serviço porque era radiotelegrafista, acabei por ser castigado
com serviços de plantão”.
- “Olha para o que você se havia de lembrar, volvido tanto tempo! Eu já
nem me lembrava disso mas fez-me agora avivar a memória. Foi apanhado
irregularmente porque alguém nos havia avisado dessa irregularidade”.
Ora aqui está uma situação que serve para hilariar nestes tempos em que pretendemos
que se rasgue definitivamente o véu dos confinamentos desta maldita pandemia.
Como o meu vizinho certamente ficou aliviado da carga de encoberta raiva que
sobre mim lançara, descarregando suas mágoas de muitos anos, e que eu
desconhecia, fico satisfeito de o ver agora mais alegre e simpático. Por isso,
bora lá a relaxar!
(In "Jornal fórum Covilhã", de 09-06-2021)
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