17 de novembro de 2021

QUO VADIS, ESQUERDA! DIREITA! VOLVER!?

 

Ainda faltam quatro anos e quase dois meses para completarmos o primeiro quarto do século XXI. Ele que começou mal em todo o mundo. Memórias terríveis certamente em muitos habitantes deste planeta.

No meio deste mar de problemas, Portugal foi poupado a muitas desgraças, como o terrorismo. Tivemos também a nossa quota-parte nas contrariedades. Para além de incêndios florestais como nunca se tinham visto, foram duas décadas de fraco crescimento económico, partilhando, com excesso, as crises financeiras e de austeridade. Conhecemos o maior embuste financeiro da história deste país.

Mas viria a surgir o “milagre” económico português com Mário Centeno, ministro das Finanças, a colocar o nosso País a crescer acima da média europeia nos últimos anos, com o défice público reduzido a mínimos, a superar 2014 com 7% do PIB e a fechar 2018 em apenas 0,4%. O reconhecimento internacional é indubitável, com as três principais agências de classificação a retirarem o país do nível “lixo”. Foi o homem que chegou a um partido que fora corrido do poder por causa de uma bancarrota, e que enquanto estava na oposição atacava “a obsessão do défice” dos outros, mas que, regressado ao Governo, chegou ao ponto de espalhar pelo país cartazes que celebravam “o défice mais baixo da história da democracia” e de exultar com o primeiro superavit do regime.

A pandemia, entretanto, veio manchar este desanuviar económico do país que, tal como por quase toda a Europa, viria a ver uma luz sorrir com a anunciada “bazuca” europeia, por via do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

Assim, a crónica de Vasco Pulido Valente, sob o título “A geringonça”, datada de 31 de agosto de 2014, publicada no Público, aplicada com o sentido depreciativo ao PS de António José Seguro, viria com este termo a ganhar, nacional e internacionalmente, um sentido positivo e elogioso. Neste paradoxo, a aliança parlamentar estabelecida entre o líder do PS, António Costa, e o BE, o PCP e o PEV, permitir-lhe-ia governar até ao chumbo do orçamento no passado dia 27 de outubro.

Com a insólita, ou talvez não, não aprovação do Orçamento de Estado para 2022, e consequente dissolução da Assembleia da República e marcação de eleições antecipadas, surgem muitas análises, muitos comentários, sendo certo que o Partido Comunista, acusado de ter alinhado ao lado da direita, consequentemente ao lado do CHEGA, direita radical, “vai pagar caríssimo”, na opinião do sociólogo António Barreto. “O voto contra, ao lado da direita, é dizer que a direita tem razão quando quer cortar salários”. Já António Costa antevê uma vitória de Pirro para a direita.

Com o Presidente da República no seu labirinto a tentar encontrar uma solução e a esquerda a mostrar receios, com a evidente fisionomia de Jerónimo de Sousa na sua expressão recordando que “nada obriga” à dissolução do Parlamento, naquele provérbio de “burro morto, cevada ao rabo”, também com a entrevista de Vasco Cardoso, membro da comissão política do PCP, dada a Rosália Amorim, diretora do Diário de Notícias conjuntamente com Pedro Cruz, da TSF, foi direcionada no mesmo sentido. Os receios persistem.

Já a direita também não está melhor, com a luta interna para a liderança das forças do CDS-PP e do PSD, com os protagonistas Francisco Rodrigues dos Santos e Nuno Melo, pela banda do CDS; e Rui Rio e Paulo Rangel, nas hostes do PSD.

Vamos ver se esta embrulhada em que os partidos da esquerda se quiseram envolver contra o Governo, não lhes vai resultar “num tiro a sair pela culatra”.

Jorge Almeida Fernandes, in Público, sobre a inesperada rutura da “geringonça”, mas que também não pode ser considerada uma surpresa, analisa o PCP na pessoa de Jerónimo de Sousa como “os restos do muro de Berlim que voltaram a erguer-se” e que o PCP regressa ao estilo tribunício.

Nesta conduta algo inédita, a posicionarem-se para a fotografia, orgulhosas, tanto a esquerda à esquerda do PS, como a direita, com honrosas exceções para o PAN e as duas deputadas não inscritas, vamos ver se não vai resultar numa hecatombe política sobre aquelas forças.

E, depois já não vale a pena chorar sobre o leite derramado. Sim, Quo Vadis, Esquerda! Direita! Volver!?

(In "Jornal fórum Covilhã", de 17-11-2021)

3 de novembro de 2021

A EXEMPLO DE DRAGHI

 

Estamo-nos aproximando da porta de entrada daquele período do ano próprio da gripe sazonal. Dos costumes, a precaução. Corpo mais agasalhado. Evitar contágios. Os mais idosos, alguns, aceitam vacinar-se. Não querem o estado mórbido desta gripe. Houve os anos precedentes à atual pandemia. Muitos foram os que rejeitaram vacinar-se. Nas suas mentes, o perigo iminente de uma situação muito grave não se faria sentir. Chazinho quente com a medicação apropriada resolviam o problema. Podiam solucionar, ou talvez não, no imediato. Mas veio a Covid-19. A caminho de dois anos com o nome pomposo de Coronavírus SARS-COV-2. O resultado é sobejamente conhecido do cosmopolitismo. A dita cuja não abranda. Parecia que sim. Vai-nos enganando. Com outros cambiantes na sua rota devastadora. Os descrentes da gripe sazonal convertem-se. Querem agora a ditosa picadela. Não vá o diabo tecê-las. É melhor prevenir que remediar. Os provérbios continuam na sua sapiência ancestral.

Confinamentos obrigatórios por toda essa Europa e Mundo fora. Cercas e cordões sanitários. Também por cá, na Lusa Pátria tal se passou. Entretanto, se ia aliviando por alguns tempos, logo surgiam aqui e acolá, alguns surtos. Muitos surtos pandémicos.

Procurava-se não haver desânimo. O deserto era intenso e imenso. Começava a haver a nostalgia de outros tempos. Afinal, até aqui éramos felizes sem o saber! Nem nos passava pela cabeça o que contaram os nossos avós. Aqueles do início do século XX. As pandemias dos seus tempos. Para já não se falar da história da humanidade. Vivíamos agora uma nova pandemia, com várias vagas. Que saturação!

Só se resolve quando for criada uma vacina! Mas ela surgiu. Foram, aliás, várias em tempo record. Continuava a contagem de infetados pelo novo Coronavírus. Também de doentes internados nos cuidados intensivos e das mortes. Leva-nos para uma situação assustadora.

Um pequeno lenitivo surge em Portugal.  Ao atingir-se a fase de imunidade à Covid 19, com o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo a dar por terminada a missão da Task Force do Plano de vacinação contra a Covid-19. Era já 85% da população vacinada.

Mas há os resistentes que não pretendem o desiderato da generalidade dos portugueses. São os negacionistas. Nem a verem a morte à frente dos olhos acreditam! Nem com o impacto dantesco que houve noutros países, como a Itália.

 A vacinação contra a Covid-19 é voluntária. Apenas é vacinado quem o deseja.

Os casos provocados por este Coronavírus persistem. A pandemia por COVID-19 ainda não está dominada. A vacina continua a ser a principal solução para tentar limitar o número de mortos e internamentos.  Nos EUA os hospitais estão sobrecarregados por surtos graves da variante delta. Os seguros americanos têm vindo a adaptar-se ao estado da pandemia. Sustentam o tratamento das doenças, incluindo as hospitalizações. Ser hospitalizado por causa da COVID-19 nos EUA fica caro. Nesse sentido, alguns hospitais estão a apresentar contas diferentes aos infetados. Os que têm ou não seguro. Há seguros que excluem simplesmente estados de pandemia. Evitam-se aumentos do seguro ou pagamentos diretos ao hospital. As pessoas são incentivadas a vacinarem-se.

A Itália passa a exigir passaporte sanitário a todos os trabalhadores. Medida aplica-se ao público e ao privado. Quem não exibir o passaporte sanitário fica impedido de aceder ao seu local de trabalho. Ou arrisca-se a pesadas multas. Determinação do primeiro-ministro, Mario Draghi. Acontece a partir de 15 de outubro. São consideradas ausências injustificadas, incluindo-se nelas  os feriados ou de descanso semanal. E isto apesar de estar excluída a hipótese de despedimento pelo facto de não possuírem passaporte sanitário.

Por que não adotar esta conduta também em Portugal?

Estamos na semana em que se sabe que uma nova subvariante da Delta, a AY.4.2, está a ter grande impacto epidemiológico. Leva alguns países de novo ao confinamento. A diretora-geral da Saúde, Graça Freitas tem uma entrevista ao Diário de Notícias. Do ponto de vista do vírus, “ainda há para saber e em aberto”. As medidas de proteção individual continuam a ser fundamentais. No Plano Referencial Outono-Inverno 2021-2022 estão previstos três cenários. “O primeiro é o que vivemos, perfeitamente estável. O segundo é aquele em que a efetividade da vacina começa a cair. Haverá necessidade de fazer reforços para aumentar a proteção da população. É o que estamos a fazer agora com os maiores de 65 anos.  O terceiro, o pior, é aquele em que apareceria uma nova variante. Mais agressiva. Com capacidade para escapar ao nosso sistema imunitário. Estas três realidades têm que estar sempre presentes até que o vírus termine o seu percurso entre nós.”

Vamos todos ser responsáveis. Não só para nosso bem como também para os que nos rodeiam.

(In "Notícias da Covilhã", de 04-11-2021)


A HISTÓRIA DO CASAL DE VELHINHOS SEQUESTRADOS PELA NEVE

 

Devagar, devagarinho, vamos caminhando por este outono fora, até que chegará o tal tempo de invernia, que poderá já não ser como noutros tempos, mas agora com as cautelas julgadas mais que necessárias neste tempo pandémico. Que não dá azos de abrandar.

Corria o mês de fevereiro do ano da graça de 1900, último ano do século XIX. Estávamos no alvor do surgimento das Conferências de São Vicente de Paulo também na Covilhã.  Para dar voz àqueles que mais necessitavam. Na Diocese da Guarda havia na cidade a única Conferência com o nome de S. Luís Gonzaga, fundada nove anos antes (01/12/1891) que lutava com grande dificuldade apesar da esmola superior a 400$00 com que o Prelado a contemplava. Tinha esta Conferência vários sacerdotes como seus membros, entre os quais o anterior bispo, D. Tomaz Gomes de Almeida. De qualquer modo, o bispo D. Manuel Vieira de Matos, também considerando indispensável a ação da Sociedade de S. Vicente de Paulo, ajudou a levantar a Conferência da Guarda que entrara em grande declínio.

Volvidos oito anos, é na Covilhã que começa a força impulsionadora vicentina – um pouco tardia é verdade, mas que com a sua vontade indómita viria a superar todas as da Diocese.

A primeira Conferência Vicentina na cidade dos lanifícios foi fundada na Igreja de Santa Maria Maior, sob a invocação de Nossa Senhora de Lourdes, em 12 de novembro de 1899. Foi eleito presidente o Dr. José Thomaz Mendes Megre Restier e entre os seus sócios ativos contavam-se o Dr. José Mendes Alçada de Paiva, Alfredo Baptista, Sebastião António da Costa Ratto, João da Costa Ratto, Manuel d’Almeida Cipriano, Camilo Ribeiro, Alexandre Espiga, José A. Thomaz Freire, Padre José da Costa Tavares, então prior da freguesia de Santa Maria, José Marques Braz Povo, a cujo zelo se devem a fundação de outras Conferências na Cidade, e Claudino Dias A. e Rosa, Francisco Petrucci e Francisco Fiadeiro.

A todos os seus títulos de benemerência sobreleva a fundação do Albergue dos Pobres em 1900 (hoje Lar de São José), sendo presidente o Dr. José Mendes Alçada de Paiva.

O Relatório das Conferências de S. Vicente de Paulo, da diocese do Porto, relativo a 1902, refere-se a essa Obra: “Contando pouco mais de dois anos de existência, esta bela obra atingiu um grau de prosperidade que decerto os seus beneméritos fundadores estavam longe de esperar e que raras instituições daquela natureza conseguem atingir nos mais dilatados prazos.

A ideia da instituição do Albergue para os pobres partiu de um dos nossos mais dignos confrades que em fevereiro de 1900 foi encontrar, num pobre casebre, sequestrados pela neve e morrendo de fome, dois desgraçados velhinhos octogenários, marido e mulher, a quem o formidável nevão do dia 1 prendera em casa, obstando a que pudessem ir mendigar o pão quotidiano.

Comunicada a ideia à Conferência, desde logo começaram a trabalhar os confrades com tanto zelo e tanta inteligência, angariando esmolas e donativos e fazendo propaganda aturada e eficaz, que, poucos dias volvidos, havia os meios necessários para a instalação.

Nessa cruzada foram auxiliados os confrades por uma comissão de senhoras composta por D. Maria da Anunciação Tavares, D. Ana Augusta Fonseca Ferreira e D. Clotilde Terenas, que, percorrendo a cidade e as povoações do Concelho, trouxeram abundante colheita para os pobrezinhos. Mais tarde, estas e outras senhoras, fundavam a Sociedade feminina de S. Vicente de Paulo, ereta em Santa Maria Maior da Covilhã em 16 de novembro de 1905, sendo a sua primitiva direção: D. Leopoldina Rato, presidente; D. Ana Ferreira, tesoureira; e D. Maria da Glória M. Ferreira, secretária; e assistente eclesiástico, presidente honorário, o Padre José da Costa Tavares. Esta Sociedade mereceu sempre as bênçãos dos desvalidos e o respeito e a admiração de todos os covilhanenses. No seu último relatório, referente ao ano findo, consigna que além de muitos socorros e subsídios que espalhou, promoveu a realização de 23 casamentos e de 14 batizados, distribuindo 349 peças de vestuário executadas na sua “Casa de Trabalho” de que continuou a dirigir e a proteger o “Patronato feminino”.

Estava fundado o Albergue, recebendo desde logo 14 pobres. Em dezembro do mesmo ano recolhia já 27.

Continuando a afluir os donativos, a Conferência foi alargando o quadro dos seus pobres, sendo já 32, em dezembro de 1902, os sustentados por esta instituição. Desde logo começou a Conferência a empenhar-se por entregar o Albergue às Irmãzinhas dos Pobres porque só elas poderiam dirigi-lo e desenvolvê-lo vantajosamente. Removidas todas as dificuldades, viu a Conferência coroados os seus esforços do melhor êxito, porque em 10 de junho de 1902 chegava à Covilhã um grupo de irmãzinhas que foram recebidas festivamente pela população covilhanense.

No dia aprazado para a sua chegada, sem convite especial da Conferência, eram as boas Irmãzinhas esperadas na estação por numerosas damas e cavalheiros, que lhes oferecendo uma carruagem, as acompanharam até ao edifício do Albergue. O Albergue esteve no princípio instalado numa casa em frente da Igreja de S. Martinho e em seguida na casa chamada dos doutores Grainhas, que então pertencia a esse sobrinho Padre Francisco de Sales B. Grainha, S.J. Foi par aqui que vieram as Irmãzinhas dos Pobres e permaneceram durante mais de dois anos até que puderam comprar aos herdeiros Marques de Paiva o belo edifício, donde as expulsaram em 1910 e onde atualmente se encontra ainda o Albergue. Ali foram aguardadas pelo povo que as aclamou. E entrando na capela, foram surpreendidas pela chuva de flores que caia dos coros.

Cantou-se uma missa solene e o Te-Deum. E em seguida apresentaram-lhes os velhinhos albergados, a quem encheram de carinhos e mimos.

Poucos dias depois da sua instalação, admitiam mais velhinhos, que em breves dias chegavam a 45 e depois quase duplicaram”.

No dia da sua chegada, foi-lhes entregue a quantia de 400$000 – todo o saldo que a Conferência então possuía – pelo seu tesoureiro, Alexandre P. Espiga.

Quando em 1908 se celebraram as Bodas de Diamante das Conferências de S. Vicente de Paulo, havia na Covilhã um Conselho Particular, que já abrangia na sua circunscrição três Conferências: a de Nª Sª de Lourdes, a da Imaculada Conceição, fundada em 19 de março de 1903 e a de S. Pedro inaugurada em 29 de junho de 1905. Em S. Martinho só em 1911 se fundou uma Conferência agregada em 22 de maio desse ano.

Estas Conferências, onde sempre viveu o espírito de S. Vicente de Paulo e a boa doutrina de Ozanam, ressentiram-se, contudo, nas perturbações religiosas e sociais que acarretou o movimento revolucionário de 1910, e em 4 de janeiro de 1920 foi resolvido reunir numa só as 4 Conferências da cidade. Organizou-se nessa ocasião a “Agremiação de Recreio e Beneficência” que no artº. 2.º dos seus estatutos preceitua: “que auxiliará obras de beneficência e caridade na medida da sua capacidade moral e intelectual, tendo sempre um especial carinho para as Conferências de S. Vicente de Paulo.” Nomeou-se então uma Comissão provisória; mas a vida da Conferência continuou débil e precária até maio de 1922, em que se elegeu uma nova Comissão, que procurou dar-lhe alento e desenvolvê-la, e principalmente angariar novos sócios – conseguindo esse desiderato a ponto de em fevereiro de 1924 se poder desdobrar de novo em quatro, correspondentes às freguesias da Cidade.

Foi durante esta gerência que se pensou em fundar um Pavilhão para tratamento da tuberculose anexo ao Hospital.

Se é verdade que cada Conferência tem a sua vida própria, é igualmente certo que se encontram ligadas pelo mesmo laço, o Conselho Particular, atualmente designado Conselho de Zona, que orienta e conjuga os seus esforços, e não podem ser indiferentes, como ramos do mesmo tronco, indicadas na mesma salutar aspiração.

(In "O Olhanense", de 01 de novembro 2021)