16 de março de 2022

ACIRRADOS: DAVID E GOLIAS OU O LOBO E O CORDEIRO

 

A caminho de algum lenitivo face ao abrandamento da pandemia que afetou todo o Planeta, todas as gerações do século XXI e a grande maioria do século que o precedeu jamais passara por uma situação como aquela que agora vivemos.

Estávamos já a respirar de algum alívio, num novo mundo, quando surge um Golias diabolizado que há muito ia espreitando a oportunidade de, pensando ser trigo limpo, querer dissipar o pequeno David – Zelensky.

Estávamos naquela quinta-feira de 24 de fevereiro quando o “Golias” Putin, não à frente do seu Exército – o segundo mais poderoso de todo o mundo – mas a agitá-lo à distância, iniciou a conquista pela força de regiões inteiras no país vizinho – Ucrânia, que ocupa o 22.º lugar deste ranking, com um pequeno mas grande “David “  em Kiev.

Durante semanas, o russo Putin garantiu que o destacamento de 150 mil soldados russos e de colunas com tanques e camiões se destinavam apenas à realização de exercícios militares. Mas mais não era, como já se adivinhava, de planear uma invasão ao país vizinho – Ucrânia. Já recentemente havia decidido reconhecer como países independentes as autoproclamadas repúblicas de Donetsk e de Lugansk cujas capitais estão ocupadas por forças pró-russas desde 2014. O “Golias” querendo utilizar algum ardil dizia que eram “forças de manutenção da paz” – a paz diabolizada de Putin, no seu chico-espertismo.

 

Extramuros, do lado da União Europeia, surgem as contribuições para as fundas das primeiras pedras em defesa do pequeno David, com um primeiro conjunto de sanções que teve como alvo as entidades que financiam estas operações militares, bem como os indivíduos responsáveis por esta desastrosa decisão invasora: fortunas congeladas e os britânicos a colocarem ponto final nos programas “vistos gold”. Os alemães, já sem a senhora Angela Merkel, mas com o então novo chanceler alemão a anunciar a suspensão do gasoduto Nord Stream 2, um enorme empreendimento que liga a Rússia e a Alemanha através do mar Báltico, uma oportunidade de ouro para aumentar a capacidade de exportação de gás natural russo para o mercado europeu a preços baixos, pois que, neste caso insofismável, temos que compreender que nem tudo o que luz é ouro.

Para grande estupefação da Europa que já não presenciava nada assim há muito tempo, e até pensava não mais vir a assistir a tão lamentável dilaceração duma parte deste Continente, vê chegar não a sombra de uma nova guerra fria, nas memórias do bíblico Golias, ou mesmo de Nero, mas do passado a papel químico Hitler versus Putin.

 

A União Europeia, ainda não totalmente refeita duma das suas parcelas desavindas, viu o Reino Unido dar uma resposta à Rússia, à altura da gravidade da situação, congelando atividades bancárias, bens de oligarcas, ao mesmo tempo que apelava à exclusão da Rússia do sistema de pagamentos SWIFT. Será caso para dar o grito do Ipiranga: Viva o Brexit!

 

Conforme refere Jorge Almeida Fernandes, in Público, “Décadas sem guerras de potências mudaram a mentalidade dos europeus. A comemoração do 70º aniversário do fim da II Guerra Mundial garantia o fim das guerras no Continente”. E transcreve da americana Rosa Parker que “Passámos anos a acreditar que a guerra e o terror iam acabar e que as liberdades seriam garantidas”.

 “Tal como Heródoto escrevera há dois milénios e meio: ‘Ninguém é suficientemente insensato para preferir a guerra à paz. Nos tempos de paz, os filhos enterram os pais; nos tempos de guerras, os pais enterram os filhos’”.

Em 2014, tivemos um aviso: a Rússia anexou a Crimeia e os russófilos ucranianos ocuparam parte do Donbass. Foi a primeira anexação territorial pela força, na Europa, desde 1945. Pelo que se infere que o que agora sucede começou em 2014.

Para compreender a fixação de Putin com a Ucrânia torna-se necessário ir à sua juventude, ele que nasceu em 7 de outubro de 1952 em Leninegrado, atual São Petersburgo. Cresceu, como tantos da sua geração, sujeitos à força da propaganda soviética. Portanto, ainda tem frescas as feridas do colapso da União Soviética e da perda da sua esfera de influência. Por isso, este ditador já considerou o fim da União Soviética como “a maior catástrofe do século XX”, pior na sua opinião do que as duas guerras mundiais. No discurso em que reconheceu a independência de Donetsk e Lugansk, Putin voltou a 1991 para argumentar que a Ucrânia não é “um Estado”, tendo sido “roubada” à Rússia pelo colapso da União Soviética.

Este Putin – o homem mais solitário do mundo – e o seu regime escondem na mentira e na dissimulação uma vontade de poder insaciável. Parece encontrar-se perdido nos seus discursos demenciais e belicistas.

E no meio de tanta desgraça ocasionada pela vontade de um único homem, maldito Putin, não obstante procura de acabar com a guerra na Ucrânia, nas conversações para a paz, se é de paz que ele alguma vez lhe interessa falar, atribui culpas à Ucrânia, a qualquer jeito, como na fábula de La Fontaine, “O Lobo e o Cordeiro”, donde extraio um pequeno excerto, depois da fábula prosseguir com provocações grosseiras por parte do lobo, que o cordeiro foi tentando rebater. Mas o lobo estava, tal como Putin, desde o princípio, determinada a comer o pequeno animal. Por isso, sem piedade, e de todo indiferente à razão decidiu atacar e matar o cordeirinho: “Esta fábula dá brados/Contra aqueles insolentes/ Que por delitos fingidos/Oprimem os inocentes”.

E, para vergonha nacional, o PCP, através dos seus responsáveis, alguns tentando desculpas esfarrapadas, colocaram-se ao lado de Putin, rejeitando sanções aprovadas pela União Europeia. Se este Partido Comunista Português já se encontra em decadência, com este tiro nos pés, mais afundou o seu barco a navegar em águas turvas e turbulentas.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In "Jornal Fórum Covilhã", de 16-03-2022)

Sem comentários: