A caminho de algum lenitivo face
ao abrandamento da pandemia que afetou todo o Planeta, todas as gerações do
século XXI e a grande maioria do século que o precedeu jamais passara por uma
situação como aquela que agora vivemos.
Estávamos já a respirar de algum
alívio, num novo mundo, quando surge um Golias diabolizado que há muito ia
espreitando a oportunidade de, pensando ser trigo limpo, querer dissipar o
pequeno David – Zelensky.
Estávamos naquela quinta-feira de
24 de fevereiro quando o “Golias” Putin, não à frente do seu Exército – o
segundo mais poderoso de todo o mundo – mas a agitá-lo à distância, iniciou a
conquista pela força de regiões inteiras no país vizinho – Ucrânia, que ocupa o
22.º lugar deste ranking, com um pequeno mas grande “David “ em Kiev.
Durante semanas, o russo Putin
garantiu que o destacamento de 150 mil soldados russos e de colunas com tanques
e camiões se destinavam apenas à realização de exercícios militares. Mas mais
não era, como já se adivinhava, de planear uma invasão ao país vizinho –
Ucrânia. Já recentemente havia decidido reconhecer como países independentes as
autoproclamadas repúblicas de Donetsk e de Lugansk cujas capitais estão
ocupadas por forças pró-russas desde 2014. O “Golias” querendo utilizar algum
ardil dizia que eram “forças de manutenção da paz” – a paz diabolizada de Putin,
no seu chico-espertismo.
Extramuros, do lado da União
Europeia, surgem as contribuições para as fundas das primeiras pedras em defesa
do pequeno David, com um primeiro conjunto de sanções que teve como alvo as
entidades que financiam estas operações militares, bem como os indivíduos
responsáveis por esta desastrosa decisão invasora: fortunas congeladas e os
britânicos a colocarem ponto final nos programas “vistos gold”. Os
alemães, já sem a senhora Angela Merkel, mas com o então novo chanceler alemão
a anunciar a suspensão do gasoduto Nord Stream 2, um enorme empreendimento que
liga a Rússia e a Alemanha através do mar Báltico, uma oportunidade de ouro
para aumentar a capacidade de exportação de gás natural russo para o mercado
europeu a preços baixos, pois que, neste caso insofismável, temos que compreender
que nem tudo o que luz é ouro.
Para grande estupefação da
Europa que já não presenciava nada assim há muito tempo, e até pensava não mais
vir a assistir a tão lamentável dilaceração duma parte deste Continente, vê
chegar não a sombra de uma nova guerra fria, nas memórias do bíblico Golias, ou
mesmo de Nero, mas do passado a papel químico Hitler versus Putin.
A União Europeia, ainda não totalmente
refeita duma das suas parcelas desavindas, viu o Reino Unido dar uma resposta à
Rússia, à altura da gravidade da situação, congelando atividades bancárias,
bens de oligarcas, ao mesmo tempo que apelava à exclusão da Rússia do sistema
de pagamentos SWIFT. Será caso para dar o grito do Ipiranga: Viva o Brexit!
Conforme refere Jorge Almeida Fernandes, in Público, “Décadas sem
guerras de potências mudaram a mentalidade dos europeus. A comemoração do 70º
aniversário do fim da II Guerra Mundial garantia o fim das guerras no
Continente”. E transcreve da americana Rosa Parker que “Passámos anos a
acreditar que a guerra e o terror iam acabar e que as liberdades seriam
garantidas”.
“Tal como Heródoto escrevera há
dois milénios e meio: ‘Ninguém é suficientemente insensato para preferir a
guerra à paz. Nos tempos de paz, os filhos enterram os pais; nos tempos de
guerras, os pais enterram os filhos’”.
Em 2014, tivemos um aviso: a Rússia anexou a Crimeia e os russófilos
ucranianos ocuparam parte do Donbass. Foi a primeira anexação territorial pela
força, na Europa, desde 1945. Pelo que se infere que o que agora sucede começou
em 2014.
Para compreender a fixação de Putin com a Ucrânia torna-se necessário ir
à sua juventude, ele que nasceu em 7 de outubro de 1952 em Leninegrado, atual
São Petersburgo. Cresceu, como tantos da sua geração, sujeitos à força da
propaganda soviética. Portanto, ainda tem frescas as feridas do colapso da
União Soviética e da perda da sua esfera de influência. Por isso, este ditador
já considerou o fim da União Soviética como “a maior catástrofe do século XX”,
pior na sua opinião do que as duas guerras mundiais. No discurso em que
reconheceu a independência de Donetsk e Lugansk, Putin voltou a 1991 para
argumentar que a Ucrânia não é “um Estado”, tendo sido “roubada” à Rússia pelo
colapso da União Soviética.
Este Putin – o homem mais solitário do mundo – e o seu regime escondem na
mentira e na dissimulação uma vontade de poder insaciável. Parece encontrar-se
perdido nos seus discursos demenciais e belicistas.
E no meio de tanta desgraça ocasionada pela vontade de um único homem,
maldito Putin, não obstante procura de acabar com a guerra na Ucrânia, nas
conversações para a paz, se é de paz que ele alguma vez lhe interessa falar,
atribui culpas à Ucrânia, a qualquer jeito, como na fábula de La Fontaine, “O
Lobo e o Cordeiro”, donde extraio um pequeno excerto, depois da fábula
prosseguir com provocações grosseiras por parte do lobo, que o cordeiro foi
tentando rebater. Mas o lobo estava, tal como Putin, desde o princípio,
determinada a comer o pequeno animal. Por isso, sem piedade, e de todo
indiferente à razão decidiu atacar e matar o cordeirinho: “Esta fábula dá
brados/Contra aqueles insolentes/ Que por delitos fingidos/Oprimem os
inocentes”.
E, para vergonha nacional, o PCP, através dos seus responsáveis, alguns
tentando desculpas esfarrapadas, colocaram-se ao lado de Putin, rejeitando
sanções aprovadas pela União Europeia. Se este Partido Comunista Português já
se encontra em decadência, com este tiro nos pés, mais afundou o seu barco a
navegar em águas turvas e turbulentas.
João de Jesus Nunes
jjnunes6200@gmail.com
(In "Jornal Fórum Covilhã", de 16-03-2022)
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