20 de julho de 2022

ESTÓRIAS DE UM ARQUIVO JUDICIAL - A GRANDE DEVASSA E OUTRAS ESTÓRIAS

 


ESTÓRIAS DE UM ARQUIVO JUDICIAL – A GRANDE DEVASSA E OUTRAS ESTÓRIAS

Este é o segundo livro do juiz desembargador do Tribunal da Relação de Coimbra, Dr. José Avelino Gonçalves, que na Covilhã permaneceu vários anos então como juiz presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, e que na Cidade laneira e universitária, assim como na região, deixou grandes amizades e reconhecida competência.

Esta valiosíssima obra, obtida como a anterior, em 2020, da recolha de entre o pó dos sótãos onde os arquivos se tumulavam, reforça outras estórias quão interessante como de reais que ficariam para sempre sem qualquer utilidade, não fosse a paciência, sacrifício e tenacidade deste Homem – Juiz e Escritor – como já me havia referido num escrito em dezembro de 2020.

Acabei de ler este segundo livro e, não obstante dentre de algumas horas ir gozar uns dias de férias com a família, não podia deixar de digitar no teclado do meu computador um breve apontamento de várias estórias recolhidas pelo amigo autor desta nova publicação que me seduziu com memórias que, de algumas personagens ou referências das mesmas me transportaram para tantos assuntos que a esta região dizem respeito.

Por falta de espaço e de tempo, porque estou a caminho das duas da madrugada, apenas me reporto a algumas partes das últimas páginas, entre as quais a quantidade de barbeiros que, quantas vezes ardilosamente,  utilizavam a medicina indevidamente, como curandeiros, lá para as bandas de Penha Garcia, e onde o médico escritor Fernando Namora exerceu a atividade clínica em Monsanto.

Sobre a estória d’”O Capelão da Panasqueira e o casamento de consciência”, meu caríssimo amigo Dr. Avelino, não me podia deixar de alegrar ao recordar o padre Manuel Vaz Leal que eu e muitos dos Covilhanenses conheceram muito bem, pois era ele que cantava e fazia os sermões na Procissão dos Passos, com a sua eloquência e excelente voz.

Durante a minha vida profissional, numa das visitas às Minas da Panasqueira, tive necessidade de bater à porta do pároco para indagar algo, e atendeu-me o seu sucessor, o sobrinho padre Américo, que quando eu era jovem me lembro de ajudar o pároco da minha freguesia – São Pedro – o padre José Domingues Carreto, nalgumas festividades e mormente na Visita Pascal.

Depois, a direção do padre Leal como diretor do jornal O Mineiro.

Muito mais haveria a registar, mas tenho que ficar hoje por aqui.

Parabéns ao Dr. José Avelino Gonçalves por nos ter brindado com mais esta interessante obra.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

 

 

 

(In “Notícias da Covilhã” digital, de 14-07-2022)

19 de julho de 2022

MAPEAR AVENTURAS PELOS CAMINHOS SERRANOS

 

Nem sempre estamos inspirados para um tema que possa ser da apetência dos estimados leitores. Também nesta crónica não estou virado para as dificuldades que o mundo enfrenta face ao ditador mundial dos tempos que correm, aquele que se identifica com o famigerado Hitler, de igual modo odioso.

Assim, neste verão que há pouco emergiu, trouxe-me, mais uma vez, falar da Serra da Estrela em cuja falda é a minha vivência.

E é na montanha maior deste Portugal Continental que eu me sinto bem, sentado à porta da casa da Serra, contemplando o horizonte, do qual me vem a inspiração, na visualização dos rebanhos e dos pastores, do cão da Serra da Estrela, que vamos avistando ou até se aproxima nós.

Muito haverá que falar, para os que querem ter ouvidos para ouvir e olhos para ver, a partir, se quiserem, deste belíssimo recanto dos Hermínios, de in illo tempore.

E isto porque veio a propósito a homenagem aos Pastores da Serra da Estrela, com a criação, na Torre, de um novo espaço dedicado aos produtos da ovelha bordaleira. O ponto mais alto de Portugal Continental – a Torre da Serra da Estrela – tem um novo espaço dedicado aos pastores e ao produto do seu trabalho: a lã e o leite das ovelhas Bordaleiras. Este projeto constitui uma forma de apoiar o trabalho dos pastores da Serra da Estrela e assegurar a continuidade da profissão e da raça da ovelha Bordaleira. Contribuiu-se assim para o desenvolvimento da economia local e para a sustentabilidade social do território. De 275 mil ovelhas desta raça existentes nos anos 80 do século XX, há atualmente pouco mais de 23 mil.

Mas também, no âmbito do divino, no alto desta Montanha Maior, o paradoxo subsiste., com o prelado da diocese a que o local pertence – a Diocese da Guarda – por via do Departamento Diocesano da Pastoral Familiar a manifestar nas suas intenções, de, por um lado, e bem, promover o encontro diocesano de famílias na Torre, o ponto mais alto da Serra da Estrela, no dia 26 de junho, em sintonia com o X Encontro Mundial das Famílias, a decorrer em Roma, começando com a concentração na zona da Torre, seguindo-se um percurso pedonal, com apoio do Centro de Interpretação da Serra da Estrela, seguiu-se a celebração da Eucaristia, na Capela de Nossa Senhora do Ar (Torre), presidida pelo bispo diocesano, D. Manuel Felício.

Só que, tudo o que se tem desenrolado ao longo dos últimos tempos, aliás dos momentos que vão ultimar a vida deste prelado, face à idade, vão no encontro de ser o coveiro da Diocese da Guarda, como muitos dos seus apaniguados, incluindo sacerdotes e leigos ligados às organizações católicas, e não só, assim o consideram.

Estão nesta cartada não só o mais antigo órgão da comunicação social da Beira Baixa, centenário, como instituições criadas carinhosamente e que foram lugar de muitos eventos locais, regionais e alguns nacionais.  Estão assim na peugada de um homem que não soube conduzir a barca que lhe foi entregue. Não vou tecer mais comentários, aguardando tão só o desenvolvimento dos acontecimentos, na revolta que possivelmente vai existir em muitos dos que, por inércia, não se querem agora manifestar.

 Mas a majestosa Serra da Estrela trouxe-me à memória a beleza das suas enormes rochas, aqueles penedos que são uma aventura a sua subida, o medo de os poder subir, e, mormente, na descida. Já aconteceu comigo quando ainda existia alguma juventude mas que jamais conseguirei sonhar numa dessas aventuras nos tempos que correm. Jurei ser a última vez na minha vida.

Vejamos a descrição dos companheiros da Expedição Científica à Serra da Estrela, naquele longínquo ano de 1881, uma centena de homens, durante 15 dias.

Deixo alguns resquícios dessa expedição, sem descurar a subida ao Cântaro Magro.

“Depois, nas ‘Interpretações locativas’, falou-se na origem possível de ‘Monte Hermínio’, sendo que “uma tradição que chegou aos nossos dias designa a Serra da Estrela o Hermínio Maior; a de Marvão, o Hermínio Menor’”.

“E também o Malhão Grande ou Malhão da Estrela, nome dado ao ponto culminante da serra, designação que os pastores da localidade empregam. E cujo local se passou a chamar Torre, depois de colocada uma pirâmide, a qual foi mandada construir em 1806 pelo príncipe regente D. João. As aventuras dos expedicionários: ‘Se de dia e a distância ninguém observa os Cântaros pela primeira vez sem sentir vertigens e o coração comprimido, imagine-se o que nós sentiríamos às dez da noite aos vermo-nos presos no cume do Cântaro Gordo, rochedo de 413 metros de altura sobre a ribeira da Candeeira, eriçado de fragões escuros, no meio de profundos covões formado por outros fraguedos e despenhadeiros igualmente sinistros e medonhos! (…) Aqui, onde a natureza é horrivelmente majestosa e grande, ninguém deixará de se sentir infinitamente pequeno. (…) Chegado a este ponto fomos descendo, recomendando-nos o pastor que não olhássemos para os lados por causa da vertigem do abismo e que descêssemos de costas, não deslocando nunca uma mão sem ter a outra firme e segura ao rochedo. Estivemos parados algum tempo sem poder prosseguir nem retroceder. Estávamos suspensos entre a vida e a morte! Causava horror olhar para os lados ou para a frente. Fitámos então a vista nas estrelas para não sentirmos a vertigem do abismo cavado a nossos pés. – Estão salvos, disse-nos o pastor, porque desceram de noite e não viram o precipício’”.

No livro A Lã e a Neve, de Ferreira de Castro, foi narrada uma célebre descrição da Serra da Estrela, do início do capítulo III da Primeira Parte, a saber:

“A serra corre de Nordeste a Sudoeste, como imensurável raiz de outra cordilheira que rompesse longe do seu tronco. Belo monstro de xisto e de granito, com terra a encher-lhe os ocos do esqueleto, ondula sempre: contorce-se aqui, alteia-se acolá, abaixa-se mais adiante, para se altear de novo, num bote de serpente que quisesse morder o Sol. Ao distender-se, forma altivos promontórios, dos quais se pode interrogar o infinito, e logo se ramifica que nem centopeia de pesadelo, criando, entre as suas pernas, trágicos despenhadeiros e tortuosas ravinas, onde nascem rios e as águas rumorejam eternamente.

Vista do alto, sugere um fabuloso réptil, anfíbio e descomunal, cortado em dois o grande vale que teria surgido após haver secado o lago que aquele habitava. Examinada de banda, veem-se-lhe inúmeras patas estendidas e, a trechos, o lombo serrilhado. Esse gume com muitas mossas é, porém, ilusório. Contemplado de perto, o dorso da serra, como o dos cetáceos, mostra largas superfícies, ora chatas, ora abauladas, umas limpas de acidentes, outras cercadas de fragões, que, com estranhos perfis e enigmáticas atitudes, parecem defender as terras solitárias. O ser humano tem volume mais mesquinho do que uma velha giesta, do que uma velha urze, nesses planaltos que se alargam entre altas vagas de terreno, entre montanhas que cresceram no cimo da montanha.  E uma luz de mistério, ao clarear as chapadas e pendores, enche de temíveis sombras os silentes penedais, os rochedos majestosos, todos esses gigantescos vultos de granito que povoam a serra, como seus feros senhores.”

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

 

 

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 13-07-2022 e “O Olhanense” (artigo completo) de 15-07-2022)

 

 

6 de julho de 2022

O MANÁ

 

Não é aquele alimento caído do céu que alimentou o povo de Deus (Israelitas) no deserto. Não. Mas é o cereal que um dos maiores produtores do mundo, se não o maior, alimenta a maior parte do Planeta. Não estamos nos tempos bíblicos, mas muitas vezes como que pretendemos invocar esses momentos.

O trigo da Ucrânia, este país martirizado por uma potência diabolizada, como largas vezes referimos, está a dificultar-nos a chegada desse maná.

Se nos reportarmos à Bíblia, numa das suas narrativas, perante a fome verificada em todo o lado exceto no país do Faraó, Jacob envia os filhos ao Egipto para aí comprarem trigo e poderem viver (Gn. 42). Assim aconteceu e ali foram recebidos pelo seu irmão José que, por ter interpretado os sonhos do Faraó e propiciado uma gestão adequada do cereal recolhido nos anos de grande produção, fora elevado á categoria de chefe e governador do Egipto. A ele pertencia, por isso, conforme refere António Salvado Morgada, in A Guarda, a gestão do comércio do trigo procurado pelos povos vizinhos.

Agora, como também o mesmo refere, “o problema do comércio do trigo não se encontra na seca, mas na guerra. O trigo já terá entrado noutras guerras. Noutros lugares e templos. Sempre que há guerra, o trigo, como outros cereais, entra na guerra. Até pela sua ausência.”

Pois bem, o trigo entrando agora na guerra, tornou-se uma arma beligerante. Faz subir os preços nas padarias, chegando obviamente às nossas casas.

Esta maldita e evitável guerra da Rússia contra a Ucrânia, destrói as searas, arrasa a economia dos povos que neste cereal encontram uma das principais fontes de matar a fome.

Pena é que os senhores geradores desta guerra não sintam a falta do trigo às suas mesas e que lhes façam metralhar nos seus estômagos esta carência.

De facto, o trigo – este maná dos tempos de hoje, e de sempre – entrando na guerra, tornou-se arma de guerra. Inadmissível!

A guerra do trigo e dos cereais, acompanhando a guerra das armas, é uma guerra da fome e de outros nomes para a morte.

E é assim que já estamos numa escassez de produtos, prestes a bater às nossas portas com os industriais de panificação a sentirem os elevadíssimos preços deste cereal.

O espetro da fome paira sobre os mais pobres. Como irão ficar os países africanos?

Nesta presumível crise mundial dos cereais prenuncia uma “guerra mundial do pão”.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Notícias da Covilhã”, digital, de 07-07-2022)