14 de dezembro de 2022

QUANDO O MENINO SUCEDEU AO SOL

 


Aproximamo-nos da Quadra Natalícia, este ano, da tarde do sábado de 24 de dezembro até à tarde de quinta-feira, 5 de janeiro de 2023, nesta sucessão de datas comemorativas que acontecem no final do ano e início do ano gregoriano. Engloba quatro cerimónias importantes na maioria das igrejas cristãs, sendo os eventos que ocorrem nesta época, o dia de Natal (25 de dezembro), Ano Novo (31 de dezembro), Paz (1º de janeiro), a Epifania do Senhor/Dias de Reis (6 de janeiro). O Natal, a Paz e a Epifania do Senhor são duma forma geral cerimónias cristãs, sendo que as restantes são de comemoração coletiva, quer nos crentes católicos quer noutros não crentes. É assim que a junção destas quatro cerimónias dão origem À Quadra Festiva ou Quadra Natalícia.

Poderia vir falar de variadíssimos temas de que o ano 2022 foi rico, mas direcionei-me para a vertente natalícia, tão desejoso do encontro de perspetivas de paz, de que este período é favorável.

Conforme refere Helena Neves num artigo no Público, de há dúzia e meia de anos, antes do Menino foi o Sol, esta estrela que é fonte e símbolo de vida que, ciclicamente desaparecia cada vez mais cedo no horizonte e tardava cada vez mais a nascer. O mistério das noites tornadas mais longas inquietava os povos como ameaça à vida. Havia sempre a esperança de que o sol crescendo de novo, sucedesse a esse tempo de trevas teimosas que os romanos denominariam de solstício – do latim sol e de stare, parar – de inverno, mas também o temor de que assim não fosse. Daí os rituais de todos os lugares, desde o período do Neolítico. Apelando a um outro ciclo de luz, porque luz é, por excelência, o símbolo da vida. Em todas as manifestações cósmicas, a luz sucede às trevas. Por isso, o parto é designado como “dar á luz” a vida que vem do interior, sombrio e húmido, do corpo da mulher. Em contraste, as trevas, associadas à morte, representam um universo misterioso, temível. É na noite que despertam os nossos medos. É neste contexto de medos e de esperança, de ultrapassagem da terra nua e sombria para a terra prometida, que nasce o Natal. Enraizando-se nos cultos mais remotos, depois da Igreja instituída ter compreendido que somente integrando o simbolismo inerente aos rituais do solstício de inverno, transformando-o num sentido cristão, poderia neutralizar toda a energia pagã e utilizá-la na expansão do cristianismo favorecida por condições políticas e sociais específicas: a conversão do imperador Constantino, consagrando-o como religião do Estado, o desenvolvimento do comércio entre os povos e o proselitismo dos missionários, essencialmente a partir dos séculos XV e XVI, com as descobertas e o início da colonização europeia.

Tornada impulso estratégico neste processo, a celebração do Natal como nascimento de Cristo ultrapassaria as fronteiras originárias pagãs e religiosas, impondo-se como uma festa universal.

A míngua dos dias levava os povos a temerem as noites do solstício de inverno e a ascenderem fogueiras e madeiros, chamas vivas de luz, apelando à aurora. E, finalmente, quando passava a noite mais longa e a manhã nascia, os povos saudavam o sol. Para os judeus, era a Festa das Luzes, e os fenícios chamavam-lhe o “Despertar de Hércules”. Em Roma celebravam-se as saturnais, festas em honra de Saturno, deus das sementeiras. As festas celebravam-se de 19 de dezembro a 1 de janeiro assinalando 12 dias e 14 noites, intervalados entre ciclos opostos da lua. A pressão dos cultos pagãos e de correntes no seio da Igreja levaria, no entanto, a Igreja a assumir como celebração o nascimento de Cristo no mundo. Mas como datá-lo? Os textos evangélicos que o referem, os Evangelhos de S. Lucas e de S. Mateus são omissos. S. Lucas fala dos pastores e dos seus rebanhos vindo saudar o Menino (S. Lucas,II.8), o que obviamente se enquadra na primavera. E, efetivamente, foram fixados o dia 25 de março, equinócio da primavera e até o dia 20 de maio. O que não resolvia a continuidade dos rituais ancestrais. Daí que a Igreja se aproprie de datas de interiorizado simbolismo no imaginário popular, escolhendo-as para assinalar o nascimento de Jesus, que passa a ser festejado a partir do século IV, depois de o cristianismo ser declarado religião oficial do Estado pelo convertido imperador Constantino. Todavia não se verificará unanimidade no universo cristão que se divide em duas datas. A Igreja do Oriente escolhe para nascimento e simultaneamente para adoração dos Reis Magos e batismo de Jesus, o 6 de janeiro, Dia da Epifania. A Igreja do Ocidente escolhe o 25 de dezembro, nascimento de Cristo, dia fixado definitivamente em 354 pelo calendário fitocaliano, e, a partir de 379, imposto por Roma a todo o Império. O Sol cede assim o lugar ao Menino. Santo Agostinho, admitindo, implicitamente, a origem pagã da data natalícia, exorta os cristãos a festejarem a 25 de dezembro não o Sol, mas aquele que criou o Sol.

Aproveito esta oportunidade para desejar ao Fórum Covilhã as maiores felicidades para a continuidade do seu sucesso editorial, após os seus onze anos de vida, celebração ocorrida em 29 de novembro.

Votos de um Feliz Natal para todos os prezados Leitores do Jornal Fórum Covilhã, Diretor e todos os seus Obreiros e Familiares.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

 

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 14-12-2022)

             

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