16 de fevereiro de 2023

A DESCARATERIZAÇÃO DO FUTEBOL

 




Ano de dois mil e vinte e três. O futebol, empolgante, ultrapassa os limites da sua génese. Não existem ainda evidências de como e onde o mesmo nasceu. Dos vários historiadores que descrevem, ou reclamam para os seus países a origem do futebol, ficam indubitavelmente muitas incertezas. Os jogos com bola, nas suas diversas modalidades, são conhecidos desde tempos remotos. Concluímos, no entanto, que o futebol, como atualmente se pratica, é um jogo inglês, tendo as suas longínquas origens dispersas pelos povos mais antigos do Mundo. Sendo assim certo que se considere como seu antepassado o jogo coletivo que utilizava uma bola redonda, disputado entre duas equipas. O seu objetivo principal forçosamente passa por cada equipa impulsionar a bola em sentido oposto. Entrar pelos meandros da sua génese não é fácil; e até aos dias de hoje, evoluiu em muitos sentidos.

Segundo o The Oficial History of the Football Association estabelece as datas entre 1863 e 1870 a génesis do futebol. No nosso país, enquanto os madeirenses advogam que o futebol foi, pela primeira vez, praticado em Portugal, na Camacha, no ano de 1875, já outra versão diz que foram os irmãos Pinto Basto, estudantes em Inglaterra, que dali o trouxeram, em 1886, conhecido sob a designação do jogo de “pé na bola”, sendo que o primeiro jogo teve lugar em Cascais, num domingo do mês de outubro de 1888.

Ao longo dos anos o futebol foi-se transformando numa das indústrias dos nossos tempos. E ele foi evoluindo cada vez mais O homem jamais teria jogado com uma bola antes de alcançar esse momento de um processo contínuo de adaptação.

Se repararmos nas modernas estruturas que gerem o futebol, verificamos que o envolvimento das pessoas no fenómeno, abrange todas as condições e estratos sociais, desde o abastado industrial ao humilde operário, onde, numa multidão que assiste a um jogo de futebol, impossibilita distinguir diferenças. É que muito rapidamente todos ficam iguais, unidos num só ideal: a vitória da sua equipa.

O Mundo chegou aos 8 mil milhões de pessoas no dia 15 de novembro de 2022, sendo certo que o futebol, como Desporto-Rei, é sobejamente conhecido por uma parte significativa desta população. Existem ídolos, integrantes deste enorme espetáculo que acabam por ser conhecidos por esse Mundo fora mais que o seu próprio país. Na visita, há alguns anos a Israel, alguns residentes tinham dificuldade de identificar Portugal. Numa das ruas, um velho judeu, e seus vizinhos, ao ver-nos passar em grupo perguntaram de onde éramos. Portugal! – Dissemos nós. Fizeram uma careta ou ficaram mudos, sinal de desconhecimento. Mas logo que um dos forasteiros exclamou: Ronaldo! num ápice foram os sorrisos, encontrada assim que foi a chave da resposta.

Desde longa data sou atento ao fenómeno desportivo, mormente no âmbito do futebol, com incidência mais profunda no clube do meu coração e também no da minha terra.  Como tantos de nós, a partir da geração de 40 do século XX pudemos sentir quanto amor tínhamos pelos nossos clubes. As camisolas não se apresentavam com frequentes cambiantes, como hoje. Não havia claques criadas, não havia infiltração de “hooligans”, as disputas entre adversários não atingiam os ódios de hoje entre coletividades; a corrupção não era tão patente. E hoje ao que assistimos?

A evidência do lucro! A ganância dos milhões aí está. Há que “vender” jogadores de alta qualidade. “Vender?!...”, desde criança que me fazia confusão esta palavra aplicada a humanos. Mais parece aplicada a escravos. Mas, benditos “escravos”, eles não se importam da designação, interessa sim o peso das algibeiras.

Passamos então ao cerne da questão: O futebol está hoje descaraterizado. Segundo Evandro Delgado, in “SapoDesporto”/Sport Informa, de 19 de outubro de 2018, “há hoje um problema no futebol português com a obrigatoriedade da criação das Sociedades Anónimas Desportivas (SAD), tudo tendo começado em 1997, quando o Governo, através do Decreto-Lei nº. 67/97, estabeleceu o Regime Jurídico dos Clubes das Sociedades Desportivas. Foi entretanto alvo de revisões e em 2013 o Decreto-Lei nº. 10/2013, de 25 de janeiro, estabeleceu o Novo Regime Jurídico das Sociedades Desportivas onde o Governo estipulava que, para poderem competir nos campeonatos profissionais de futebol da Primeira e Segunda Ligas, os clubes tinham de constituir uma sociedade desportiva, a partir da época 2013/2014. A maior parte dos emblemas optou pelas Sociedades Anónimas Desportivas (SADs) mas outros, de menos dimensão, formaram uma Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas (SDUQ) que, na maior parte das vezes, funciona como o departamento de futebol do clube. Quem opta por uma SDUQ consegue preservar a sua identidade, já que é titular do capital social do clube. A opção pela SAD é vista como uma forma de atrair investidores, que possam colocar capital no clube de forma a ajudá-lo a ser competitivo e a chegar a patamares superiores. O problema começa quando os resultados desportivos da equipa principal de futebol começam a escassear. Os sócios, sem voto na matéria,  na maioria dos casos, começam a ver o futebol, o principal impulsionador do clube, a tomar um rumo longe daquilo que imaginaram. Passam então a haver conflitos entre as direções dos clubes e as empresas e investidores individuais que dominam o futebol profissional. Depois, o vazio na legislação e a falta de supervisão sobre a origem do capital é um dos principais problemas, assim como a falta de punição para quem viola os contratos assinados. Os clubes em Portugal não estão preparados para terem SAD’s compradas por investidores estrangeiros. Se houver um incumprimento por parte do investidor, o clube originário, se quiser prosseguir, tem de começar de uma divisão distrital. Existem muitos problemas entre clubes e as respetivas SAD’s porque o que está na origem do diferendo está na lei de criação de SAD’s e na falta de um regime sancionatório para os incumpridores. Passou a haver um futebol a viver acima das suas possibilidades.”

Neste contexto, muitos clubes passaram por enormes dificuldades, com despromoções, caindo no ridículo, pois coletividades de prestígio que singraram pela I Liga de Futebol, hoje ou já não existem ou andam pelo Campeonato de Portugal ou Distritais de Futebol.

Esperemos que tudo de modifique para os verdadeiros tempos de glória de cada clube português, muitos deles centenários ou a caminho.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 15-02-2023)

 

 

15 de fevereiro de 2023

DISCORDAR OU UMA CONTRIBUIÇÃO PARA REVOLUCIONAR

 


Não podemos agradar a Deus e ao Diabo, o que pressupõe sempre a inviabilidade de nos apresentarmos com duas caras para a solução dum problema. Não é fácil afastar a tentação, por mais que exista honestidade e as boas intenções com que o cidadão seja revestido, se não houver uma força intrínseca que deite por terra todas as instigações do momento. O provérbio evidencia que “Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é tolo ou não tem arte”. Sempre houve, e persistem, os que caminham pela ponte, numa velada atenção tendente a ver para qual dos lados devem saltar. Jamais pudemos assistir a um manancial de gente vestida de pele de cordeiro, mas com dentes afiados de lobo, quando surge a oportunidade do assalto, como nos tempos que correm. Obviamente que, felizmente, ainda existem os que querem perfilar-se honestamente no rol dos das boas intenções, com o mérito proveniente do seu talento. Mas... são mais as vezes os que ficam para a retaguarda favorecendo-se os que trouxeram empacotada a nobre cunha, ou então a anuência ao questionário para a integração partidária dum qualquer jotinha, tendo em vista a inserção num lugar de boy ou girl.

Em jovem pertenci a um movimento operário católico sob o lema “Ver, Julgar e Agir” mas também onde nos manifestávamos: “Nós não queremos a revolução, nós somos a própria revolução!”. Viviam-se então os tempos da ditadura salazarista e marcelista com o que se escrevia a passar pela Censura Prévia que, numa desejada primavera marcelista que não chegou a sê-lo, a transformou em Exame Prévio. Somente areia para os olhos.  Com a democracia institucionalizada pelo 25 de Abril de 1974 viemos a ter a liberdade plena e não coartada como dantes, mas hoje, com muitos abusos que nada deveriam ter a ver com a liberdade ganha, ficamos dececionados ao ver no seio das instituições, das autarquias, e dos governos, como da própria Igreja Católica, situações atentatórias da dignidade entre todos – ricos ou pobres. Os casos são sobejamente conhecidos entre governantes, bispos e padres a encobrirem-se e a mentirem contra o que o Mestre ensinou. Mas disto não vou falar.

No entanto não pude deixar de recordar tempos por que também passei, do medo e da repressão, em que o levantar a voz seria o suficiente para a condenação. Muito sobre isto está escrito nos meus livros e várias publicações. Neste contexto, quero agora vir a lume sobre um Homem, no reflexo da exemplaridade de outros que se encontram no manto do anonimato, que dá pelo nome de Padre José da Felicidade Alves. E isto quando a laicização da sociedade procurada pelos mais lídimos liberais e republicanos limitou a interferência da igreja católica na sociedade civil, mas reforçou a militância dos crentes. O Padre Felicidade (como era conhecido também nos meios antifascistas não católicos) foi um cidadão de enorme coragem, tendo sido uma das figuras centrais da oposição dos católicos à ditadura, sobretudo a partir de meados da década de 60. Nas suas homilias abordava temas incómodos ao regime do Estado Novo e às hierarquias eclesiásticas, tais como a guerra colonial, a perseguição política e problemas sociais. Envolveu-se militantemente nos combates contra a ditadura e a renovação da Igreja Católica, o que determinou a sua prisão e julgamento. Foi afastado das funções de pároco (o que atualmente não acontece com a conduta de alguns bispos em relação a alguns padres acusados de pedofilia, homossexualidade, e outras situações) pelo então cardeal-patriarca de Lisboa, Cardeal Cerejeira, e, mais tarde, tomou conhecimento da sua excomunhão.

Natural de Caldas da Rainha, nasceu em 1925, tendo sido ordenado sacerdote em 1948, destacando-se desde logo pela sua inteligência. Em 1956 foi nomeado pároco em Santa Maria de Belém, em Lisboa, onde se evidenciou pelo conteúdo das suas homilias. Foi no trabalho da paróquia que se foi dando conta de que o país real era muito diferente do que pensava e, a partir de 1967, as suas intervenções começaram a causar incómodo ao regime e à Igreja Católica.

Solidário com o grupo de católicos mais progressistas, o percurso de Felicidade Alves ficou definitivamente marcado após a comunicação que proferiu no Conselho Paroquial de Belém, em 19 de abril de 1968, na presença de muitas dezenas de pessoas.

Defendendo uma profunda renovação da Igreja e das suas estruturas, as ideias de Felicidade Alves desagradaram ao cardeal Cerejeira. Em consequência, foi-lhe movido um longo processo que determinou, em novembro de 1968, o afastamento das suas funções de pároco em Santa Maria de Belém, e, mais tarde, a suspensão das suas funções sacerdotais, terminando, em 1970, com a sua excomunhão.

Após o afastamento da paróquia de Belém, Felicidade Alves tornou-se o grande impulsionador, em conjunto com Nuno Teotónio Pereira e o padre Abílio Tavares Cardoso, da publicação dos Cadernos GEDOC, abordando criticamente questões ligadas à hierarquia católica e à guerra colonial. A publicação foi condenada pelo cardeal Cerejeira e considerada ilegal pela PIDE, sendo instaurado um processo aos seus responsáveis, de que resultará, em 19 de maio de 1970, a prisão de Felicidade Alves por “atividades contrárias à segurança do Estado”. Tendo sido julgado, foi absolvido.

À posição tomada perante a sua prisão, várias foram as pessoas que se apressaram a recolher assinaturas pela sua libertação, pelo país fora, e, na Covilhã, assinalam-se 24 assinaturas, entre as quais as do Prof. José Corceiro Mendes, Padre Fernando Brito dos Santos, Carlos Manuel Alçada Batista, Isilda Maria Monteiro Pinto Sousa Dória, Albino Boaventura Pereira, Dr. Manuel Antunes Ferreira, Jerónimo dos Santos, Augusto Lopes Teixeira, Engº. Luís Filipe Mesquita Nunes, Maria Humberta Pinto Roque, Maria da Ascensão Dias Rebelo, Engº. Alberto Alçada Rosa, José Geraldes Correia, e o Padre Dr. José Almeida Geraldes.

Em 10 de junho de 1994, Felicidade Alves foi agraciado com a Comenda da Ordem da Liberdade pelo então Presidente da República, Mário Soares. Veio a falecer no dia 14 de dezembro de 1998, com 73 anos.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

 

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 15-02-2023)

2 de fevereiro de 2023

OS NOIVOS SUSANA E SAMUEL E O SEU CASAMENTO EM CANÁ DA GALILEIA

 Nem sempre se conseguem encontrar todas as fontes para satisfazer a curiosidade dos interessados pela história, incluindo a sacra.

No livro “A Vida de Jesus”, com comentários do Papa Francisco, escrito por Andrea Tornielli, uma edição de Publicações Dom Quixote, encontram-se algumas interessantes descrições não encontradas noutras publicações. O autor “fá-lo unindo numa narração única os textos dos quatro Evangelhos – os testemunhos dos amigos de Jesus, dos apóstolos, das testemunhas oculares que O seguiram durante três anos ao longo dos caminhos da Galileia e da Judeia – e alterna-os com uma tentativa pessoal de reconstruir com a imaginação, e com a ajuda dos mais autorizados estudos históricos, tudo aquilo que os evangelistas não escreveram”.

Consta-se que Jesus rezava sozinho no Seu pequeno quarto, na casa de Nazaré, a mesma em que vivera desde que era criança e em que agora depois da morte de José, Seu pai adotivo, ficara sozinho com Sua mãe. O momento chegara enfim e aquela espada que lhe trespassaria o coração, segundo a profecia de Simeão, começava lentamente a mexer-se. A última noite antes da partida ficaram à mesa juntos mais tempo do que era costume. Jesus acabara de construir uma carroça robusta e explicou-lhe o que deveria dizer ao comitente que na manhã seguinte viria buscá-la. Iniciaria o Seu caminho enquanto Nazaré estava ainda envolvida na escuridão.

Levantou-se de noite e encontrou preparado para Ele um alforge com comida e água. Pegando nele entre as mãos, Jesus sorriu e sussurrou: “Mãe...” Pensou também no que O esperava, naquela viagem que mudaria tudo, no início da Sua vida pública. Na obscuridade, reconheceu as vozes dos amigos com quem se poria a caminho, com destino a Betânia sobre o Jordão.

Jesus passara então quarenta dias e quarenta noites no deserto, jejuando e rezando. Agora estava pronto para voltar a descer para o vale, em direção ao Jordão, fazendo em sentido contrário o caminho que O conduziria ao lugar onde João batizava.

Chegou ao rio por volta do meio-dia. Havia ainda um vaivém de gente que pedia o Batismo e que ouvia as pregações de João, Seu primo. Tudo começara. João Batista estava para acabar nas garras do tetrarca Herodes, que iria metê-lo na prisão e depois matá-lo decapitando-o, por um capricho de Herodias, a mulher do irmão. O mais jovem dos discípulos gravou na mente a hora em que alcançou o lugar onde Jesus estava acampado, com outros nazarenos. A hora décima (as quatro da tarde). Tinham andado durante uma hora atrás d’Ele, seguindo-O à distância.

Simão era mais baixo do que o irmão André. Também ele de físico robusto. Haviam nascido os dois em Betsaida, mas partilhavam o trabalho na pequena cooperativa de pesca ao longo da costa que conduz a Cafarnaum, também nas margens do mar da Galileia, onde ambos viviam com as respetivas famílias. Simão tinha um feitio generoso e impetuoso. Era um humilde judeu praticante, que frequentava regularmente a sinagoga. Sabia ocupar-se dos seus e tirar partido das oportunidades de Cafarnaum, encruzilhada de trocas e comércios, que podia oferecer. Como pescador era considerado o melhor. Sabia perscrutar as nuvens e, ouvindo o vento, era capaz de predizer se haveria uma tempestade. Sabia vender o peixe e o seu barco era um dos maiores da cidade. Quando o irmão André lhe disse que encontrara o Messias, Simão não hesitara. Partira com ele para chegar ao acampamento onde se encontrava Jesus.

No dia seguinte, partiram com Jesus para regressar à Galileia e pararam em Betsaida. Aqui, o Nazareno encontrou Filipe, um jovem homem magro e alto, amigo de infância dos dois irmãos com os quais viajara até àquele momento.

Estavam sentados a almoçar em casa de Filipe, saboreando juntos o bom peixe grelhado e temperado com ervas aromáticas, quando bateu à porta ofegante Judas Tadeu, um primo de Jesus do lado de José, que daquela família herdara também a força física. Trazia uma mensagem de Maria para o seu Filho. “Está à Tua espera, e dos Teus amigos, amanhã em Caná para o casamento de Susana, que ambos conheceis”. A boda era em Caná da Galileia, perto de Nazaré e de Tiberíadas, o país de Natanael Bartolomeu. Jesus abraçou o primo que se unira ao grupo dos primeiros seguidores e fê-lo acomodar-se à mesa partilhando metade da comida que tinha do Seu prato. Disse: “Qualquer desejo de minha mãe é meu desejo. Iremos lá”. Assim acabaram de almoçar depressa para se prepararem e porem a caminho já no princípio da tarde, levando consigo a melhor túnica que tinham para participar no casamento.

Chegaram a tempo para a festa, depois de pararem para comer e dormir algumas horas em casa de amigos ao longo do caminho. Maria já estava em Caná há alguns dias para ajudar a noiva. A casa do noivo, Samuel, encontrava-se na periferia da cidade. A sala principal, no rés do chão, estava decorada com tecidos coloridos, flores, ramos verdes. Sobre a mesa comprida ao centro, as mulheres tinham começado desde a madrugada a acumular doces de mel e pão acabado de desenformar. Na parte de trás da casa, assava-se a carne. A festa duraria vários dias. Um amigo do noivo, designado “mestre de mesa”, vigiava os preparativos. Encostados a uma parede da sala, ao pé da mesa de serviço onde se encontravam os molhos, estavam preparados seis jarros de água para a purificação ritual.

Entretanto, a menos de dois quilómetros de distância, a noiva ajudada pelas amigas colocava as joias de família e quando ficou pronta, toda arranjada, veio acompanhada de um cortejo de sua casa até à do seu noivo. Saía assim para sempre da sua família de origem para formar uma nova família. Maria seguia Susana juntamente com outras mulheres, recordando o seu casamento trinta anos antes. Nessa altura, tudo fora mais sóbrio, e nela, enquanto percorria o breve percurso até à casa de José, a alegria misturava-se às perguntas sobre aquele ser que já levava no ventre depois do anúncio do anjo. O cortejo nupcial avançava e a cidade inteira saiu à rua para ver passar a noiva, acompanhada com os cantos, aclamações e bênçãos. O Nazareno e os amigos estavam à espera da sua chegada em casa do noivo. Em seguida, a festa começou. Jesus estava sentado à mesa do lado de Sua mãe, que O revia pela primeira vez depois de quase dois meses. Tinham muito para conversar, mas não falaram apenas entre eles, participando ambos com boa disposição na alegria da festa. Maria estava radiante ao lado do Filho.

O banquete durou horas. Alternavam-se momentos sentados à mesa e pausas durante as quais se dançava. Em todos os momentos da festa, Jesus estava à vontade. Estava com a Sua mãe, com os Seus primeiros discípulos e participava na grande alegria dos Seus amigos. Mas depois aconteceu uma coisa.

Tendo faltado vinho, a Mãe de Jesus disse-lhe: “Não têm vinho”.

A comida era abundante, mas por um erro do “mestre de mesa” improvisado, cuja profissão era a de peleiro, e não a de organizador de banquetes nupciais, não havia vinho suficiente. Acabara-se. Como seria possível continuar o banquete? Maria, com o olhar atencioso, seguia também os movimentos dos criados e das cozinheiras, pelo que foi a primeira a aperceber-se de que havia um problema.

Jesus voltou-se para ela e respondeu: “Que importa a mim e a ti, mulher? Ainda não chegou a minha hora!”.

Não houve mais palavras, apenas olhares. O olhar da mãe não se afastou do olhar do Filho. Não mais baixou os olhos. Olhou para Ele como uma mãe quando pede ao filho para fazer alguma coisa, certa de que ele lhe obedecerá.

Estavam ali seis talhas de água de pedra para purificação dos judeus. Jesus disse aos servos: Enchei as talhas de água, e disse-lhes ainda: Pegai nelas agora e levai-as ao chefe de mesa. Quando o chefe de mesa provou a água tornada vinho – ele não sabia de onde era, mas sabiam os servos –, o chefe de mesa chamou o noivo e disse-lhe: “Todos põem primeiro vinho bom e, quando estão embriagados, o inferior. Tu guardaste o vinho bom até agora!”

Tudo aconteceu em poucos minutos, sem que os convidados se apercebessem.

A festa continuou abençoada pelo vinho refinado e abundante. Quando o banquete do casamento acabou, Jesus desceu de Caná a Cafarnaum por alguns dias.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 01-02-2023)