2 de fevereiro de 2023

OS NOIVOS SUSANA E SAMUEL E O SEU CASAMENTO EM CANÁ DA GALILEIA

 Nem sempre se conseguem encontrar todas as fontes para satisfazer a curiosidade dos interessados pela história, incluindo a sacra.

No livro “A Vida de Jesus”, com comentários do Papa Francisco, escrito por Andrea Tornielli, uma edição de Publicações Dom Quixote, encontram-se algumas interessantes descrições não encontradas noutras publicações. O autor “fá-lo unindo numa narração única os textos dos quatro Evangelhos – os testemunhos dos amigos de Jesus, dos apóstolos, das testemunhas oculares que O seguiram durante três anos ao longo dos caminhos da Galileia e da Judeia – e alterna-os com uma tentativa pessoal de reconstruir com a imaginação, e com a ajuda dos mais autorizados estudos históricos, tudo aquilo que os evangelistas não escreveram”.

Consta-se que Jesus rezava sozinho no Seu pequeno quarto, na casa de Nazaré, a mesma em que vivera desde que era criança e em que agora depois da morte de José, Seu pai adotivo, ficara sozinho com Sua mãe. O momento chegara enfim e aquela espada que lhe trespassaria o coração, segundo a profecia de Simeão, começava lentamente a mexer-se. A última noite antes da partida ficaram à mesa juntos mais tempo do que era costume. Jesus acabara de construir uma carroça robusta e explicou-lhe o que deveria dizer ao comitente que na manhã seguinte viria buscá-la. Iniciaria o Seu caminho enquanto Nazaré estava ainda envolvida na escuridão.

Levantou-se de noite e encontrou preparado para Ele um alforge com comida e água. Pegando nele entre as mãos, Jesus sorriu e sussurrou: “Mãe...” Pensou também no que O esperava, naquela viagem que mudaria tudo, no início da Sua vida pública. Na obscuridade, reconheceu as vozes dos amigos com quem se poria a caminho, com destino a Betânia sobre o Jordão.

Jesus passara então quarenta dias e quarenta noites no deserto, jejuando e rezando. Agora estava pronto para voltar a descer para o vale, em direção ao Jordão, fazendo em sentido contrário o caminho que O conduziria ao lugar onde João batizava.

Chegou ao rio por volta do meio-dia. Havia ainda um vaivém de gente que pedia o Batismo e que ouvia as pregações de João, Seu primo. Tudo começara. João Batista estava para acabar nas garras do tetrarca Herodes, que iria metê-lo na prisão e depois matá-lo decapitando-o, por um capricho de Herodias, a mulher do irmão. O mais jovem dos discípulos gravou na mente a hora em que alcançou o lugar onde Jesus estava acampado, com outros nazarenos. A hora décima (as quatro da tarde). Tinham andado durante uma hora atrás d’Ele, seguindo-O à distância.

Simão era mais baixo do que o irmão André. Também ele de físico robusto. Haviam nascido os dois em Betsaida, mas partilhavam o trabalho na pequena cooperativa de pesca ao longo da costa que conduz a Cafarnaum, também nas margens do mar da Galileia, onde ambos viviam com as respetivas famílias. Simão tinha um feitio generoso e impetuoso. Era um humilde judeu praticante, que frequentava regularmente a sinagoga. Sabia ocupar-se dos seus e tirar partido das oportunidades de Cafarnaum, encruzilhada de trocas e comércios, que podia oferecer. Como pescador era considerado o melhor. Sabia perscrutar as nuvens e, ouvindo o vento, era capaz de predizer se haveria uma tempestade. Sabia vender o peixe e o seu barco era um dos maiores da cidade. Quando o irmão André lhe disse que encontrara o Messias, Simão não hesitara. Partira com ele para chegar ao acampamento onde se encontrava Jesus.

No dia seguinte, partiram com Jesus para regressar à Galileia e pararam em Betsaida. Aqui, o Nazareno encontrou Filipe, um jovem homem magro e alto, amigo de infância dos dois irmãos com os quais viajara até àquele momento.

Estavam sentados a almoçar em casa de Filipe, saboreando juntos o bom peixe grelhado e temperado com ervas aromáticas, quando bateu à porta ofegante Judas Tadeu, um primo de Jesus do lado de José, que daquela família herdara também a força física. Trazia uma mensagem de Maria para o seu Filho. “Está à Tua espera, e dos Teus amigos, amanhã em Caná para o casamento de Susana, que ambos conheceis”. A boda era em Caná da Galileia, perto de Nazaré e de Tiberíadas, o país de Natanael Bartolomeu. Jesus abraçou o primo que se unira ao grupo dos primeiros seguidores e fê-lo acomodar-se à mesa partilhando metade da comida que tinha do Seu prato. Disse: “Qualquer desejo de minha mãe é meu desejo. Iremos lá”. Assim acabaram de almoçar depressa para se prepararem e porem a caminho já no princípio da tarde, levando consigo a melhor túnica que tinham para participar no casamento.

Chegaram a tempo para a festa, depois de pararem para comer e dormir algumas horas em casa de amigos ao longo do caminho. Maria já estava em Caná há alguns dias para ajudar a noiva. A casa do noivo, Samuel, encontrava-se na periferia da cidade. A sala principal, no rés do chão, estava decorada com tecidos coloridos, flores, ramos verdes. Sobre a mesa comprida ao centro, as mulheres tinham começado desde a madrugada a acumular doces de mel e pão acabado de desenformar. Na parte de trás da casa, assava-se a carne. A festa duraria vários dias. Um amigo do noivo, designado “mestre de mesa”, vigiava os preparativos. Encostados a uma parede da sala, ao pé da mesa de serviço onde se encontravam os molhos, estavam preparados seis jarros de água para a purificação ritual.

Entretanto, a menos de dois quilómetros de distância, a noiva ajudada pelas amigas colocava as joias de família e quando ficou pronta, toda arranjada, veio acompanhada de um cortejo de sua casa até à do seu noivo. Saía assim para sempre da sua família de origem para formar uma nova família. Maria seguia Susana juntamente com outras mulheres, recordando o seu casamento trinta anos antes. Nessa altura, tudo fora mais sóbrio, e nela, enquanto percorria o breve percurso até à casa de José, a alegria misturava-se às perguntas sobre aquele ser que já levava no ventre depois do anúncio do anjo. O cortejo nupcial avançava e a cidade inteira saiu à rua para ver passar a noiva, acompanhada com os cantos, aclamações e bênçãos. O Nazareno e os amigos estavam à espera da sua chegada em casa do noivo. Em seguida, a festa começou. Jesus estava sentado à mesa do lado de Sua mãe, que O revia pela primeira vez depois de quase dois meses. Tinham muito para conversar, mas não falaram apenas entre eles, participando ambos com boa disposição na alegria da festa. Maria estava radiante ao lado do Filho.

O banquete durou horas. Alternavam-se momentos sentados à mesa e pausas durante as quais se dançava. Em todos os momentos da festa, Jesus estava à vontade. Estava com a Sua mãe, com os Seus primeiros discípulos e participava na grande alegria dos Seus amigos. Mas depois aconteceu uma coisa.

Tendo faltado vinho, a Mãe de Jesus disse-lhe: “Não têm vinho”.

A comida era abundante, mas por um erro do “mestre de mesa” improvisado, cuja profissão era a de peleiro, e não a de organizador de banquetes nupciais, não havia vinho suficiente. Acabara-se. Como seria possível continuar o banquete? Maria, com o olhar atencioso, seguia também os movimentos dos criados e das cozinheiras, pelo que foi a primeira a aperceber-se de que havia um problema.

Jesus voltou-se para ela e respondeu: “Que importa a mim e a ti, mulher? Ainda não chegou a minha hora!”.

Não houve mais palavras, apenas olhares. O olhar da mãe não se afastou do olhar do Filho. Não mais baixou os olhos. Olhou para Ele como uma mãe quando pede ao filho para fazer alguma coisa, certa de que ele lhe obedecerá.

Estavam ali seis talhas de água de pedra para purificação dos judeus. Jesus disse aos servos: Enchei as talhas de água, e disse-lhes ainda: Pegai nelas agora e levai-as ao chefe de mesa. Quando o chefe de mesa provou a água tornada vinho – ele não sabia de onde era, mas sabiam os servos –, o chefe de mesa chamou o noivo e disse-lhe: “Todos põem primeiro vinho bom e, quando estão embriagados, o inferior. Tu guardaste o vinho bom até agora!”

Tudo aconteceu em poucos minutos, sem que os convidados se apercebessem.

A festa continuou abençoada pelo vinho refinado e abundante. Quando o banquete do casamento acabou, Jesus desceu de Caná a Cafarnaum por alguns dias.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 01-02-2023)




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