Ano de dois mil e vinte e três. O futebol, empolgante, ultrapassa os
limites da sua génese. Não existem ainda evidências de como e onde o mesmo
nasceu. Dos vários historiadores que descrevem, ou reclamam para os seus países
a origem do futebol, ficam indubitavelmente muitas incertezas. Os jogos com
bola, nas suas diversas modalidades, são conhecidos desde tempos remotos. Concluímos,
no entanto, que o futebol, como atualmente se pratica, é um jogo inglês, tendo as
suas longínquas origens dispersas pelos povos mais antigos do Mundo. Sendo
assim certo que se considere como seu antepassado o jogo coletivo que utilizava
uma bola redonda, disputado entre duas equipas. O seu objetivo principal forçosamente
passa por cada equipa impulsionar a bola em sentido oposto. Entrar pelos
meandros da sua génese não é fácil; e até aos dias de hoje, evoluiu em muitos
sentidos.
Segundo o The Oficial History of the Football Association estabelece
as datas entre 1863 e 1870 a génesis do futebol. No nosso país, enquanto os
madeirenses advogam que o futebol foi, pela primeira vez, praticado em
Portugal, na Camacha, no ano de 1875, já outra versão diz que foram os irmãos
Pinto Basto, estudantes em Inglaterra, que dali o trouxeram, em 1886, conhecido
sob a designação do jogo de “pé na bola”, sendo que o primeiro jogo teve
lugar em Cascais, num domingo do mês de outubro de 1888.
Ao longo dos anos o futebol foi-se transformando numa das indústrias dos nossos
tempos. E ele foi evoluindo cada vez mais O homem jamais teria jogado com uma
bola antes de alcançar esse momento de um processo contínuo de adaptação.
Se repararmos nas modernas estruturas que gerem o futebol, verificamos
que o envolvimento das pessoas no fenómeno, abrange todas as condições e
estratos sociais, desde o abastado industrial ao humilde operário, onde, numa
multidão que assiste a um jogo de futebol, impossibilita distinguir diferenças.
É que muito rapidamente todos ficam iguais, unidos num só ideal: a vitória da
sua equipa.
O Mundo chegou aos 8 mil milhões de pessoas no dia 15 de novembro de
2022, sendo certo que o futebol, como Desporto-Rei, é sobejamente conhecido por
uma parte significativa desta população. Existem ídolos, integrantes deste
enorme espetáculo que acabam por ser conhecidos por esse Mundo fora mais que o
seu próprio país. Na visita, há alguns anos a Israel, alguns residentes tinham
dificuldade de identificar Portugal. Numa das ruas, um velho judeu, e seus
vizinhos, ao ver-nos passar em grupo perguntaram de onde éramos. Portugal! –
Dissemos nós. Fizeram uma careta ou ficaram mudos, sinal de desconhecimento. Mas
logo que um dos forasteiros exclamou: Ronaldo! num ápice foram os sorrisos, encontrada
assim que foi a chave da resposta.
Desde longa data sou atento ao fenómeno desportivo, mormente no âmbito do
futebol, com incidência mais profunda no clube do meu coração e também no da
minha terra. Como tantos de nós, a partir
da geração de 40 do século XX pudemos sentir quanto amor tínhamos pelos nossos clubes.
As camisolas não se apresentavam com frequentes cambiantes, como hoje. Não
havia claques criadas, não havia infiltração de “hooligans”, as disputas entre
adversários não atingiam os ódios de hoje entre coletividades; a corrupção não
era tão patente. E hoje ao que assistimos?
A evidência do lucro! A ganância dos milhões aí está. Há que “vender”
jogadores de alta qualidade. “Vender?!...”, desde criança que me fazia confusão
esta palavra aplicada a humanos. Mais parece aplicada a escravos. Mas, benditos
“escravos”, eles não se importam da designação, interessa sim o peso das
algibeiras.
Passamos então ao cerne da questão: O futebol está hoje descaraterizado. Segundo
Evandro Delgado, in “SapoDesporto”/Sport
Informa, de 19 de outubro de 2018, “há hoje um problema no futebol
português com a obrigatoriedade da criação das Sociedades Anónimas Desportivas
(SAD), tudo tendo começado em 1997, quando o Governo, através do Decreto-Lei
nº. 67/97, estabeleceu o Regime Jurídico dos Clubes das Sociedades Desportivas.
Foi entretanto alvo de revisões e em 2013 o Decreto-Lei nº. 10/2013, de 25 de
janeiro, estabeleceu o Novo Regime Jurídico das Sociedades Desportivas onde o
Governo estipulava que, para poderem competir nos campeonatos profissionais de
futebol da Primeira e Segunda Ligas, os clubes tinham de constituir uma
sociedade desportiva, a partir da época 2013/2014. A maior parte dos emblemas
optou pelas Sociedades Anónimas Desportivas (SADs) mas outros, de menos
dimensão, formaram uma Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas (SDUQ) que,
na maior parte das vezes, funciona como o departamento de futebol do clube.
Quem opta por uma SDUQ consegue preservar a sua identidade, já que é titular do
capital social do clube. A opção pela SAD é vista como uma forma de atrair
investidores, que possam colocar capital no clube de forma a ajudá-lo a ser
competitivo e a chegar a patamares superiores. O problema começa quando os
resultados desportivos da equipa principal de futebol começam a escassear. Os
sócios, sem voto na matéria, na maioria
dos casos, começam a ver o futebol, o principal impulsionador do clube, a tomar
um rumo longe daquilo que imaginaram. Passam então a haver conflitos entre as
direções dos clubes e as empresas e investidores individuais que dominam o futebol
profissional. Depois, o vazio na legislação e a falta de supervisão sobre a
origem do capital é um dos principais problemas, assim como a falta de punição
para quem viola os contratos assinados. Os clubes em Portugal não estão
preparados para terem SAD’s compradas por investidores estrangeiros. Se houver
um incumprimento por parte do investidor, o clube originário, se quiser
prosseguir, tem de começar de uma divisão distrital. Existem muitos problemas
entre clubes e as respetivas SAD’s porque o que está na origem do diferendo
está na lei de criação de SAD’s e na falta de um regime sancionatório para os
incumpridores. Passou a haver um futebol a viver acima das suas possibilidades.”
Neste contexto, muitos clubes passaram por enormes dificuldades, com despromoções,
caindo no ridículo, pois coletividades de prestígio que singraram pela I Liga
de Futebol, hoje ou já não existem ou andam pelo Campeonato de Portugal ou
Distritais de Futebol.
Esperemos que tudo de modifique para os verdadeiros tempos de glória de
cada clube português, muitos deles centenários ou a caminho.
João de Jesus Nunes
(In “O Olhanense”,
de 15-02-2023)
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