8 de março de 2024

HOJE VAMOS FALAR DE JÚLIO DINIS

 


Neste terceiro mês do ano 2024, que agora se inicia, após o términus do ano bissexto, quis dar continuidade aos traços bibliográficos de alguns escritores portugueses de nomeada.

Assim, trago hoje para o Jornal O Olhanense:

JÚLIO DINIS(1839 – 1871)

Joaquim Guilherme Gomes Coelho era o seu nome. Júlio Dinis é pseudónimo. Passou quase toda a sua vida no Porto donde era natural. Ao mesmo tempo que fazia um curso brilhante na Escola Médica dessa cidade, entretinha-se a compor poesias e contos, que ia publicando n’A Grinalda e n’O Jornal do Comércio.

A mãe e dois dos seus irmãos morreram tuberculosos. Era um jovem médico. Sentiu também em si os sintomas desta terrível doença, e decidiu ir passar uma temporada de cura a Ovar, terra do seu pai, também médico. Foi aí que, pela primeira vez, Júlio Dinis pôde examinar o viver simples da gente provinciana. Concebeu então o plano d’As Pupilas do Senhor Reitor.

Voltou ao Porto, em 1865, publicou, entretanto, As Pupilas do Senhor Reitor (1867), Uma Família Inglesa (1868) e A Morgadinha dos Canaviais (1868).

Em 1869 fez uma cura de ares na Madeira. Experimentando algumas melhoras, retomou o trabalho na Escola Médica, mas em outubro do mesmo ano viu-se constrangido a regressar ao Funchal. Começou então a escrever Os Fidalgos da Casa Mourisca (1871), que não chegaria a ver em público. No ano anterior havia escrito Serões da Província (1870).

Cada vez pior, resolveu abandonar a ilha em maio de 1871 e veio para a Cidade da Virgem, onde faleceu, em 12 de setembro.

Os romances do infortunado médico supõem a política nacional assente numa certa estabilidade. Consideram arrumadas de vez na sombra de um passado longínquo as insurreições de descontentes ou de bandos armados e as revoluções contínuas das décadas de 1820 e 1840. É que, de facto, nos anos que vão de 1858 a 1870, dois partidos se revezavam pacificamente no poder: o regenerador e o progressista.

Nos romances de Júlio Dinis está patente ainda outra face da transformação económica de Portugal. Com a extinção dos direitos senhoriais e morgadios por Mouzinho da Silveira, muitos começaram a decair, enquanto os seus antigos feitores e caseiros, mercê de um trabalho duro e honrado, lhes iam comprando as terras. Foi o que aconteceu com Tomé da Póvoa, d’Os Fidalgos da Casa Mourisca.

Este nivelamento de fortunas deu automaticamente princípio a um nivelamento de classes, resultante de uniões matrimoniais entre fidalgos decadentes ou formados e plebeias ricas e bondosas e vice-versa. A Morgadinha casa com o Augusto, professor primário; Jorge, fidalgo da Casa Mourisca, une-se a Berta, filha de um antigo trabalhador do solar; a humilde pastora transforma-se em mulher do médico; a filha do guarda-livros desposa o filho do patrão.

Não se olvida também de assinalar a ascensão dos filhos do povo a lugares destacados na média burguesia. Lavradores ricos, como o José das Dornas d’As Pupilas do Senhor Reitor, enchem-se de esfusiante vaidade, quando um filho volta à aldeia formado em Medicina. Tomé da Póvoa tem legítimo orgulho da filha educada na cidade.

E no meio desta sociedade rural, em contínuo progresso, destacam-se o padre, o médico, o professor, individualidades que Júlio Dinis considera imprescindíveis pelo menos nos jantares das boas famílias da terra.

Pela Lei da Saúde, de 26 de novembro de 1845, foram proibidos em Portugal os enterramentos nas igrejas. O povo, porém, fez a princípio obstrução à aplicação da lei, visto não achar respeitosa a inumação dos mortos nos cemitérios.

N’A Morgadinha dos Canaviais, a propósito do enterro da pequena Ermelinda, podemos ver como os ânimos estavam exaltados por causa da quebra dessa tradição secular. Não fora a intervenção do velho e simpático cura e o cemitério ter-se-ia transformado num campo de batalha, após a invasão enfurecida dos frequentadores da taberna do Canada.

Sob outro aspeto muito diferente, é cómica e elucidativa uma conversa que o José das Dornas travou com o tasqueiro João da Esquina, a propósito da tese apresentada por Daniel na Universidade. Ali encontramos alusões ao transformismo e a outras “opiniões e teorias filosóficas mais ou menos em moda” no tempo do autor d’As Pupilas do Senhor Reitor. O diálogo entre os dois aldeões é de uma comicidade rara; mas com ele conseguiu Júlio Dinis dar ao romance um verniz de atualidade científica.

Se excetuarmos Uma Família Inglesa, que tem por ambiente a cidade do Porto, Júlio Dinis situou a ação das suas obras no meio rural de Entre Douro e Minho.

Porque melhor do que todos soube explorar o campo e os seus feitiços. Descreve com primor a paisagem e nela põe a vibrar toda a vida da aldeia, quer a vida de trabalho, quer a vida em família.

Mas há nisto um pouco de idealização. Júlio Dinis quis demonstrar que o campo é um manancial de saúde para o corpo e para o espírito.

Voltarei ao assunto com outros escritores.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 01-03-2024)


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