Neste terceiro mês do ano 2024,
que agora se inicia, após o términus do ano bissexto, quis dar continuidade aos
traços bibliográficos de alguns escritores portugueses de nomeada.
Assim, trago hoje para o Jornal O
Olhanense:
JÚLIO DINIS – (1839 –
1871)
Joaquim Guilherme Gomes Coelho
era o seu nome. Júlio Dinis é pseudónimo. Passou quase toda a sua vida
no Porto donde era natural. Ao mesmo tempo que fazia um curso brilhante na
Escola Médica dessa cidade, entretinha-se a compor poesias e contos, que ia
publicando n’A Grinalda e n’O Jornal do Comércio.
A mãe e dois dos seus irmãos
morreram tuberculosos. Era um jovem médico. Sentiu também em si os sintomas
desta terrível doença, e decidiu ir passar uma temporada de cura a Ovar, terra
do seu pai, também médico. Foi aí que, pela primeira vez, Júlio Dinis pôde
examinar o viver simples da gente provinciana. Concebeu então o plano d’As
Pupilas do Senhor Reitor.
Voltou ao Porto, em 1865,
publicou, entretanto, As Pupilas do Senhor Reitor (1867), Uma Família
Inglesa (1868) e A Morgadinha dos Canaviais (1868).
Em 1869 fez uma cura de ares na
Madeira. Experimentando algumas melhoras, retomou o trabalho na Escola Médica,
mas em outubro do mesmo ano viu-se constrangido a regressar ao Funchal. Começou
então a escrever Os Fidalgos da Casa Mourisca (1871), que não
chegaria a ver em público. No ano anterior havia escrito Serões da
Província (1870).
Cada vez pior, resolveu abandonar
a ilha em maio de 1871 e veio para a Cidade da Virgem, onde faleceu, em 12 de
setembro.
Os romances do infortunado médico
supõem a política nacional assente numa certa estabilidade. Consideram
arrumadas de vez na sombra de um passado longínquo as insurreições de
descontentes ou de bandos armados e as revoluções contínuas das décadas de 1820
e 1840. É que, de facto, nos anos que vão de 1858 a 1870, dois partidos se
revezavam pacificamente no poder: o regenerador e o progressista.
Nos romances de Júlio Dinis está
patente ainda outra face da transformação económica de Portugal. Com a extinção
dos direitos senhoriais e morgadios por Mouzinho da Silveira, muitos começaram
a decair, enquanto os seus antigos feitores e caseiros, mercê de um trabalho
duro e honrado, lhes iam comprando as terras. Foi o que aconteceu com Tomé
da Póvoa, d’Os Fidalgos da Casa Mourisca.
Este nivelamento de fortunas deu
automaticamente princípio a um nivelamento de classes, resultante de uniões
matrimoniais entre fidalgos decadentes ou formados e plebeias ricas e bondosas
e vice-versa. A Morgadinha casa com o Augusto,
professor primário; Jorge, fidalgo da Casa Mourisca, une-se a Berta,
filha de um antigo trabalhador do solar; a humilde pastora transforma-se
em mulher do médico; a filha do guarda-livros desposa o filho
do patrão.
Não se olvida também de assinalar
a ascensão dos filhos do povo a lugares destacados na média burguesia.
Lavradores ricos, como o José das Dornas d’As Pupilas do
Senhor Reitor, enchem-se de esfusiante vaidade, quando um filho volta à
aldeia formado em Medicina. Tomé da Póvoa tem legítimo orgulho da
filha educada na cidade.
E no meio desta sociedade rural,
em contínuo progresso, destacam-se o padre, o médico, o professor,
individualidades que Júlio Dinis considera imprescindíveis pelo menos
nos jantares das boas famílias da terra.
Pela Lei da Saúde, de 26 de
novembro de 1845, foram proibidos em Portugal os enterramentos nas igrejas. O
povo, porém, fez a princípio obstrução à aplicação da lei, visto não achar
respeitosa a inumação dos mortos nos cemitérios.
N’A Morgadinha dos
Canaviais, a propósito do enterro da pequena Ermelinda,
podemos ver como os ânimos estavam exaltados por causa da quebra dessa tradição
secular. Não fora a intervenção do velho e simpático cura e o cemitério
ter-se-ia transformado num campo de batalha, após a invasão enfurecida dos
frequentadores da taberna do Canada.
Sob outro aspeto muito diferente,
é cómica e elucidativa uma conversa que o José das Dornas travou
com o tasqueiro João da Esquina, a propósito da tese apresentada
por Daniel na Universidade. Ali encontramos alusões ao
transformismo e a outras “opiniões e teorias filosóficas mais ou menos em moda”
no tempo do autor d’As Pupilas do Senhor Reitor. O diálogo entre
os dois aldeões é de uma comicidade rara; mas com ele conseguiu Júlio Dinis dar
ao romance um verniz de atualidade científica.
Se excetuarmos Uma Família
Inglesa, que tem por ambiente a cidade do Porto, Júlio Dinis situou
a ação das suas obras no meio rural de Entre Douro e Minho.
Porque melhor do que todos soube
explorar o campo e os seus feitiços. Descreve com primor a paisagem e nela põe
a vibrar toda a vida da aldeia, quer a vida de trabalho, quer a vida em
família.
Mas há nisto um pouco de
idealização. Júlio Dinis quis demonstrar que o campo é um manancial de
saúde para o corpo e para o espírito.
Voltarei ao assunto com outros escritores.
João de Jesus Nunes
(In “O Olhanense”, de 01-03-2024)
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