23 de julho de 2024

TEMPO DE FÉRIAS MAS TAMBÉM DE REFLEXÃO

Este periódico “O Combatente da Estrela” tem procurado estar atento aos momentos que se vão vivendo no seio dos Antigos Combatentes, sem olvidar as suas memórias. Isto por via da boa vontade dos vários Colaboradores que voluntariamente aceitam disponibilizar um pouco do seu tempo para encontrar assunto para as páginas que irão de encontro à leitura dos prezados associados. E também para as instituições para quem o mesmo é enviado.

É grande o esforço que recai sobre quem tem a responsabilidade de o deixar pronto em tempo útil. Mas existe sempre o prazer de procurar encontrar meios para que este órgão trimestral não falhe na sua periodicidade programada.

Cada vez temos mais o peso dos anos sobre cada um de nós. No entanto, todo o trabalho, desde as pesquisas às formas de encontrar uma alternativa para um certo lenitivo quando o desânimo nos importuna, talvez seja uma forma de mantermos a parte cognitiva tão salutar quão possível e evitar as suas disfunções.

O carinho no acolhimento deste periódico é patente na avidez de muitos que o procuram logo que algum atraso se verifica. É a fonte de informação consumada na necrologia dos nossos camaradas antigos Combatentes. A nossa última homenagem individualizada que fica no perpétuo registo da nossa informação escrita.

A juventude de hoje poderá encontrar um ponto de reflexão do que foram os tempos de nos obrigarem a entrar numa guerra fratricida, com as inegáveis nefastas consequências para a vida de cada um e das suas famílias.  Destas, dando origem aos seus sofrimentos, dilaceradas pela eterna falta dos seus filhos, pais ou maridos, arrancados do seu seio familiar. Foram prejudicadas fortemente as suas vidas e profissões, com mortes, deficiências físicas permanentes e doenças por stress pós-traumático. Vários casos são contados nas rubricas que vamos publicando: “Conte-nos a sua História”.

Na revista “O Combatente”, de março de 2024, de que é diretor o albicastrense e nosso prezado amigo – amigo de todos os antigos Combatentes – também ele o Presidente da Liga dos Combatentes, Tenente-general Joaquim Chito Rodrigues, no seu excelente editorial, reporta-se às idades dos antigos Combatentes.  De momentos até aos dias de hoje.  E não só, pelo que me permito transcrever parcialmente algo da sua página, para que fique na mente de quem queira refletir sobre o importante assunto das guerras coloniais que nos envolveram durante 13 anos.

“Jovens e Veteranos”

“Contrastes da vida real vêm-nos à memória. Parece que foi ontem. Aos gritos o povo português entoava: ‘Angola é nossa’. Já lá vão 63 anos… Angola é hoje um país independente. Parece que foi ontem. Aos gritos o povo português entoava ‘Grândola Vila Morena’… ‘Liberdade’. Há precisamente 50 anos… Portugal é hoje um país democrático e comemora o cinquentenário do 25 de abril. Há uma parte do povo português que foi ator decisivo nestes momentos importantes da História de Portugal. Alguns deles deram a vida ao escrever essa História. Outros sobreviveram, observam e vivem hoje, na generalidade, os últimos anos das suas vidas.

De facto, quem em 1961 foi chamado às fileiras das Forças Armadas, com os seus 20 anos para marchar para Angola, tem hoje 83 anos. Quem com 20 anos, marchou em 1974, no final da guerra ou fez e comemora o 25 de abril, tem hoje 70 anos. Por outro lado, quem decide hoje em Portugal e nasceu com o 25 de abril, comemora os seus 50 anos, mas não teve a vivência nem da ditadura, nem do PREC, recebendo nas mãos a Democracia. Importa, pois, essa juventude ouvir o que os mais veteranos têm para contar e para sugerir”.

Neste ano da graça de 2024 comemoram-se também os prováveis 500 anos do nascimento de Luís Vaz de Camões. O maior poeta nacional de Portugal considerado uma das maiores figuras da literatura lusófona.

Pouco se sabe com certeza sobre a sua vida. Diz-se que, por conta de um amor frustrado, autoexilou-se em África, alistado como militar, onde perdeu o olho direito na batalha naval no Estreito de Gibraltar. Enfrentou uma série de adversidades, foi preso várias vezes, combateu ao lado das forças portuguesas e escreveu a sua obra mais conhecida, a epopeia nacionalista Os Lusíadas.

“Enquanto viveu queixou-se várias vezes de alegadas injustiças que sofrera, e da escassa atenção que a sua obra recebia, mas pouco depois de falecer a sua poesia começou a ser reconhecida como valiosa e de alto padrão estético por vários nomes importantes da literatura europeia”.

Seu pai, Simão Vaz de Camões casou com Ana de Sá e Macedo, de família fidalga, oriunda de Santarém. Seu filho único, Luís Vaz de Camões, terá nascido em Lisboa, em 23 de janeiro de 1524, baseando-se no soneto “O dia em que eu nasci moura e pereça” atribuído a Camões, e na data de um eclipse ocorrido em 1525. Três anos depois, estando a cidade ameaçada pela peste, a família mudou-se, acompanhando a corte de D. João III, para Coimbra. Por isso, o seu local e data de nascimento são considerados incertos. A sua família era pobre, mas sendo fidalga, pôde ser admitido e estabelecer contactos intelectuais frutíferos na corte de D. João III, iniciando-se na poesia.

Levava uma vida boémia, frequentando tabernas e envolvendo-se em arruaças e relações amorosas tumultuosas.

Os anos finais passados em Goa foram entretidos com a poesia e com as atividades militares, onde sempre demonstrou bravura, prontidão e lealdade à Coroa.

Depois de tantas peripécias, finalizou Os Lusíadas, tendo-os apresentado em récita para o rei D. Sebastião. O rei, ainda um adolescente, determinou que o trabalho fosse publicado em 1572, concedendo também uma pequena pensão a “Luís de Camões, cavaleiro fidalgo da minha Casa”, em paga pelos serviços prestados na Índia.

Viveu seus anos finais num quarto de uma casa próximo da Igreja de Santa Ana, num estado, segundo narra a tradição, da mais indigna pobreza, mesmo assim ainda conseguiu manter o escravo Jau que trouxera do oriente. Depois de ver-se amargurado pela derrota portuguesa na Batalha de Alcácer-Quibir, onde desapareceu D. Sebastião, levando Portugal a perder a sua independência para Espanha, adoeceu de peste, morrendo em 10 de junho de 1580.  Foi enterrado, numa campa rasa, na Igreja de Santa Ana, ou cemitério dos pobres do mesmo hospital. Depois do terramoto de 1755 que destruiu a maior parte de Lisboa, foram feitas tentativas para se encontrar os despojos de Camões, todas frustradas. A ossada que foi depositada em 1880 numa tumba do Mosteiro dos Jerónimos é, com toda a probabilidade, de outra pessoa.

E assim termina a vida de Luís de Camões, mas fica na imortalidade de Portugal e do Mundo, em que o seu linguajar literário foi sempre reconhecido como erudito. Ele não escrevera para ignorantes.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Combatente da Estrela”, nº. 135 – JUL/2024)


 

19 de julho de 2024

AS QUERIDAS TELENOVELAS BRASILEIRAS

 

Quase todos passamos nas nossas vidas por duas fases em que umas vezes surge o otimismo, outras emerge o pessimismo, neste sentimento paradoxal entre nós, humanos que somos. Também eu tenho plena consciência de que o meu prazo de validade vai sendo cada vez mais curto, contrastando com décadas precedentes. Tempos houve em que a minha apetência pelos livros se virava para muitas aquisições, onde a História era o meu ponto forte, em livrarias e bibliotecas, e o rigor na génese do que procurava em termos temáticos, chegavam por vezes a prejudicar a minha vida familiar e profissional. Não consegui ler todos os livros que fui integrando, ao longo de uma vida, da minha biblioteca, e que tinha à espera de serem lidos, em grande parte, ainda que alguns na diagonal, com o prazer de outros folhear naquela atração de alguma página me fazer parar na direção do seu conteúdo apelativo.

Resolvi há poucos meses reduzir alguns milhares dos volumes que possuía para algumas centenas, por via de doações a bibliotecas, instituições e particulares, e, outros, já sem o interesse inicial, seguiram o destino do Banco Alimentar.

O formato digital não cabe nas minhas opções de leitura, em livro, ainda que, quanto aos jornais, assino alguns diários neste formato, desde que surgiu a pandemia.

Mas enquanto nos contatavam os habituais vendedores de livros porta a porta, apareciam também as Selecções do Reader’s Digest e o Círculo de Leitores, este do Grupo Bertrand, que proporcionaram a abundância de vendas com o aliciante deste último ter a iniciativa de apresentar as obras completas dos principais autores portugueses, como Júlio Dinis, Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco, Aquilino Ribeiro, Alexandre Herculano, Almeida Garrett, entre outros.

Foi entretanto também o tempo da transmissão das telenovelas brasileiras em Portugal, inicialmente ainda a preto e branco.

As primeiras transmissões a cores começaram em 1976, durante as eleições presidenciais, e em setembro de 1979 são transmitidos os “Jogos sem fronteiras”, também a cores, por obrigação europeia. Só em 7 de março de 1980 é que começaram as emissões regulares a cores em Portugal, com o Festival da Canção RTP.

Mesmo com a RTP a preto e branco, consegui, no tempo em que os meus Filhos eram crianças, ver a TV Espanhola a cores, que então se via perfeitamente em Portugal, com antena própria, isto por força de já me ter antecipado à aquisição de uma Grundig no Pinho.

E é então que a RTP inicia na RTP 1 e RTP 2 a emissão diária a cores na sua totalidade, a partir de 3 de novembro de 1980, após ter iniciado período experimental de emissões.

Nos anos 90 surgem a nível nacional as estações privadas: a SIC, a 6 de outubro de 1992 e a TVI em 20 de fevereiro de 1993. Nesta altura a TVI chamava-se “4”, por ser o quarto canal de TV em Portugal.

E é em meados da década de setenta do século passado que o país se deslumbra com as telenovelas brasileiras, mormente após a hora do jantar. Ficavam assim na memória os seus protagonistas – atores sem necessidade de legendas para se fazerem entender.

A primeira telenovela exibida em Portugal pela RTP 1 com um enorme sucesso em todo o país foi Gabriela, corria o ano de 1977 mas a data vem do ano 1975, iniciada no Brasil.

Começou a ser transmitida em 16 de maio de 1977 e foi um enorme sucesso em todo o país. Neste ano, o número de aparelhos televisivos era baixo em Portugal (150 televisores por mil habitantes), o que fazia com que os habitantes das aldeias, pequenas vilas e bairros populares se deslocassem de propósito a cafés, às associações de bairro e de moradores ou sedes de outras associações cooperativas, para poderem assistir à telenovela. A sua popularidade atingiu todos os estratos sociais. Esse sucesso também se refletiu em novos modos de comportamento e de relacionamento social, com algo que nunca tinha sido visto na televisão portuguesa. Influenciou a moda, incluindo os penteados, a escolha dos nomes dos bebés e da linguagem usada (palavras como bacano tornaram-se populares). Essa influência continuaria com outras novelas oriundas do Brasil. Gabriela foi um sucesso estrondoso na televisão portuguesa, abrindo horizonte para a produção de uma série  de novelas portuguesas, sendo a primeira Vila Faia, em 1982.

A transmissão teve lugar até 16 de novembro de 1977, sendo substituída por outra telenovela brasileira, O Casarão.

Por não caber tudo o que gostava de memorizar das telenovelas brasileiras, nesta crónica, apenas menciono algumas delas e alguns dos seus atores com as suas personagens: 1977 – Gabriela (Sónia Braga – Gabriela da Silva; Armando Bogus – Nacib; Paulo Gracindo – Coronel Ramiro Bastos; José Wilker – Dr. Mundinho; Nivea Maria – Jerusa Bastos).

- 1978 - Escrava Isaura (Lucélia Santos – Isaura dos Anjos; Rubens de Falco – Leôncio Correia).

- 1978 – O Casarão (Oswaldo Loureiro – Deodato Leme; Gracindo Júnior – Paulo Gracindo – João Maciel.

- 1978 – 1979 – O Astro.

- 1980 – 1981 – Dona Xepa.

- 1976 – 1988 – Roque Santeiro.

- 1995 – 1996 – Pantanal.

Votos de boas férias, e boas leiruras, para os prezados Leitores que já as puderam programar.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In quinzenário “O Olhanense”, de 15-07-2024)

       


10 de julho de 2024

FUGINDO À GUERRA DO VIETNAME E À DO ULTRAMAR, O COVILHANENSE RUI MATEUS FOI UM DOS FUNDADORES DO PS PORTUGUÊS


Podia ter dado vários títulos a uma crónica sobre esta figura covilhanense, sobejamente conhecida e falada nos meios políticos até finais do século XX.

Tenho na minha memória passagens indeléveis sobre vivências da minha vida enquanto jovem, e das minhas atividades profissionais, e esta, passada com Rui Mateus, reporta-se ao meu primeiro emprego na Rua Dr. Almeida Eusébio, na Covilhã, aos dezassete anos, onde era empregado de escritório numa empresa de representações de lãs e acessórios para a indústria de lanifícios, então em florescimento, que dava pelo nome de João Lopes Barata.

Eu andava ainda a completar o Curso Geral do Comércio na Escola Industrial e Comercial Campos Melo, mas como às minhas algibeiras não chegava nenhuma semanada, nem sequer a mais pequena nota de vinte escudos, pois o único vencimento de meu Pai, funcionário da biblioteca municipal durante largos anos, não era suficiente para sustentar oito pessoas em casa, decidi procurar um emprego e completar os estudos à noite, como trabalhador-estudante, o que veio a suceder.

Foi uma forma de passar da teoria à prática, trabalhando em contacto com o público e com os vários Bancos que prosperavam na Cidade laneira, bem como solicitadores e advogados, na penumbra de um aprendiz no horizonte da vida.

Escreviam-se ali muitas cartas para o estrangeiro, em francês e inglês. Em francês não tínhamos problema de maior, tanto eu como o meu patrão. As mais problemáticas envolviam a língua inglesa onde o meu inglês, proveniente da Drª. Maria Cerdeira, ainda não era suficiente para a fluência e desenvolvimento da escrita já que só tivera dois anos com esta excelente professora. Teria depois, até concluir o Curso, mais três professoras de Inglês, nada comparadas com a Drª Maria Cerdeira (Maria do Céu Proença, Evalina e Fernanda Pais). O meu patrão não percebia patavina desta língua. Mas havia a necessidade de entrar em negociações com fornecedores de amostras das lãs dos carneiros merinos, e de outras paragens como da Austrália, ou de pêlo de camelo, para eventuais concretizações de negócios. Quanto a rolamentos SKF para as indústrias já eu me desenrascava nos pouco mais de cinco meses que estive ao serviço daquele patrão. Fui apanhado para o meu primeiro emprego quando me preparava para fazer o exame de transição de dia para a noite, na Escola Industrial, que se realizavam em finais de setembro, e que contemplava o 2.º ano de História, Cálculo Comercial e Francês, a fim e não atrasar um ano, uma vez que de dia eram cinco anos e à noite eram seis.

Quando surgia a necessidade de escrever algumas cartas em inglês, ou para traduzir as rececionadas, dois dias por semana entrava no escritório um rapaz, antigo estudante do Colégio Moderno – o Rui Mateus, que já conhecia do meio estudantil citadino e fazia as traduções com rapidez. No final do mês recebia 50$00 pelo seu trabalho que geralmente não ultrapassava uma hora. Estávamos no ano 1963.

Como entrava na biblioteca municipal e passado muito tempo deixei de o ver, vim a tomar conhecimento de que havia estado com uma bolsa na América, obtida através da American Field Services, seguindo as pisadas do irmão mais velho, para estudar e viver com uma família norte-americana em Cedar Rapids. Foi a experiência mais marcante e formativa da sua vida, através da qual se familiarizou com a língua inglesa, um futuro precioso na sua carreira política futura.

A sua história é longa e encontra-se há muito longe de se saber o seu paradeiro. Seriam necessárias muitas páginas para se contar o suficiente sobre o covilhanense Rui Fernando Pereira Mateus, nascido em 16 de abril de 1944, na Covilhã, filho de um comerciantes da Covilhã que se associou a uma empresa de tecelagem que, graças à nossa adesão à EFTA e mercê da atividade exportadora, conheceu grande prosperidade; que lecionou nos Estados Unidos, casou na Suécia, teve envolvimentos com outra, entrou na política com elementos tão conhecidos como Mário Soares, com o qual viria a fundar o PS. Foi deputado por este partido na Assembleia da República, e estava muito interessado a vir a ser Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Regressou a Portugal, por volta dos 18 anos, altura em que esteve no meu local de trabalho, para traduções de inglês, nessa altura, a fim de fugir a ser mobilizado, na América, para a Guerra do Vietname.

Mas pouco depois decide partir de Portugal, refratário à Guerra Colonial, para um exílio de cerca de uma década, primeiro para Inglaterra, depois para a Suécia onde viria a licenciar-se em Ciências Sociais e Políticas.

Esteve envolvido no Caso do Fax de Macau, após ter sido contactado em março de 1988 por um filho de um fundador do PS, tal como ele, com boas relações com o presidente da República, Mário Soares.

Deste imbróglio em que quis envolver o Governador de Macau, Carlos Melancia, correm rios de tinta e Rui Mateus incompatibilizou-se com Mário Soares. Com o desfecho do fax de Macau, viria a ser preso.

Das zangas com Mário Soares, escreveu um livro-bomba, “Contos Proibidos – Memórias de um PS desconhecido”, com uma colossal tiragem de 30 mil exemplares que esgotou no próprio dia.

Não vou escalpelizar o que foi do conhecimento de então e que já está no arquivo dos esquecimentos, sendo a referência feita pelo facto de momentaneamente ter convivido profissionalmente com ele, muito poucochinho, e ser do conhecimento dos covilhanenses.

Memórias do passado.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 10-07-2024)

 

3 de julho de 2024

ENTRE A PRIMEIRA MISS PORTUGAL E A PRIMEIRA INFLUENCER PORTUGUESA

 

Da leitura do Público de 2 de junho de 2024, vai a minha atenção para este tema, que eu defini, sobre o olhar da vivência da mulher de tempos que já lá vão, que deixaram marcas pela sua elegância e beleza “bem portuguesa”.

Quando a 11 de abril de 1970 Ana Maria Lucas foi coroada a primeira Miss Portugal, a imprensa elogiava-lhe a pele morena e a elegância, a par do seu sorriso, que lhe dava uma enorme beleza.

Passaram-se mais de 50 anos depois deste evento, e agora, com 75 anos, após um AVC e com dois filhos (Francisco e Miguel), fruto do seu casamento com Carlos Mendes, mantém um sentido de humor. Tem dois netos. Emociona-se quando refere que “não era nada sem a família”. É que, diz ainda: “Salvei-me por causa dos meus filhos e dos meus netos”. Era com os filhos que estava quando, em 2009, sofreu um acidente vascular cerebral, deduzindo tenha sido motivado pela depressão de que sofria. E foi por isso que se salvou.

A recuperação foi dura e longa. Nunca mais conseguiu voltar a trabalhar em televisão, onde era comentadora assídua, além de apresentadora.

Apesar de não gostar de recordar o passado, continua a ter mazelas dos tempos da ditadura, refere. “Os meus pais ficavam com o dinheiro todo que eu ganhava e só me deram o cheque quando me casei”, e não se esquece das vezes em que o pai, jornalista do Diário de Notícias, foi preso. Sempre se sentiu livre e “à parte” do resto do mundo por trabalhar em moda. Ainda antes de ser miss, aos 17 anos, já fazia “passagens de modelos” no “programa feminino” da apresentadora Maria Leonor da RTP.

A sua vida pacata havia de mudar em 1970 quando Maria Leonor a inscreveu na primeira edição do concurso Miss Portugal.

A outra concorrente a Miss, em ditadura, foi Helena Isabel. Tem 72 anos. Quer ser, e será atriz enquanto viver, segundo conta. É mãe e até quase influencer. Agora, apesar de já sentir alguns pequenos problemas da idade, é voz do envelhecimento ativo e “ainda tem muito para viajar”. É defensora das mulheres e continua na fila da frente pela igualdade do género desde antes do 25 de abril, quando ser atriz não era uma profissão digna. Esta Helena feminista quase pode ser paradoxal com a Helena Miss Portugal 1971. “Fui participante no Miss Portugal e, quase logo a seguir, arrependi-me. Nós lutávamos muito contra a mulher-objeto e o concurso era o expoente máximo disso”, recorda, lembrando que o concurso de beleza lhe deu oportunidade de viajar, uma das suas maiores paixões. “(…) O estigma vê-se também no teatro e na televisão com os atores mais velhos a serem colocados em prateleiras ou a ficarem com as sobras dos poucos papéis. Claro que os novos nomes vão sempre surgir, mas um ator não se reforma. O ator é ator até morrer”.

Lili Caneças (Maria Alice Carvalho Monteiro), hoje com 80 anos, foi a primeira influencer portuguesa, a mãe do jet set à portuguesa. Deu uma entrevista ao Público sobre o tema da longevidade. Fazem-na feliz o ter protagonismo, as pessoas olharem para ela e darem-lhe palmas, confessa. Foi assim que o seu nome próprio foi designado por Manuel Pinto Coelho por Lili Caneças. Foi ela a primeira figura pública portuguesa a falar abertamente sobre as intervenções estéticas, no tempo em que ainda eram um tabu.

Em 2001, o famoso peeling abriu os noticiários televisivos em Portugal com a socialite a  fazer uma conferência de imprensa em direto.

A sua vida de estudante universitária havia de durar pouco. Aos 19 anos começou a trabalhar como assistente de bordo na TAP. Entretanto, conheceu o marido, Álvaro Caneças. Foi ele que lhe deu acesso à vida de luxo, mas o tempo havia de tornar o divórcio uma inevitabilidade. Ela começou a trabalhar em televisão, mas manteve os contactos entre o jet set, que a continuaram a levar a Monte Carlo, no Mónaco, ou na Florida. “Tenho um sonho que é fazer uma geminação entre Monte Carlo e Cascais. Seria muito bom recebermos turistas com poder económico em Cascais”, conta a autodenominada “tia de Cascais”.

“Não sente a idade” a passar-lhe pelo corpo, até porque “detesta a velhice”. “Não gosto de repetir prazeres. Gosto de estar sempre a fazer coisas novas”, termina Lili Caneças, com o brilho de quem ainda tem muita vida a palmilhar depois dos 80.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 01-07-2024)