10 de julho de 2024

FUGINDO À GUERRA DO VIETNAME E À DO ULTRAMAR, O COVILHANENSE RUI MATEUS FOI UM DOS FUNDADORES DO PS PORTUGUÊS


Podia ter dado vários títulos a uma crónica sobre esta figura covilhanense, sobejamente conhecida e falada nos meios políticos até finais do século XX.

Tenho na minha memória passagens indeléveis sobre vivências da minha vida enquanto jovem, e das minhas atividades profissionais, e esta, passada com Rui Mateus, reporta-se ao meu primeiro emprego na Rua Dr. Almeida Eusébio, na Covilhã, aos dezassete anos, onde era empregado de escritório numa empresa de representações de lãs e acessórios para a indústria de lanifícios, então em florescimento, que dava pelo nome de João Lopes Barata.

Eu andava ainda a completar o Curso Geral do Comércio na Escola Industrial e Comercial Campos Melo, mas como às minhas algibeiras não chegava nenhuma semanada, nem sequer a mais pequena nota de vinte escudos, pois o único vencimento de meu Pai, funcionário da biblioteca municipal durante largos anos, não era suficiente para sustentar oito pessoas em casa, decidi procurar um emprego e completar os estudos à noite, como trabalhador-estudante, o que veio a suceder.

Foi uma forma de passar da teoria à prática, trabalhando em contacto com o público e com os vários Bancos que prosperavam na Cidade laneira, bem como solicitadores e advogados, na penumbra de um aprendiz no horizonte da vida.

Escreviam-se ali muitas cartas para o estrangeiro, em francês e inglês. Em francês não tínhamos problema de maior, tanto eu como o meu patrão. As mais problemáticas envolviam a língua inglesa onde o meu inglês, proveniente da Drª. Maria Cerdeira, ainda não era suficiente para a fluência e desenvolvimento da escrita já que só tivera dois anos com esta excelente professora. Teria depois, até concluir o Curso, mais três professoras de Inglês, nada comparadas com a Drª Maria Cerdeira (Maria do Céu Proença, Evalina e Fernanda Pais). O meu patrão não percebia patavina desta língua. Mas havia a necessidade de entrar em negociações com fornecedores de amostras das lãs dos carneiros merinos, e de outras paragens como da Austrália, ou de pêlo de camelo, para eventuais concretizações de negócios. Quanto a rolamentos SKF para as indústrias já eu me desenrascava nos pouco mais de cinco meses que estive ao serviço daquele patrão. Fui apanhado para o meu primeiro emprego quando me preparava para fazer o exame de transição de dia para a noite, na Escola Industrial, que se realizavam em finais de setembro, e que contemplava o 2.º ano de História, Cálculo Comercial e Francês, a fim e não atrasar um ano, uma vez que de dia eram cinco anos e à noite eram seis.

Quando surgia a necessidade de escrever algumas cartas em inglês, ou para traduzir as rececionadas, dois dias por semana entrava no escritório um rapaz, antigo estudante do Colégio Moderno – o Rui Mateus, que já conhecia do meio estudantil citadino e fazia as traduções com rapidez. No final do mês recebia 50$00 pelo seu trabalho que geralmente não ultrapassava uma hora. Estávamos no ano 1963.

Como entrava na biblioteca municipal e passado muito tempo deixei de o ver, vim a tomar conhecimento de que havia estado com uma bolsa na América, obtida através da American Field Services, seguindo as pisadas do irmão mais velho, para estudar e viver com uma família norte-americana em Cedar Rapids. Foi a experiência mais marcante e formativa da sua vida, através da qual se familiarizou com a língua inglesa, um futuro precioso na sua carreira política futura.

A sua história é longa e encontra-se há muito longe de se saber o seu paradeiro. Seriam necessárias muitas páginas para se contar o suficiente sobre o covilhanense Rui Fernando Pereira Mateus, nascido em 16 de abril de 1944, na Covilhã, filho de um comerciantes da Covilhã que se associou a uma empresa de tecelagem que, graças à nossa adesão à EFTA e mercê da atividade exportadora, conheceu grande prosperidade; que lecionou nos Estados Unidos, casou na Suécia, teve envolvimentos com outra, entrou na política com elementos tão conhecidos como Mário Soares, com o qual viria a fundar o PS. Foi deputado por este partido na Assembleia da República, e estava muito interessado a vir a ser Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Regressou a Portugal, por volta dos 18 anos, altura em que esteve no meu local de trabalho, para traduções de inglês, nessa altura, a fim de fugir a ser mobilizado, na América, para a Guerra do Vietname.

Mas pouco depois decide partir de Portugal, refratário à Guerra Colonial, para um exílio de cerca de uma década, primeiro para Inglaterra, depois para a Suécia onde viria a licenciar-se em Ciências Sociais e Políticas.

Esteve envolvido no Caso do Fax de Macau, após ter sido contactado em março de 1988 por um filho de um fundador do PS, tal como ele, com boas relações com o presidente da República, Mário Soares.

Deste imbróglio em que quis envolver o Governador de Macau, Carlos Melancia, correm rios de tinta e Rui Mateus incompatibilizou-se com Mário Soares. Com o desfecho do fax de Macau, viria a ser preso.

Das zangas com Mário Soares, escreveu um livro-bomba, “Contos Proibidos – Memórias de um PS desconhecido”, com uma colossal tiragem de 30 mil exemplares que esgotou no próprio dia.

Não vou escalpelizar o que foi do conhecimento de então e que já está no arquivo dos esquecimentos, sendo a referência feita pelo facto de momentaneamente ter convivido profissionalmente com ele, muito poucochinho, e ser do conhecimento dos covilhanenses.

Memórias do passado.

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 10-07-2024)

 

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