Da leitura do Público de 2 de junho de 2024, vai a minha atenção para
este tema, que eu defini, sobre o olhar da vivência da mulher de tempos que já
lá vão, que deixaram marcas pela sua elegância e beleza “bem portuguesa”.
Quando a 11 de abril de 1970 Ana Maria Lucas foi coroada a
primeira Miss Portugal, a imprensa elogiava-lhe a pele morena e a elegância, a
par do seu sorriso, que lhe dava uma enorme beleza.
Passaram-se mais de 50 anos depois deste evento, e agora, com 75 anos, após
um AVC e com dois filhos (Francisco e Miguel), fruto do seu casamento com Carlos
Mendes, mantém um sentido de humor. Tem dois netos. Emociona-se quando refere
que “não era nada sem a família”. É que, diz ainda: “Salvei-me por causa dos
meus filhos e dos meus netos”. Era com os filhos que estava quando, em 2009,
sofreu um acidente vascular cerebral, deduzindo tenha sido motivado pela
depressão de que sofria. E foi por isso que se salvou.
A recuperação foi dura e longa. Nunca mais conseguiu voltar a trabalhar
em televisão, onde era comentadora assídua, além de apresentadora.
Apesar de não gostar de recordar o passado, continua a ter mazelas dos
tempos da ditadura, refere. “Os meus pais ficavam com o dinheiro todo que eu
ganhava e só me deram o cheque quando me casei”, e não se esquece das vezes em
que o pai, jornalista do Diário de Notícias, foi preso. Sempre se sentiu
livre e “à parte” do resto do mundo por trabalhar em moda. Ainda antes de ser miss,
aos 17 anos, já fazia “passagens de modelos” no “programa feminino” da
apresentadora Maria Leonor da RTP.
A sua vida pacata havia de mudar em 1970 quando Maria Leonor a inscreveu na
primeira edição do concurso Miss Portugal.
A outra concorrente a Miss, em ditadura, foi Helena Isabel. Tem 72 anos.
Quer ser, e será atriz enquanto viver, segundo conta. É mãe e até quase influencer.
Agora, apesar de já sentir alguns pequenos problemas da idade, é voz do
envelhecimento ativo e “ainda tem muito para viajar”. É defensora das mulheres e
continua na fila da frente pela igualdade do género desde antes do 25 de abril,
quando ser atriz não era uma profissão digna. Esta Helena feminista quase pode
ser paradoxal com a Helena Miss Portugal 1971. “Fui participante no Miss
Portugal e, quase logo a seguir, arrependi-me. Nós lutávamos muito contra a
mulher-objeto e o concurso era o expoente máximo disso”, recorda, lembrando que
o concurso de beleza lhe deu oportunidade de viajar, uma das suas maiores
paixões. “(…) O estigma vê-se também no teatro e na televisão com os atores
mais velhos a serem colocados em prateleiras ou a ficarem com as sobras dos
poucos papéis. Claro que os novos nomes vão sempre surgir, mas um ator não se
reforma. O ator é ator até morrer”.
Lili Caneças (Maria Alice
Carvalho Monteiro), hoje com 80 anos, foi a primeira influencer portuguesa,
a mãe do jet set à portuguesa. Deu uma entrevista ao Público sobre
o tema da longevidade. Fazem-na feliz o ter protagonismo, as pessoas olharem
para ela e darem-lhe palmas, confessa. Foi assim que o seu nome próprio foi
designado por Manuel Pinto Coelho por Lili Caneças. Foi ela a primeira figura
pública portuguesa a falar abertamente sobre as intervenções estéticas, no
tempo em que ainda eram um tabu.
Em 2001, o famoso peeling abriu os noticiários televisivos em
Portugal com a socialite a fazer
uma conferência de imprensa em direto.
A sua vida de estudante universitária havia de durar pouco. Aos 19 anos
começou a trabalhar como assistente de bordo na TAP. Entretanto, conheceu o
marido, Álvaro Caneças. Foi ele que lhe deu acesso à vida de luxo, mas o tempo
havia de tornar o divórcio uma inevitabilidade. Ela começou a trabalhar em
televisão, mas manteve os contactos entre o jet set, que a continuaram a
levar a Monte Carlo, no Mónaco, ou na Florida. “Tenho um sonho que é fazer uma geminação
entre Monte Carlo e Cascais. Seria muito bom recebermos turistas com poder
económico em Cascais”, conta a autodenominada “tia de Cascais”.
“Não sente a idade” a passar-lhe pelo corpo, até porque “detesta a
velhice”. “Não gosto de repetir prazeres. Gosto de estar sempre a fazer coisas
novas”, termina Lili Caneças, com o brilho de quem ainda tem muita vida a
palmilhar depois dos 80.
João de Jesus Nunes
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