18 de setembro de 2024

PARADOXALMENTE

 


Por razões que se prendem com uma conversa de amigos que se manifestaram interessados em trazer à baila um artigo que publiquei num semanário covilhanense, cuja publicação remonta a 27-02-2004, ou seja, há vinte anos, então sob o título “O Paradoxo”, vou reportar-me a esse texto, uma vez que os interessados são conhecedores das personagens no mesmo inseridas e das facetas que envolveram a situação da emigração dos anos 60 do século XX.

Naquela altura, meados dos anos 60, vivíamos numa pobreza e falta de liberdade a todos os títulos devastadora, onde nem sequer se pensava no desenvolvimento do ensino, perspetivando algumas boas almas remar contra a maré na criação do ensino superior para além de Lisboa, Porto, Coimbra e Évora. Não se conheciam nem estavam para tão rápido a implantação das novas tecnologias e sistemas digitais, que se desconheciam no país, e que só, a pouco e pouco foram surgindo, muito lá para a frente.

Faz-me muita confusão e até estranho que na Beira Baixa, distrito de Castelo Branco, só agora tenha chegado, finalmente, o ensino secundário, no concelho de Vila Velha de Ródão, que era o único deste distrito em que não havia esta oferta (JF de 08-08-2024).

O resultado de dois estudos recentes da empresa de cibersegurança NordVPN mostra como as pessoas utilizam os smartphones em dois dos espaços mais privados. Os dados revelaram que uma maioria significativa (83%) leva os dispositivos inteligentes para a cama, 65% usam os smartphones na casa de banho. Estas informações ilustram como os telemóveis se tornaram indispensáveis em muitos contextos das nossas rotinas diárias. Embora estas pessoas realcem o papel significativo que os smartphones passaram a desempenhar no dia a dia, mesmo em ambientes privados, há muitas pessoas que ainda não estão sensibilizadas para os hábitos de segurança online.

Já num outro meu artigo, inserido noutro semanário covilhanense, em 09-01-2018, sob o título “O Paradoxo de Portugal em 2017” referia que “o ano que findou mostrou-nos duas facetas bem distintas na sua rotação dos 365 dias. E entre o copo meio cheio e o copo meio vazio não podemos deixar de nos firmar na realidade dos acontecimentos surgidos, uns, excessivamente otimistas, outros, justificadamente pessimistas”. O ano de 2017 foi o ano em que a economia cresceu mais do que o privado, o desemprego continuou a baixar e os juros da dívida caíram a pique. Portugal conseguiu dar um pontapé nas agências de rating e saiu do lixo. Foi ainda o ano em que Portugal foi eleito como o melhor destino turístico do mundo. Ainda neste ano António Guterres subiu ao mais alto duma organização mundial, como secretário-geral das Nações Unidas, onde ainda se mantém e Mário Centeno, hoje Governador do Banco de Portugal, havia sido eleito para presidente do Eurogrupo.

No contraste sentimos a amargura dos famigerados incêndios em Pedrógão Grande, que ceifou muitos cidadãos e destruiu imenso património principalmente florestal.

Mas vamos ao assunto a que no início faço referência para o contexto do que me propus escrever.

Os imigrantes, há vinte anos, já eram 5% da população portuguesa, tendo atingido 500 mil no final do ano 2003, com supremacia para os brasileiros.

Por todas as cidades e aldeias do nosso país se instalaram, e muitos vieram a ser acolhidos, cidadãos de diferentes nacionalidades, num cosmopolitismo e multiculturalismo jamais visto até finais da década de sessenta do século XX. Deixámos de estranhar os trajes e modos de vida dos muçulmanos, dos indianos, africanos, e outros, por essas ruas, becos e travessas fora, o que não acontecia há 60 anos em que um homem de cor geralmente só se via integrado numa equipa de futebol.

Hoje, felizmente, são milhares e milhares de homens e mulheres, geralmente fugindo das guerras e da fome, que encontram no nosso país aquele paraíso com que sonharam, contribuindo, desta forma, para que o défice de demografia não seja mais elevado, se ocupem nos trabalhos de subsistência, que, em muitos casos, os portugueses rejeitam, sendo, inclusive, os maiores contribuidores, com os descontos nos seus salários, para a sustentabilidade do sistema da Segurança Social.

Portanto, o que se passa atualmente, e há já uns anos atrás, é exatamente paradoxal ao que aconteceu nos finais da década de 50 e início da de 60 do século XX, onde um forte índice de emigração surgiu, preferencialmente para França, Alemanha, Suíça e Luxemburgo.

Nas Câmaras Municipais era o andar num rodopio diário, para os que pretendiam sair do país legalizados, ao contrário dos que partiam de assalto, muitas vezes em condições infra-humanas, na esperança de encontrar o eldorado, ultrapassando assim dificuldades e sacrifícios.         

O concelho da Covilhã também não ficou incólume a essa avalanche de gente a contribuir para a desertificação das suas terras, mas, por outro lado, a avolumar a remessa dos emigrantes que caíam muito bem nos cofres do Estado Novo.  

Este formigueiro humano vinha principalmente das freguesias rurais, a norte e a sul do Concelho: Minas da Panasqueira, S. Jorge da Beira, Casegas, Sobral de S. Miguel, Unhais da Serra, Tortosendo, Paul, Ourondo, como também de Vale Formoso, Orjais, Teixoso e Aldeia do Carvalho.         

As funcionárias da Câmara Municipal da Covilhã, e um funcionário, naquela época, batiam incessantemente as teclas das máquinas de escrever, tratando da documentação dos que pretendiam emigrar, os quais algumas vezes faziam fila pelo corredor do município, ao tempo dos presidentes da Câmara, Dr. Baltazar e Eng.º Vicente Borges Terenas. Cá fora, havia a recompensa, dos que pretendiam emigrar, para as incansáveis funcionárias, pelo menos algumas…, geralmente com produtos das suas terras, onde não faltavam alguns animeis de capoeira. Os queijos e os presuntos também compunham alguns cabazes, contribuíam para que pudessem ver o adiantamento e informação, sobre a sua documentação, na frente, bem depressa, que o país das patacas ou a terra prometida estava à espera.

 Essas recompensas davam ânimo e um certo dinamismo às senhoras funcionárias administrativas do município, encarregadas da emigração, enquanto o chefe da contabilidade, apesar da escolaridade obrigatória, conhecido influencer da edilidade, na sua popularidade, passava parte do tempo, numa salinha ao lado dos gabinetes do Presidente da Câmara e do Chefe da Secretaria, com os empreiteiros que participavam em concursos de obras municipais, principalmente quando havia Sessões de Câmara.

O Terceiro Oficial da edilidade que fora guarda-redes dos primórdios do Sporting Clube da Covilhã, aos domingos rumava ao Santos Pinto para fazer os comentários do clube serrano que depois, como correspondente do Record e d’A Bola, fazia o seu serviço via telefónica, para os jornais, após os jogos, utilizando o seu telefone da edilidade, mas a expensas dos clubes, obviamente.

Hoje, paradoxalmente, em substituição de uma emigração que agora é de cérebros, subsiste a imigração a rodos, com que as instituições de solidariedade social se veem confrontadas nos pedidos de ajuda em todas as vertentes para além da indigência propriamente dita.

Ficamos por aqui.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 15-09-2024)

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