Por
razões que se prendem com uma conversa de amigos que se manifestaram
interessados em trazer à baila um artigo que publiquei num semanário
covilhanense, cuja publicação remonta a 27-02-2004, ou seja, há vinte anos, então
sob o título “O Paradoxo”, vou reportar-me a esse texto, uma vez que os
interessados são conhecedores das personagens no mesmo inseridas e das facetas
que envolveram a situação da emigração dos anos 60 do século XX.
Naquela
altura, meados dos anos 60, vivíamos numa pobreza e falta de liberdade a todos
os títulos devastadora, onde nem sequer se pensava no desenvolvimento do
ensino, perspetivando algumas boas almas remar contra a maré na criação do
ensino superior para além de Lisboa, Porto, Coimbra e Évora. Não se conheciam nem
estavam para tão rápido a implantação das novas tecnologias e sistemas
digitais, que se desconheciam no país, e que só, a pouco e pouco foram surgindo,
muito lá para a frente.
Faz-me
muita confusão e até estranho que na Beira Baixa, distrito de Castelo Branco,
só agora tenha chegado, finalmente, o ensino secundário, no concelho de Vila
Velha de Ródão, que era o único deste distrito em que não havia esta oferta (JF
de 08-08-2024).
O
resultado de dois estudos recentes da empresa de cibersegurança NordVPN mostra
como as pessoas utilizam os smartphones em dois dos espaços mais privados. Os
dados revelaram que uma maioria significativa (83%) leva os dispositivos
inteligentes para a cama, 65% usam os smartphones na casa de banho. Estas
informações ilustram como os telemóveis se tornaram indispensáveis em muitos
contextos das nossas rotinas diárias. Embora estas pessoas realcem o papel
significativo que os smartphones passaram a desempenhar no dia a dia, mesmo em
ambientes privados, há muitas pessoas que ainda não estão sensibilizadas para
os hábitos de segurança online.
Já
num outro meu artigo, inserido noutro semanário covilhanense, em 09-01-2018, sob
o título “O Paradoxo de Portugal em 2017” referia que “o ano que findou
mostrou-nos duas facetas bem distintas na sua rotação dos 365 dias. E entre o
copo meio cheio e o copo meio vazio não podemos deixar de nos firmar na
realidade dos acontecimentos surgidos, uns, excessivamente otimistas, outros,
justificadamente pessimistas”. O ano de 2017 foi o ano em que a economia
cresceu mais do que o privado, o desemprego continuou a baixar e os juros da
dívida caíram a pique. Portugal conseguiu dar um pontapé nas agências de rating
e saiu do lixo. Foi ainda o ano em que Portugal foi eleito como o melhor
destino turístico do mundo. Ainda neste ano António Guterres subiu ao mais alto
duma organização mundial, como secretário-geral das Nações Unidas, onde ainda
se mantém e Mário Centeno, hoje Governador do Banco de Portugal, havia sido
eleito para presidente do Eurogrupo.
No
contraste sentimos a amargura dos famigerados incêndios em Pedrógão Grande, que
ceifou muitos cidadãos e destruiu imenso património principalmente florestal.
Mas
vamos ao assunto a que no início faço referência para o contexto do que me
propus escrever.
Os
imigrantes, há vinte anos, já eram 5% da população portuguesa, tendo atingido
500 mil no final do ano 2003, com supremacia para os brasileiros.
Por
todas as cidades e aldeias do nosso país se instalaram, e muitos vieram a ser
acolhidos, cidadãos de diferentes nacionalidades, num cosmopolitismo e
multiculturalismo jamais visto até finais da década de sessenta do século XX. Deixámos
de estranhar os trajes e modos de vida dos muçulmanos, dos indianos, africanos,
e outros, por essas ruas, becos e travessas fora, o que não acontecia há 60
anos em que um homem de cor geralmente só se via integrado numa equipa de
futebol.
Hoje,
felizmente, são milhares e milhares de homens e mulheres, geralmente fugindo
das guerras e da fome, que encontram no nosso país aquele paraíso com que
sonharam, contribuindo, desta forma, para que o défice de demografia não seja mais
elevado, se ocupem nos trabalhos de subsistência, que, em muitos casos, os
portugueses rejeitam, sendo, inclusive, os maiores contribuidores, com os
descontos nos seus salários, para a sustentabilidade do sistema da Segurança
Social.
Portanto,
o que se passa atualmente, e há já uns anos atrás, é exatamente paradoxal ao
que aconteceu nos finais da década de 50 e início da de 60 do século XX, onde
um forte índice de emigração surgiu, preferencialmente para França, Alemanha,
Suíça e Luxemburgo.
Nas
Câmaras Municipais era o andar num rodopio diário, para os que pretendiam sair
do país legalizados, ao contrário dos que partiam de assalto, muitas vezes em
condições infra-humanas, na esperança de encontrar o eldorado, ultrapassando assim
dificuldades e sacrifícios.
O
concelho da Covilhã também não ficou incólume a essa avalanche de gente a
contribuir para a desertificação das suas terras, mas, por outro lado, a
avolumar a remessa dos emigrantes que caíam muito bem nos cofres do Estado
Novo.
Este
formigueiro humano vinha principalmente das freguesias rurais, a norte e a sul
do Concelho: Minas da Panasqueira, S. Jorge da Beira, Casegas, Sobral de S.
Miguel, Unhais da Serra, Tortosendo, Paul, Ourondo, como também de Vale Formoso,
Orjais, Teixoso e Aldeia do Carvalho.
As
funcionárias da Câmara Municipal da Covilhã, e um funcionário, naquela época,
batiam incessantemente as teclas das máquinas de escrever, tratando da
documentação dos que pretendiam emigrar, os quais algumas vezes faziam fila
pelo corredor do município, ao tempo dos presidentes da Câmara, Dr. Baltazar e
Eng.º Vicente Borges Terenas. Cá fora, havia a recompensa, dos que pretendiam
emigrar, para as incansáveis funcionárias, pelo menos algumas…, geralmente com
produtos das suas terras, onde não faltavam alguns animeis de capoeira. Os
queijos e os presuntos também compunham alguns cabazes, contribuíam para que
pudessem ver o adiantamento e informação, sobre a sua documentação, na frente,
bem depressa, que o país das patacas ou a terra prometida estava à espera.
Essas recompensas davam ânimo e um certo
dinamismo às senhoras funcionárias administrativas do município, encarregadas
da emigração, enquanto o chefe da contabilidade, apesar da escolaridade
obrigatória, conhecido influencer da
edilidade, na sua popularidade, passava parte do tempo, numa salinha ao lado
dos gabinetes do Presidente da Câmara e do Chefe da Secretaria, com os empreiteiros
que participavam em concursos de obras municipais, principalmente quando havia
Sessões de Câmara.
O
Terceiro Oficial da edilidade que fora guarda-redes dos primórdios do Sporting
Clube da Covilhã, aos domingos rumava ao Santos Pinto para fazer os comentários
do clube serrano que depois, como correspondente do Record e d’A Bola, fazia o
seu serviço via telefónica, para os jornais, após os jogos, utilizando o seu
telefone da edilidade, mas a expensas dos clubes, obviamente.
Hoje,
paradoxalmente, em substituição de uma emigração que agora é de cérebros,
subsiste a imigração a rodos, com que as instituições de solidariedade social
se veem confrontadas nos pedidos de ajuda em todas as vertentes para além da
indigência propriamente dita.
Ficamos
por aqui.
João de Jesus Nunes
(In “O Olhanense”, de 15-09-2024)
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