Depois de já me ter reportado a
Olivença, cidade portuguesa retida pelos espanhóis, sob o título “Olivença e
a Real Politik”, em outubro de 2024, volto à carga sobre um texto inserido no
livro de Joaquim Vieira, intitulado “História
Libidinosa de Portugal”.
Um indício de adultério na perda
de Olivença.
Sucedendo a D. José em 1777, sua
filha D. Maria I, a primeira mulher a sentar-se no trono de Portugal, empenhou-se
numa política de apaziguamento, com vista a dissipar as tensões acumuladas no
reinado do pai – em grande parte devido à inflexibilidade das ações do conde de
Oeiras (promovido a marquês de Pombal em 1769).
Isso passou, desde logo, pela
dispensa de Sebastião José de Carvalho e Melo da ação governativa, assim como
pelo perdão aos dois meninos de Palhavã, exilados havia 17 anos no Buçaco. D.
António e D. José não foram, porém, autorizados a regressar de imediato a
Lisboa. Já o terceiro menino de Palhavã, D. Gaspar, arcebispo de Braga, que se
deslocou à capital para felicitar a sobrinha pela ascensão ao trono, teve de
passar por Coimbra antes de finalmente abraçar os meios-irmãos, depois de tanto
tempo de forçada incomunicabilidade.
Na reabilitação dos bastardos de
D. João V teve papel determinante o rei consorte – e também seu meio-irmão –
agora com o título de D. Pedro III, após D. Gaspar (que passou então um ano em
Lisboa) interceder a favor deles, por meio do confessor do marido de D. Maria I,
o padre José Mayne. E, em janeiro de 1778, os banidos tiveram, por fim,
autorização da sobrinha para regressarem ao Palácio de Palhavã, com vista à sua
readmissão na corte. Um cronista testemunhou que foram acolhidos em Lisboa num
ambiente de grande regozijo e “reintegrados em todas as suas honras, dignidades
e prerrogativas”.
Em agosto desse ano, D. António e
D. José visitaram D. Pedro III no Palácio de Queluz e, a partir de 1779, o mais
velho esteve ao lado do rei consorte em diversas cerimónias religiosas realizadas
no Palácio da Ajuda. Tudo indica, aliás, uma enorme proximidade entre o filho
legítimo de D. João V e os meios-irmãos, o que remetia ao esquecimento a
desconfiança recíproca existente no tempo de D. José I.
Mas a reintegração dos bastardos estava
longe de ser total, como anotou, em 1786, o embaixador francês em Lisboa, o marquês
Marc-Marie de Bombelles, ao relatar a Paris que não lhes havia sido concedido o
tratamento de alteza (pelo que não podiam contactar o corpo diplomático) e que
ambos levavam “uma vida muito retirada, muito triste, não tendo recuperado os
bens que lhes tinham sido concedidos por seu pai e de que o marquês de Pombal
os tinha esbulhado”.
Traumatizada pela desapiedada execução
dos Távoras – com a qual nunca terá concordado –, D. Maria I tratou de
reabilitar também a memória dos condenados e promover a revisão jurídica do
processo, que se saldou pela ilibação de todos os perseguidos, exceto o duque
de Aveiro, o único que teria tido responsabilidade na emboscada a D. José. Não
se conclui, sequer, que a finalidade da ação consistisse em tirar a vida ao
monarca. Julga-se, aliás, que a obsessão da rainha pelo caso, levando-a a
revogar uma deliberação penal do pai, terá contribuído para afetar a sua
sanidade mental – mais abalada ainda a partir de 1786 com o falecimento do
marido –, a ponto de ser considerada inapta para reinar.
Tendo morrido em 1788 o seu primogénito
(destino que, em 1763, já tivera o segundo, D. João Francisco, falecido menos
de um mês após o nascimento), foi o terceiro descendente, D. João, quem assumiu
a governação a partir de 1792, aos 25 anos, e a regência sete anos mais tarde,
por absoluta incapacidade da mãe.
Foi já o príncipe regente que, a
4 de fevereiro de 1801, concluiu o processo de reabilitação total dos “tios de
Sua Majestade” (como eram designados), D. António e D. José, considerando-os “limpos
de toda a mancha” quanto aos crimes que o marquês de Pombal lhes imputara
quatro décadas antes e enaltecendo “a regularidade de suas vidas e a pureza de seus
costumes, em todo o tempo exemplares”.
D. António, falecido no ano
anterior (já como cavaleiro da Ordem de Cristo), não pôde sentir o consolo, mas
D. José (cavaleiro da Ordem de Avis desde 1789) ainda beneficiou do novo
estatuto, vindo a morrer meses mais tarde, aos 81 anos. Foram ambos sepultados
no panteão dos Braganças, na Igreja de São Vicente de Fora, em Lisboa, em
túmulos situados frente a frente.
O príncipe D. João, nesse mesmo
ano de 1801, teve de lidar com mais um confronto armado entre Portugal e
Espanha, do qual resultaria a perda permanente da praça de Olivença pelo mais
pequeno dos países ibéricos (apesar de posteriores tratados internacionais
obrigarem Madrid à sua devolução – o que nunca veio a suceder).
A designação da breve contenda
poderá ter radicado em mais um caso de adultério régio, desta vez do lado de lá
da fronteira. A 20 de maio, o exército espanhol desencadeou no norte do
Alentejo uma ofensiva relâmpago sob a direção do próprio primeiro-ministro do
rei Carlos IV, Manuel de Godoy, de quem se dizia ser amante da rainha, Maria
Luísa de Parma. A ela, ele terá enviado um ramo de laranjeira colhido nos
arredores de Évora para informá-la da
conquista de Olivença. Por essa razão, o conflito terá ficado conhecido como a Guerra
das Laranjas.
João de Jesus Nunes
(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 04-06-2025)